A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO ... (7)

A CIDADE COMO ARTE DO ENCONTRO, EMBORA HAJA TANTO DESENCONTRO PELA CIDADE (7)

“A vida é a arte do encontro, embora haja tanto desencontro pela vida. É preciso encontrar as coisas certas da vida, para que ela tenha o sentido que se deseja. Assim, a escolha de uma profissão também é a arte do encontro, porque a vida só adquire vida, quando a gente empresta a nossa vida, para o resto da vida.”

(Vinicius de Moraes)



 

                                                                     

 

 CATAVENTO  E  GIRASSOL  -

Guinga /Aldir Blanc                   

                        

                                                       

Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol

Entre o escancaro e o contido, eu te pedi sustenido e você riu bemol
Você só pensa no espaço, eu exigi duração
Eu sou um gato de subúrbio, você é litorânea
Quando eu respeito os sinais vejo você de patins vindo na contramão
Mas quando ataco de macho, você se faz de capacho e não quer confusão
Nenhum dos dois se entrega, nós não ouvimos conselho
Eu sou você que se vai no sumidouro do espelho
Eu sou do Engenho de Dentro e você vive no vento do Arpoador
Eu tenho um jeito arredio e você é expansiva, o inseto e a flor
Um torce pra Mia Farrow, o outro é Woody Allen
Quando assovio uma seresta você dança havaiana
Eu vou de tênis e jeans, encontro você demais, scarpin, soiré
Quando o pau quebra na esquina, cê ataca de fina e me ofende em inglês
É fuck you, bate bronha e ninguém mete o bedelho
Você sou eu que me vou no sumidouro do espelho
A paz é feita num motel de alma lavada e passada
Pra descobrir logo depois que não serviu pra nada
Nos dias de carnaval aumentam os desenganos
Você vai pra Parati e eu pro Cacique de Ramos
Meu catavento tem dentro o vento escancarado do Arpoador
Teu girassol tem de fora o escondido do Engenho de Dentro da flor
Eu sinto muita saudade, você é contemporânea
Eu penso em tudo quanto faço, você é tão espontânea
Sei que um depende do outro só pra ser diferente, pra se completar
Sei que um se afasta do outro, no sufoco, somente pra se aproximar
Cê tem um jeito verde de ser e eu sou meio vermelho
Mas os dois juntos se vão no sumidouro do espelho

Vamos, agora, clicar  http://www.youtube.com/watch?v=_ShiqGQp8hQ  para  ver e ouvir a incomparável interpretação de Leila Pinheiro ...  acompnahada por Guinga e seu violão.

Esses desencontros ,,, inclusive amorosos ... de que a vida (amorosa-afetiva) humana está tão repleta e, diria eu, tão enriquecida ... estão singular e pictoricamente  representados nesta instigante composição de Guinga e Aldir Blanc: Catavento e Girassol.

Como objetos, o catavento e o  girassol são visivelmente diferentes.  Por exemplo, o primeiro é um artefato mecânico e, também, lúdico, decorativo ... cultural, enfim. O girassol é uma flor  que, como  o nome sugere, acompnaha o "movimento" do sol. O que há de comum entre eles? O vento que transita  no interior do catavento,  e agita o exterior do girassol. Não é outra coisa que o sujeito lírico diz no início da letra: 

"Meu catavento tem dentro o que há do lado de fora do teu girassol"

E ao dizer isso, ele (sujeito lírico) começa a desfilar uma série de diferenças entre si  e o ser amado. Diferenças que, olhadas de um ponto de vista de outra complexidade,  falam do 'desejo do ser humano como desejo do outro', ou seja, da impossibilidade do desejo de alguém se 'enganchar' - - completa, apertadamente e sem folgas e laços frouxos - no desejo de outra pessoa. Ouvimos inúmeras vezes alguém dizer: "meu amigo/minha amiga  (ou meu amor) é uma pessoa perfeita ... só tem um defeito ...

(Engenho de Dentro - Rio de Janeiro - Brasil)

Quero falar de outro tipo de impossibilidade, mas vou deixar para mais tarde.

Agora quero lembrar da letra "Quereres" de Caetanto Valoso:

"Onde queres revolta, sou  coqueiro,

Onde queres romântico, burguês" ...

(,,,)

Ah bruta flor do querer, ah bruta flor, bruta flor ..."

"Quereres" é mais um atestado do desencontro na vida. embora a vida "seja a arte do eoncontro" (Viniciuus de Moraes)

Sim, o  outro tipo de impossibilidade que "Catavento e Girassol" nos escancara é a impossibilidade do amor. E, então, vamos direto para "O Banquete" de Platão. Este filósofo que se imortalizou com tal apelido por ter os ombos (omoplatas) excepcionalmente largos, nos relata um concurso (competição) de teses, entre filósofos, sobre o amor.

                              

      (Praia do Arpoador - Rio de Janeiro)



Aristófanes foi o autor da tese vencedora. Num passado que se perde em meio às  brumas dos tempos, um deus construiu uma criatura à sua imagem e semelhança mas, com o tempo, o ciúme e o despeito começaram a corroer a relação 'pai' e 'filho'. A criatura era tão perfeita que era masculina e feminina num só corpo; e ambas as metades faziam sexo entre sí, já que havia duas genitálias diferentes num único corpo. Movido  pela ira, esse deus corta e separa espacialmente as duas partes, de modo que, separas e sem qualquer possibilidade de se  reencontrar, cada uma delas pasaa a copular com o chão. E consta que jamais voltaram a se encontrar embora desde sempre estejam a se buscar sem sucesso. A buscar - diríamos em vão - o 'par perfeito', o 'príncipe encantado', o homem ideal, a mulher ideal. Na narrativa de Aristófanes, da  incompletude insolúvel e da impossiblidade da re-união teria nascido a impossibilidade do amor (ao menos do 'amor perfeito') e, por conseguinte, da completude (ou da fusão) entre as duas caras metades. 

Em "Catavento e Girassol" tanto quanto no  chamado "Mito de Aristófanes", o desencontro no interior do espaço afetivo é mais vigoroso e corrosivo do que o desencontro no espaço físico (praças, ruas, bairros, cidades, países ...).

Voltemos ao texto "Catavento e Girassol" ... e tudo isso estará lá; com as devidas referências urbanas, o belíssimo  Rio de Janeiro como  cenário aristofânico e epifânico do desencontro amoroso.

Aristófanes ou Guinga/Aldir Blanc, o desencontro é que permite o encontro: sustenido & bemol.

Só na morte há homeostase;


nos ENCONTRAREMOS amanhã ... domingo

Vicente
vicentedeocleciano@yahoo.com.br