terça-feira, 7 de junho de 2011

'VEJA' - MAIOR QUE A SUIÇA

(extraido da revista VEJA, São Paulo (SP – Brasil), ed. 2.219, ano 44. N. 22, pp. 128-131, 1º de junho de 2011)

Maior do que a Suiça

O que fazer quando cidades já gigantescas crescem tanto que o limite entre elas desaparece? Na China, resolveu-se planejar a mais impressionante megalópole do mundo
O geógrafo francês Jean Gottmann criou o conceito de megalópole em 1961, para descrever o inchaço urbano da costa leste americana, com o surgimento desordenado de cidades de mais de 10 milhões de habitantes. Durante décadas. as megalópoles foram vistas como uma anomalia inevitável, provocada pela rápida urbanização após a II Guerra Mundial. A China quer provar que não precisa ser assim. Até 2020. o governo de Pequim pretende inaugurar a primeira megalópole planejada do mundo, ainda sem nome. O Plano de Desenvolvimento Coordenado das Aglomerações Urbanas no Delta do Rio Pérola, como é chamado o projeto, foi esboçado com o objetivo de unir nove cidades que ocupam ao todo 42000 quilômetros quadrados, uma área maior do que a da Suíça, e abrigam 45 milhões de pessoas. Cerca de 150 projetos de infraestrutura vão conectar as redes de transporte, energia, água e telecomunicações existentes. Vinte e nove linhas de trem de alta velocidade, em um total de 5000 quilometros, serão construídas a fim de reduzir o tempo das viagens no perímetro urbano para. no máximo, uma hora de duração. Tudo gerenciado por três superprefeituras, que responderão diretamente a Pequim e atuarão em conjunto. A administração coordenada é uma das maiores vantagens da iniciativa. "Nas regiões metropolitanas brasileiras, por exemplo, o diálogo entre municípios vizinhos costuma ser difícil ou mesmo inexistente", diz Witold Zmitrowicz, professor de planejamento urbano da Universidade de São Paulo. Questões práticas, como a necessidade de encontrar uma solução para o descarte do lixo que não prejudique cidades próximas, sucumbem às diferenças partidárias entre os prefeitos ou à simples falta de competência.
O delta do Rio Pérola, no sul da China, é a região mais industrializada do país e uma das mais populosas do mundo. "Lá, é impossível perceber quando uma cidade acaba e outra começa", diz o sociólogo chinês Yong Cai. Para além do aspecto urbanístico, a criação formal de uma megalópole explica-se pela tentativa de flexibilizar o hukou, sistema de registro cujo objetivo é dificultar a movimentação dos chineses dentro do país. Criado pelo Partido Comunista em 1958, para controlar a migração interna. o hukou exige dos cidadãos que obtenham aprovação das autoridades para trabalhar. ter acesso ao sistema de saúde, abrir um negócio ou comprar casa em uma cidade diferente da natal. Cerca de 140 milhões de chineses estão nesse limbo jurídico, vivendo em localidades das quais não podem desfrutar inteiramente as oportunidades. O hukou é tão relevante que. no concorrido mercado casamenteiro da China, ter o direito de morar em uma cidade é meio passo para casar-se com uma mulher. Uma pesquisa recente mostrou que 70% das chinesas preferem se casar com alguém que tenha casa própria na cidade em que vivem. Para metade das entrevistadas. um endereço urbano é mais importante num pretendente do que a sua personalidade ou beleza. "Quando o delta do Rio Pérola estiver integrado. seus moradores poderão viajar livremente dentro do perímetro da megalópole e usar benefícios sem restrições". diz Yong Cai. As autoridades temem abolir de vez o hukou, porque acreditam que isso incrementará ainda mais o inchaço das cidades do país. que crescem a uma taxa de 3.3% ao ano.
A China, no entanto, tampouco quer desperdiçar as vantagens da urbanizacão acelerada. Cidades estimulam o crescimento industrial, criam empregos e reduzem o custo dos serviços básicos. O preço para entregar água potável e educação em zonas urbanas. por exemplo. é 50% mais baixo do que nas rurais. Segundo o último censo. 600 milhões de chineses vivem em cidades. Em 2030. serão I bilhão. "É um processo de urbanização em larga escala jamais visto na história", diz Feng Wang, diretor do Centro BrookingsTsinghua para Políticas Públicas, com sede em Pequim. O delta do Rio Pérola è apenas o começo. Urbanistas chineses já começam a estudar a possibilidade de criar uma megalópole na bacia do Bohai, região ao redor de Pequim e Tianjin. Se sair do papel. ela terá 260 milhões de habitantes - 36% mais do que a população brasileira.
As cidades desertas do oeste
Enquanto as megacidades tomam forma na costa leste da China, onde se concentra a maior parte das indústrias e da população do país, a realidade é oposta no oeste e no norte. Nessas regiões, o governo também investiu em infraestrutura, mas os resultados foram parcos. Como elas são menos industrializadas, atraem poucos migrantes, não importa quantas milhões de iuanes sejam gastos em obras. Kangbashi, na fronteira com a Mongólia, é a prova disso. É uma cidade, literalmente, deserta. Foi erguida nas dunas do Deserto de Gobi, a 30 quilômetros de Ordos, cujo território é rico em carvão e gás natural e tem uma renda per capita de 20500 dólares (a maior do país). Para os dirigentes do Partido Comunista, era o endereço ideal para fundar uma megalópole interiorana. Desde 2004, mais de 160 bilhões de dólares foram desembolsados para construir Kangbashi. Prédios futuristas foram erguidos, cercados por belos jardins. Avenidas amplas, museus, teatros e até um autódromo foram inaugurados. Só faltaram os moradores. Planejada para abrigar 1 milhão de pessoas, Kangbashi tem apenas 30000, ou 3% da meta inicial. A maioria dos habitantes é composta de trabalhadores da construção civil aposentados e funcionários públicos. Na imprensa oficial: o governo garante que todos os 300 000 apartamentos foram vendidos. A maioria está vazia. Embora perto da mais do que promissora Ordos, Kangbashi está deserta porque os preços das casas são inacessíveis para a imensa maioria dos chineses. "Ninguém vai para Ordos ou Kangbashi, porque o custo de habitação também é impeditivo", diz o sociólogo chinês Yong Cai. Os primeiros compradores das casas as adquiriram não para morar, mas para vendê-las mais tarde por um preço maior. "Eles queriam especular com imóveis, uma vez que na China não são muitas as opções de investimento", diz Bill Adams, economista americano do Centro China de Economia e Negócios, em Pequim. A bolsa de ações é mais volátil que nos países desenvolvidos e o govemo controla os investimentos no exterior. Os imóveis, assim, apareceram como opções mais lucrativas. O efeito colateral é o aumento no preço da casa própria - e as cidades-fantasma.

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