sábado, 11 de junho de 2011

TUCCI - ÁGUAS URBANAS (4 - FINAL)


TUCCI - ÁGUAS URBANAS (4 - FINAL)



29 de Abril de 2011 às 12h 00m · Ricardo · Arquivado sob Geral

As águas urbanas geralmente incluem abastecimento de água e saneamento. Nessa perspectiva, saneamento envolve a coleta de tratamento de efluentes domésticos e industriais, não inclui drenagem urbana, gestão dos resíduos sólidos, porque ainda perdura uma visão desatualizada da gestão das águas urbanas da cidade.

Carlos E. M. Tucci

Os sólidos totais
Os dois tipos principais de sólidos são os sedimentos gerados pela erosão do solo, em razão do efeito da precipitação e do sistema de escoamento, e os resíduos sólidos produzidos pela população. A soma desses dois componentes é chamada de sólidos totais.
No desenvolvimento urbano, são observados alguns estágios distintos da produção de material sólido na drenagem urbana, como seguem:
a) estágio de pré-desenvolvimento: a bacia hidrográfica naturalmente produz uma quantidade de sedimentos transportada pelos rios em razão das funções naturais do ciclo hidrológico;
b) estágio inicial de desenvolvimento urbano: quando ocorre modificação da cobertura da bacia, pela retirada da sua proteção natural, o solo fica desprotegido e a erosão aumenta no período chuvoso, aumentando também a produção de sedimentos. Exemplos dessa situação são: enquanto um loteamento é implementado, o solo fica desprotegido; ruas sem pavimento; erosão pelo aumento da velocidade do escoamento a montante por áreas urbanizadas; na construção civil por falta de manejo dos canteiros de obras onde ocorre grande movimentação de terra. Esse volume é transportado pelo escoamento superficial até os rios. Nessa fase, existe predominância dos sedimentos e pequena produção de lixo;
c) estágio intermediário: parte da população está estabelecida, ainda existe importante movimentação de terra por causa de novas construções. Em virtude da população estabelecida, existe também uma parcela de resíduos sólidos que se soma aos sedimentos;
d) estágio de área desenvolvida: nessa fase praticamente todas as superfícies urbanas estão consolidadas, resultando numa produção residual de sedimentos em razão das áreas não-impermeabilizadas, mas a produção de lixo urbano chega ao seu máximo com a densificação urbana.
Qualidade da água do pluvial
A quantidade da água na drenagem pluvial possui uma carga poluente alta por causa das vazões envolvidas. O volume dessas vazões é mais significativo no início das enchentes. Os primeiros 25 mm de escoamento superficial geralmente transportam grande parte da carga poluente de origem pluvial (Schueller, 1987).
Uma das formas de avaliar a qualidade da água urbana é pelos parâmetros que caracterizam a poluição orgânica e a quantidade de metais. Schueller (1987) cita que a concentração média dos eventos não se altera em razão do volume do evento, sendo característico de cada área drenada.
A rede de esgoto pode ser combinada (sanitário e pluvial num mesmo conduto) ou separada (rede pluvial e sanitária separada). A legislação estabelece o sistema separador, mas na prática isso não ocorre em razão das ligações clandestinas e da falta de rede de esgoto sanitário. Por causa da falta de capacidade financeira para implantação da rede de esgoto, algumas prefeituras têm permitido o uso da rede pluvial para transporte do esgoto sanitário, o que pode ser uma solução inadequada à medida que esse esgoto não é tratado. Quando o sistema sanitário é implementado, a grande dificuldade envolve a retirada das ligações existentes da rede pluvial, o que na prática resulta em dois sistemas misturados com diferentes níveis de carga.
A qualidade da água da rede pluvial depende de vários fatores: da limpeza urbana e sua freqüência; da intensidade da precipitação e sua distribuição temporal e espacial; da época do ano e do tipo de uso da área urbana.
Gestão das águas urbanas
A gestão das ações dentro do ambiente urbano pode ser definida de acordo com a relação de dependência da água através da bacia hidrográfica ou da jurisdição administrativa do município, do Estado ou da nação. A tendência da gestão dos recursos hídricos tem sido realizada através da bacia hidrográfica, no entanto a gestão do uso do solo é realizada pelo município ou grupo de municípios numa Região Metropolitana. A gestão pode ser realizada de acordo com a definição do espaço geográfico externo e interno à cidade.
Os planos das bacias hidrográficas têm sido desenvolvidos para bacias grandes (> 1.000 km2). Nesse cenário, existem várias cidades que interferem umas nas outras, transferindo impactos. O plano da bacia dificilmente poderá envolver todas as medidas em cada cidade, mas deve estabelecer os condicionantes externos às cidades, como a qualidade de seus efluentes, as alterações de sua quantidade, que visem à transferência de impactos. O mecanismo, já previsto na legislação, para gestão dos impactos da qualidade da água externa às cidades é o enquadramento do rio dentro dos padrões do Conama. No entanto, esses padrões não estabelecem padrões para controle do aumento da vazão por causa da urbanização.
A gestão do ambiente interno da cidade trata de ações dentro do município para atender aos condicionantes externos previstos no Plano de Bacia para evitar os impactos. Esses condicionantes geralmente buscam minimizar os impactos da quantidade e melhorar a qualidade da água no conjunto da bacia, além dos condicionantes internos que tratam de evitar os impactos à população da própria cidade. Para esses dois espaços existem gestores, os instrumentos utilizados e as metas da gestão, como descrito na Tabela 3. A construção global dessa estrutura de gestão esbarra em algumas dificuldades:
• Limitada capacidade dos municípios para desenvolverem a gestão, considerando a maioria desses.
• O sistema de gestão das bacias ainda não é uma realidade consolidada na maioria dos países da América do Sul.
• Reduzida capacidade de financiamento das ações pelos municípios e o alto nível de endividamento.
No primeiro caso, a solução passa pelo apoio estadual e federal mediante escritórios técnicos que apóiem as cidades de menor porte no desenvolvimento de suas ações de planejamento e implementação. O segundo dependerá da transição e evolução do desenvolvimento da gestão no país. O terceiro dependerá fundamentalmente do desenvolvimento de um programa em nível federal e mesmo estadual, com um fundo de financiamento para viabilizar as ações.
Tendências
As metas do milênio propostas pelas Nações Unidas envolvem vários aspectos nos quais a gestão das águas urbanas faz parte. Os principais são: (a) redução da falta de água potável e coleta e tratamento de esgoto em 50% até 2015; (b) redução da pobreza, em que a vulnerabilidade a eventos naturais e antrópicos tem peso muito grande, já que a vulnerabilidade a secas e inundações é um dos principais fatores de pobreza. Para atingir as Metas do Milênio em 2002 em Johanesburgo foi estabelecido que os países deveriam buscar desenvolver Planos de Recursos Hídricos para atingir as várias metas. Esses planos na realidade envolviam desenvolver a gestão dos recursos hídricos nos países.
O Brasil evoluiu no processo quanto à Gestão de Recursos Hídricos, pois ao implantar a Lei de Recursos Hídricos deu o primeiro passo instituindo o mecanismo amplo de gestão das águas, criou os instrumentos como outorga, cobrança e enquadramento dos rios (metas de qualidade da água), estabelecendo as condições de contorno para as cidades quanto à contaminação dos rios. Recentemente concluiu o Plano Nacional de Recursos Hídricos (MMA, 2006) e foi aprovada (janeiro de 2007) uma nova Legislação de Saneamento Ambiental que integra os mecanismos econômicos. Implementou as instituições como a Agência Nacional de Águas e estão em andamento as agências estaduais e os Conselhos e Comitês de bacia. Portanto, o processo está se encaminhando de forma adequada. No entanto, no âmbito das ações no saneamento observa-se o seguinte:
a) Atualmente no país existe um universo de várias cidades com serviços privatizados (empresas de direito privado é da ordem de 10%), com serviços públicos municipais e a grande maioria com serviços de empresas públicas estaduais. As empresas estaduais representam aproximadamente 82% da população atendida para abastecimento e 77% da população no esgoto (Ipea, 2002).
b) A cobertura de coleta de esgoto é média se forem consideradas as fossas, mas baixa cobertura de tratamento de esgoto que compromete o todo, já que contamina os mananciais.
c) A vulnerabilidade a eventos pluviais das cidades é alta, o que agrava a situação de pobreza na periferia das cidades. Os maiores prejuízos não são necessariamente materiais, mas sociais.
Para que o país possa atingir as metas do milênio e aumentar o abastecimento e o atendimento de coleta e tratamento de esgoto reduzindo esse déficit em 50% até 2005, seria necessário atuar especialmente sobre o seguinte:
• Aumentar o abastecimento de água na área rural e da população de baixa renda, buscando atingir os níveis de cobertura total de água segura.
• O déficit em coleta de esgoto é ainda de 32,9%; portanto, para buscar as metas, representaria reduzir esse déficit para 16,4%.
• O maior problema, no entanto, se encontra na redução no tratamento de esgoto, cujo déficit se encontra em 81,8%. Dentro da metas do milênio representaria reduzir para 40,9%.
Estudo realizado pelo PMSS em 2003-2004 (apud Esbe, 2006) menciona a necessidade de um investimento de R$ 178 bilhões em vinte anos para atingir a universalização, representando 0,6% do PIB. Tucci (2005a) apresentou a necessidade de investimento para um Programa Nacional de águas Pluviais que controlasse os impactos na drenagem e inundação das cidades, e identificou um total de R$ 21,5 bilhões em 24 anos para solução desses impactos, representando até 0,2% do PIB num ano. Com base nessas estimativas, é possível antever a necessidade de investimentos da ordem de 0,8% do PIB para o saneamento ambiental (sem incluir resíduos sólidos). Essa quantia representaria a ordem de R$ 16 bilhões por ano em água, esgoto e drenagem para, no horizonte de aproximadamente vinte anos, existir um processo sustentável de desenvolvimento urbano. Caso esse investimento fosse realizado como previsto em Tucci (2005a), iniciando com as cidades maiores para as menores em termos prioritários, as maiores cargas seriam contidas nos próximos anos.
A evolução da cobertura dos serviços nos últimos cinco anos (~1% ), no entanto, é inferior ao crescimento habitacional brasileiro (2001-2005), o que tem levado a um aumento do déficit e não necessariamente a uma redução (Esbe, 2006). As principais dificuldades existentes são relacionadas com:
a) Aspectos institucionais relacionados com a gestão das companhias, mudança de legislação e falta de eficiência dos serviços na medida em que não existem parâmetros, metas bem definidas de atendimento e eficiência dos serviços. A ineficiência é transferida aos usuários, já que os serviços não possuem competitividade.
b) Econômico-financeiro, como o contingenciamento dos recursos e a capacidade de endividamento dos municípios e financiamento permanente.
Atualmente falta integrar efetivamente as metas da Gestão dos Recursos Hídricos às do Saneamento Ambiental. Apesar de essa integração estar implicitamente prevista na legislação, na prática não ocorre. O Plano da Bacia Hidrográfica prevê o enquadramento dos rios, e as cidades deveriam atuar no controle dos efluentes urbanos para atingir a meta do enquadramento dos rios internos e externos à bacia. No entanto, é necessário que existam planos e que estes enquadrem os rios nos quais as cidades influenciam, seguidos de um plano de ações para atingir as metas.

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