quinta-feira, 9 de junho de 2011

TUCCI - ÁGUAS URBANAS (2)

TUCCI - ÁGUAS URBANAS (2)



Carlos E. M. Tucci
(continuação)
Existe uma visão limitada do que é a gestão integrada do solo urbano e da sua infra-estrutura, e grande parte dos problemas destacados aqui foi gerada por um ou mais dos aspectos destacados a seguir:
Falta de conhecimento: da população e dos profissionais de diferentes áreas que não possuem informações adequadas sobre os problemas e suas causas. As decisões resultam em custos altos, e algumas empresas se apóiam para aumentar seus lucros;
Concepção inadequada dos profissionais de engenharia para o planejamento e controle dos sistemas: uma parcela importante dos engenheiros que atuam no meio urbano está desatualizada quanto à visão ambiental e geralmente busca soluções estruturais que alteram o ambiente, com excesso de áreas impermeáveis e conseqüente aumento de temperatura, inundações, poluição, entre outros;
Visão setorizada do planejamento urbano: o planejamento e o desenvolvimento das áreas urbanas são realizados sem incorporar aspectos relacionados com os diferentes componentes da infra-estrutura de água. Uma parte importante dos profissionais que atuam nessa área possui uma visão setorial limitada;
Falta de capacidade gerencial: os municípios não possuem estrutura para o planejamento e gerenciamento adequado dos diferentes aspectos da água no meio urbano.
Águas urbanas
As águas urbanas englobam o sistema de abastecimento de água e esgotos sanitários, a drenagem urbana e as inundações ribeirinhas, a gestão dos sólidos totais, tendo como metas a saúde e conservação ambiental. Nesta seção, inicialmente é apresentada uma visão histórica do desenvolvimento das águas urbanas.
Fases das águas urbanas
A sociedade agrícola era formada de pequenos grupos ou núcleos que convergiram para as cidades atuais. Até o século XX, o desafio das cidades era evitar a proliferação de doenças, especialmente pelas condições sanitárias dos efluentes da própria população que contaminava suas fontes de abastecimento, criando condições ideais de proliferação de doenças infecciosas.
O abastecimento de água de fontes seguras e a coleta de esgoto, com despejo a jusante (sem tratamento) do manancial da cidade, tiveram como finalidade evitar doenças e seus efeitos, mas acabaram transferindo os impactos para jusante. Essa fase é chamada de higienista. O crescimento urbano no referido século se acelerou depois da Segunda Guerra Mundial, ocorreu um boom de crescimento populacional, chamado de baby boomer. Esse processo foi seguido da urbanização acelerada, levando uma alta parcela da população para as cidades nesses países, resultando novamente em colapso do ambiente urbano em razão dos efluentes sem tratamento e da poluição aérea.
Para controle desse impacto, no início da década de 1970 houve um marco importante com a aprovação do "Clean Water Act" (Lei de água limpa) nos Estados Unidos. Essa legislação definiu que todos os efluentes deveriam ser tratados com a melhor tecnologia disponível para recuperação e conservação dos rios. Foram realizados investimentos maciços em tratamento de esgoto doméstico e industrial, recuperando em parte a qualidade da água dos sistemas hídricos (rios, lagos, reservatórios e costeiro). Isso permitiu melhorar as condições ambientais, evitar a proliferação de doenças e a deterioração de fontes de abastecimento. Nessa mesma época, verificou-se que era insustentável continuar a construção de obras de drenagem que aumentassem o escoamento em razão da urbanização, como a canalização de rios naturais. Procurou-se revisar os procedimentos e utilizar sistemas de amortecimento em detrimento de canalização. Essa tem sido denominada fase corretiva das águas urbanas.
Apesar dessas ações, verificou-se que persistia uma parte da poluição em razão das inundações urbanas e rurais, chamadas de poluição de fontes difusas. Desde os anos 1990, esses países têm investido no desenvolvimento de uma política de desenvolvimento sustentável urbano baseado no tratamento das águas pluviais urbanas e rurais, conservação do escoamento pluvial e tratamento dos efluentes em nível terciário para retirada de nitrogênio e fósforo que eutrofizam os lagos. A base desse desenvolvimento no uso do solo é a implementação da urbanização, preservando os caminhos naturais do escoamento e priorizando a infiltração. Essa fase tem sido denominada desenvolvimento sustentável (Tabela 1).
Nos países em desenvolvimento, as cidades variam de estágio. Inicialmente, quando a população é pequena, o abastecimento é realizado a partir de poços ou de um corpo d’água próximo, e o esgoto é despejado na drenagem (quando existe) ou evolui para poços negros ou fossas sépticas. Existe o risco de a água de abastecimento ser contaminada pelo próprio esgoto. Esse cenário é dramático quando o solo tem baixa capacidade de infiltração, as fossas não funcionam e o esgoto escoa pelas ruas ou por drenagem. Esse estágio é anterior ao higienismo, o que provoca a proliferação de doenças transmitidas pela água. Nesse estágio pré-higienista, doenças como diarréia são a principal causa de mortalidade infantil.
O Brasil infelizmente está ainda na fase higienista em razão de falta de tratamento de esgoto, transferência de inundação na drenagem e falta de controle dos resíduos sólidos.
Água e esgoto
Os serviços de água e esgoto no Brasil são resumidos na Tabela 2. Pode-se observar que a cobertura de água é alta no Brasil, mas é baixa a cobertura de coleta e tratamento de esgoto.
Os serviços de água possuem problemas crônicos: preservação dos mananciais urbanos, perda de água na distribuição e falta de racionalização de uso da água em nível doméstico e industrial.
O desenvolvimento urbano tem produzido um ciclo de contaminação, gerado pelos efluentes da população urbana, que são o esgoto doméstico/industrial e o esgoto pluvial. Esse processo ocorre em razão de:
• Despejo sem tratamento dos esgotos sanitários nos rios, contaminando este sistema hídrico.
• O esgoto pluvial transporta grande quantidade de poluição orgânica e de metais que atingem os rios nos períodos chuvosos.
• Contaminação das águas subterrâneas por despejos industriais e domésticos, por meio das fossas sépticas, vazamento dos sistemas de esgoto sanitário e pluvial, entre outros.
• Depósitos de resíduos sólidos urbanos, que contaminam as águas superficiais e subterrâneas, funcionando como fonte permanente de contaminação.
• Ocupação do solo urbano sem controle do seu impacto sobre o sistema hídrico.
Com o tempo, locais que possuem abastecimento tendem a reduzir a qualidade da sua água ou exigir maior tratamento químico da água fornecida à população. Portanto, mesmo existindo hoje uma boa cobertura do abastecimento de água no Brasil, essa pode ficar comprometida se medidas de controle do ciclo de contaminação não ocorrerem.
A legislação de proteção de mananciais aprovada na maioria dos Estados brasileiros protege a bacia hidrográfica utilizada para abastecimento das cidades. Nessas áreas, é proibido o uso do solo urbano que possa comprometer a qualidade da água de abastecimento.
Por causa do crescimento das cidades, essas áreas foram pressionadas à ocupação pelo valor imobiliário da vizinhança e pela falta de interesse do proprietário em proteger a área, já que essa perdeu o valor em razão da legislação e ainda necessita pagar impostos que recaem sobre ela. Essas áreas são invadidas pela população de baixa renda, e a conseqüência imediata é o aumento da poluição. Muitos proprietários incentivaram a invasão até para poder vender a propriedade para o poder público.
A principal lição que se pode tirar desse cenário é que, ao se declarar de utilidade pública a bacia hidrográfica do manancial, essa deveria ser adquirida pelo poder público ou criar valor econômico para propriedade, mediante a geração de mercado indireto para a área (mercado de compensação ambiental, solo criado etc.), ou ainda outros benefícios para os proprietários, para compensar a proibição pelo seu uso e incentivá-lo a preservá-la. Por exemplo, no Sul ou Sudeste a disponibilidade hídrica média é de 20 l.s-1.km-2. Considerando 60% desse valor como a vazão regularizada, 1 ha permite abastecer sessenta pessoas ou quinze famílias. A área poderia ser alugada por 0,5% do valor da propriedade por mês com o compromisso do proprietário de preservar a área em condições naturais. O valor do aluguel representaria um aumento do valor do preço da conta de água de 5% a 15%. Esse aumento seria o preço a ser pago para garantir a qualidade da água ao longo do tempo.
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Amanhã, sexta-feira, terceira parte)















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