sábado, 4 de junho de 2011

A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO ... (6)

A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO, EMBORA HAJA TANTO DESENCONTRO PELA CIDADE (6)

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela tenha o sentido que se deseja. Assim, a escolha de uma profissão também é a arte do encontro, porque a vida só adquire vida, quando a gente empresta a nossa vida, para o resto da vida.”
(Vinicius de Moraes)


ABRAÇOS E DESPEDIDAS
Milton Nascimento e Fernando Brant

Mande notícias do mundo de lá, diz quem fica.
Me dê um abraço, venha-me apertar, estou chegando.
Coisa que gosto é poder partir sem ter planos,
Melhor ainda é poder voltar quando quero.
Todos os dias é um vai e vem
A vida se repete na estação
Tem gente que chega para ficar
Tem gente que vai para nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar
E assim chegar e partir
São só dois lados da mesma viagem,
O trem que chega é o mesmo trem da partida.
A hora do encontro é também despedida.
A plataforma desta estação é a vida deste meu lugar,
É a vida.deste meu lugar
É a vida .....

Vamos, agora, clicar  http://www.youtube.com/watch?v=tyBvtrjLUrg para nos deliciarmos com a voz e a interpretação da célebre Maria Rita, filha da célebre Ellis Regina ... e com um cenário irrepreensível.
Podemos clicar também http://www.youtube.com/watch?v=XAqT4jyrXmk para mergulharmos nas plasticidades interpretativas do coral da Universidade Federal do Ceará (Ceará – Brasil)


Sempre que ouço "ABRAÇOS E DESPEDIDAS", seja cantada por Milton Nascimento, Simone ou Maria Rita ... sinto-me arrastado, sem resistências, a recitar esse trecho da Ode Marítima de Álvaro de Campos - um dos heterônimos do poeta português Fernando Pessoa:
 

Ah, todo o cais é uma saudade de pedra!
E quando o navio larga do cais
E se repara de repente que se abriu um espaço
Entre o cais e o navio,
Vem-me, não sei porquê, uma angústia recente,
Uma névoa de sentimentos de tristeza
Que brilha ao sol das minhas angústias relvadas
Como a primeira janela onde a madrugada bate,
E me envolve como uma recordação duma outra pessôa
Que fôsse misteriosamente minha.

Cidades estão cheias de cais: estações de trem, de metrô e de ônibus, portos marítimos e fluviais, aeroportos ... todos sempre partindo para toda a parte e sempre chegando de onde se chega, de onde se vem. Cidades estão cheias de saudades de pedra.
Ficando, ainda com Fernando Pessoa, diríamos que " minha pátria é o lugar onde eu não estou ...";  ou (ainda Pessoa)  "Minha Pátria é minha língua. Pouco se me dá que Portugal seja invadido, desde que não mexam comigo"

Esse "lado de lá" , "esse outro lado" de cujas notícias estamos morrendo de ansiedade esperançosa (ou não!), é o lugar onde eu não estou. Não fora isso, seria cá e não lá.
Tenho o hábito - acrescento delicioso - de ir a estações rodoviárias e, principalmente, a aeroportos ... como diria ... 'sem necessidade'. 'Sem necessidade' posto que não vou embarcar nem vou aguardar alguém prestes a desembarcar. Só mesmo para ver o movimento de pessoas, malas, máquinas, vozes humanas, orgânicas ... e vozes  mecânicas; para ver cores e sentir odores. Dizem que isto é costume e programa de fim de semana de paulista; pra mim tudo bem. Sou daquelas gentes que veem só olhar e sinto-me bem em estar num dos seis grupos (ou tipologias?) de quem vai aos 'cais' das cidades; 


Tem gente que chega para ficar
Tem gente que vai para nunca mais
Tem gente que vem e quer voltar
Tem gente que vai e quer ficar
Tem gente que veio só olhar
Tem gente a sorrir e a chorar

A imagem de 'cais', de Álvaro de Campos/Fernando Pessoa, é feliz; duvidar quem há-de?. Fosse eu o entre privilegiado de fazer poesia e imagens como estas na estonteante "Ode Marítima", eu acrescentaria tratar-se de um "cais onde batem com forças  vagas de lágrimas. Melhor assim, melhor para o mundo que eu sequer seja um poeta de versos de 'pé quebrado'.  Mas não me dou por vencido, e proponho que nos 'cais' das cidades atuem profissionais, dezenas deles, que sejam competentes e qualificados para, conosco, chorar de alegria quando desembarca nossos entes queridos; e chorar de tristeza nas despedidas.


Boa viagem,

Vicente




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