FCCV
FORUM COMUNITÁRIO
DE COMBATE
À VIOLÊNCIA
Salvador - Bahia - Brasil
Leitura de fatos violentos
publicados na mídia
Ano 11, nº 45, 28/11/11
A MÍDIA NO MERCADO DE VALORIZAÇÃO DE FEITOS POLICIAIS |
O mundo do crime hospeda uma ambiguidade peculiar diante do verbo render. O crime que rende pode ser aquele que corresponde ao sucesso econômico perseguido pelo transgressor; mas é também aquela forma de delito que cresce e se multiplica em cascata à maneira de safra ou de moda; enfim, um tipo de crime que pega, que cola e, neste sentido, pode ser tomado como gênero de crime bem sucedido. Outra acepção está associada à rentabilidade pública do crime que é relativa à imagem. Tem-se aí uma miríade de subtipos de delitos promovidos pela mídia, conformando uma sorte de ranking cuja lógica guarda alguma semelhança com a estrutura de representação das bolsas de valores que diariamente atualizam as oscilações dos mercados em torno dos papéis financeiros e, ao fazê-lo, “homenageia” alguns setores sempre presentes em detrimento de outros campos da economia que vivem “sem bolsa”. Neste arranjo, é cabível dizer que a bolsa “se rende” a certos itens do mercado econômico e lhes confere a etiqueta conformada pela expressão “valores”. Operação análoga a mídia realiza quando da construção da representação do universo do crime. Como resultado, há crimes com mídia garantida e aqueles desprovidos de qualquer possibilidade de reivindicação midiática. Há situações nas quais a mídia se rende ao acontecimento correlato com o universo criminoso, assumindo protagonismo na dinâmica deste campo, à semelhança do efeito que o ativo assinalado pela bolsa tem em razão da assinalação proferida.
A bolsa dá importância aos ativos que anuncia assim como a mídia confere valor adicional à ocorrência criminosa ou correlata quando a inclui na sua agenda. Neste caso, é possível o emprego do verbo render dando-se a ele o cunho de rendição midiática. Render-se ao fato, elegê-lo, é um exercício diário praticado pela mídia. Há momentos em que a rendição assume tons de incorporação ao fato, dotando-o de natureza espetacular e promovendo-o enquanto acontecimento desprovido de contrastes, uma espécie de imagem sem negativo possível, tal como a “Rocinha recuperada pelo Estado”, recentemente.
No conjunto de “ativos” empregados da construção midiática do caso, um micro episódio deu à história um preâmbulo, unanimemente destacado por seu caráter inovador. O leitor já deve saber que se trata da exaltada captura de Nem, ocorrida na véspera da entrada das forças policiais na Rocinha. O tratamento midiático conferido à prisão do bandido que se encontrava em fuga dentro de um porta-malas de um carro se caracterizou por um tipo de consagração antecipada da operação a se realizar subsequentemente, criando-se um efeito semelhante a um excelente presságio: se Nem que é Nem foi preso, imagine...!
Imediatamente foi construída uma tradução do “ativo Nem” no mercado do crime, através da apresentação midiática do currículo do criminoso com registro obrigatório da invasão do hotel de luxo em São Conrado, levando pânico a hóspedes e funcionários, em agosto de 2010.
A exposição da carreira do detido, enfatizando-se as suas responsabilidades na modernização dos negócios ilícitos, favorece a um consenso quanto a sua periculosidade e ao seu papel estratégico na estrutura do tráfico de drogas. As revelações podem, até mesmo, consentir na impressão de um “efeito eureka”, afinal, o super-bandido assume um sinônimo de explicação para o crime que ainda vige, apesar das super-baixas anunciadas nas operações policiais midiatizadas. A Nem é conferido um status de elo perdido, finalmente recuperado, preenchendo a lacuna que faltava para fechar a equação durante estes momentos de regência midiática na relação entre o crime e o Estado.
A exposição da carreira do detido, enfatizando-se as suas responsabilidades na modernização dos negócios ilícitos, favorece a um consenso quanto a sua periculosidade e ao seu papel estratégico na estrutura do tráfico de drogas. As revelações podem, até mesmo, consentir na impressão de um “efeito eureka”, afinal, o super-bandido assume um sinônimo de explicação para o crime que ainda vige, apesar das super-baixas anunciadas nas operações policiais midiatizadas. A Nem é conferido um status de elo perdido, finalmente recuperado, preenchendo a lacuna que faltava para fechar a equação durante estes momentos de regência midiática na relação entre o crime e o Estado.
A prisão de Nem assumiu a condição de feito preambular da obra de ocupação da Rocinha a partir da contribuição decisiva dada pela maior parte do setor midiático. E tal investimento tem importância no que se refere à apreciação feita pela população a respeito do caso em si e da temática, de um modo geral. Com isto se chega a uma rentabilidade no que concerne ao modo de se perceber o problema. Neste sentido, a Agência Brasil veiculou um artigo, em 15 de novembro de 2011, intitulado Rocinha vira “espetáculo midiático” no qual se ouve o professor Michel Misse, a propósito da “hipervalorização” de presos. Ele observa que, desde a República Velha, “já se identificava a tendência de tornar mais importante, inteligente e perigoso aqueles que eram capturados pela polícia”. De acordo com o analista, “Era uma forma de hipervalorizar o trabalho (policial). Desde aquela época já existia essa aliança entre a polícia e os veículos de comunicação, com suas editorias de polícia”.
No contexto em questão, o superdimensionamento de Nem atrai um rendimento proporcional para a ação, os agentes e o Estado que o detiveram. E esta rentabilidade se expressa como sinal de segurança e de confiança para o País da Copa, para o setor turístico, sem falar na boa impressão que causa aos cidadãos que nunca pisaram em solo igual ou semelhante ao da Rocinha. E quando todos esses ganhos se juntam fica ainda mais significativo o refrão ultraqualificador: sem o disparo de um único tiro!
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