quarta-feira, 31 de agosto de 2011

HÁ 40 ANOS, CURITIBA FEZ O 1º CALCADÃO DO BRASIL

HÁ 40 ANOS, CURITIBA FEZ O PRIMEIRO CALCADÃO DO BRASIL


CURITIBA - PARANÁ - BRASIL





Texto de Vicente Deocleciano Moreira

Costumo chamar minha querida, doce e leve Curitiba de cidade mestra de todas as demais capitais e cidades deste vasto Brasil. Ela tem exercido a vanguarda das inovações urbanísticas na direção da melhoria da qualidade de vida e da mobilidade das cidades. E isso não vale apenas para os séculos XIX, XX ou XXI. Basta simplesmente falar  das normas urbanísticas estabelecidas pelo ouvidor Pardinho, em 1720, para Curitiba – particularmente para a então rua principal chamada Rua das Flores, objeto das preocupações do ouvidor que proibira, então, alinhamentos mal traçados. Essa importante – e ainda charmosa – Rua das Flores em 1846 recebeu calçamento e os primeiros lampiões de gás.


Para homenagear a visita imperial (1880), a Rua das Flores passou a chamar-se Rua da Imperatriz  e, em  1889, Rua XV de Novembro, festejando a Proclamação da República (15 de novembro de 1889). Foi asfaltada em 1926 e, desde 1972 (um ano transformada em calcadão),  resgatou o antigo e tradicional nome : Rua das Flores.
A Rua da Flores ficou famosa local, nacional e internacionalmente, por ter sido transformada, em 1971,  no primeiro calçadão do Brasil. Paranaenses e visitantes corriam até essa rua para ver e crer uma rua subtraída aos automóveis e ônibus para o bem,  conforto e segurança do ‘animal’ medida de todas as coisas que devam fazer e preservar numa de uma cidade: o pedestre. Antes do calçadão da Rua das Flores, o Brasil acreditava ser um destino, um fado,  uma irrevogabilidade urbana a ‘ditadura’ dos veículos sobre as pistas.
Imitando ou tentando imitar o que se fez na Rua das Flores, cidades de todos os tamanhos em todo o Brasil, também criaram seus calçadões. E, pessoalmente, não tenho notícias de que tais equipamentos, quando criteriosamente resolvidos e instalados tenham piorado o mais caótico/menos caótico trânsito de uma cidade brasileira.
Poucas ruas no Brasil e no Mundo criaram e ainda preservam a condição de espaço de encontro de pessoas dos mais diversos segmentos sociais, ante e depois de um atribulado dia de trabalho.
A “Boca Maldita” (onde homens se encontram para conversar entre um cafezinho e outro), cinemas, lanchonetes, o famoso e sempre imitado bondinho (um vagão trazido do sistema curitibano  de transporte do passado) abriga crianças e lhes oferece atividades de lazer e lúdicas/educativas, enquanto mães e pais fazem compras. Tudo isso sob o doce olhas de portas e janelas de sobrados.



Um desses belos e realmente conservados prédios, imenso (foto acima) nas noites de Natal é enriquecido por um coral de crianças e adornado por decoração e iluminação especiais. Uma atração natalina de prestígio internacional. Emocionante.


VISITE CURITIBA EM SUAS PRÓXIMAS FÉRIAS, FERIADÕES ... OU  QUANDO ESTIVER NO  BRASIL. COMO POUQUÍSSIMAS CIDADES BRASILEIRAS,   VOCÊ SERÁ BEM SERVIDO E TERÁ O CONFORTO, O RESPEITO  E A GENEROSIDADE E CIVILIDADE DAS PESSOAS, SERVIÇOS IRREPREENSÍVEIS  DE RESTAURANTES, TEATROS, HOTÉIS ... E, EXCLUSIVAS DE CURITIBA, A POESIA E A MAGIA DA RUA DAS FLORES.
COM EMOÇÃO, FALO  E RECOMENDO CURITIBA PELAS  EXPERIÊNCIAS PRÓPRIAS DAS MINHAS ANDANÇAS, ESTADAS E  MORADIAS PARANAENSES

Vicente

terça-feira, 30 de agosto de 2011

LENDAS URBANAS - A MULHER DE ROXO (2 - FINAL) - SALVADOR - BAHIA - BRASIL


terça-feira, 8 de julho de 2008

A Mulher de Roxo

Uma mulher, vestida de roxo,
 com roupas longas, mantas
 compridas, um grande crucifixo
 e uma Bíblia na mão tornou-se
 um mito popular do Centro
Histórico nos anos 1970. Sua
vestimenta, seus acessórios
e o modo como ficava nas ruas –
 sentada, sem conversar ou pedir
esmola – suscitava na imaginação dos que a viam
o ar de uma mendiga, de uma santa ou de uma louca.
 A mulher de roxo ficava próximo à loja Slopper,
 na Rua Chile, local onde as damas da sociedade
baiana se reuniam para comprar roupas.

Alguns afirmam que ela se chamava
Doralice, outros Florinda. Alguns
afirmavam que ela ganhava as roupas
 da Igreja de Nossa Senhora do Rosário
 dos Pretos, outros que ela mesma
costurava retalhos roxos e transformava-os
em vestidos. Estórias sobre a vida e o por
que daquela mulher está nas ruas está
presente em livros, contos publicados em
 jornais e até em vídeo.




Segundo Anísio Félix, a
Mulher de Roxo
 “apareceu nos anos 1960
 na zona do
 Pelourinho, exatamente
na casa de número 6
 da Rua Gregório de Mattos,
 em um bordel
conhecido como Buraco Doce.
Ela era uma mulher muito bonita,
 cabelos negros longos, vestidos
caros e jóias” (FÉLIX, 1995, p. 101).
Depois passou a morar nas ruas.

Em alguns momentos a Mulher de Roxo
 perambulava pelo Centro Histórico vestida
 de noiva, com buquê, véu e grinalda.
Com isso surgiu a lenda de que havia sido
abandonada no altar, ou
que era uma ex-freira expulsa
por causa de um namorado, ou
que tinha um filho que a rejeitava,
 que já havia sido muito rica, que era
 professora, e por tudo ou nada
 disso, tinha enlouquecido. Nada se sabe.

 O que se tem certeza é que em 1993 e
 por alguns anos a Mulher de Roxo
 esteve internada no Hospital Santo Antonio,
 organização das Obras Sociais de Irmã Dulce.

.

5 comentários:



Fernanda disse...
Esta postagem foi removida pelo autor.
Carmina Burana disse...
...hoje nao moro mais em Salvador; mas quando eu tinha uns 6 anos de idade e passeava com a minha mae no centro da cidade sempre a via na porta da antiga Slopper, apresar da minha pouca idade ela me intrigava e ate hoje me fascina...queria saber mais sobre ela. Tao alheia, tao eterea, tao classica ... nao a via como uma santa, para mim era como se ela fosse uma musa...uma inspiracao...mas tambem me dava um frio na espinha quando eu passava por ela.
Carmina Burana disse...
Continuando...certa vez a minha mae
fez para mim uma sainha de croche com
 um resto de linha roxa, vesti uma blusa
 branca e a tal saia fomos passear no
centro da cidade e ao passarmos perto
da mulher de roxo, ela tocou a barra da
minha saia e disse : que saia linda! tenho
 ate hoje este momento eternizado na
 minha memoria...ela tao distante ,
tinha percebido a minha
saia!!!!!!!! foi muito legal...inesquecivel
 mesmo.
Carmina Burana disse...
...hoje nao moro em Salvador ,
mas me lembro quando passava
pela slopper-eu devia ter uns
6 anos de idade- me impressionava
ve la; a sua imagem me intrigava muito
 apesar da minha pouca idade na epoca...
sempre quis saber quem era mesmo essa
misteriosa mulher. abraco grace
gracelimam@hotmail.com
Giuliana Kauark disse...
Grace... Não cheguei a conhecer
a Mulher de Roxo, só mesmo a sua história...
bom ter um relato de alguém que se viu e
se emocionou com esta figura lendária! valeu!!




segunda-feira, 29 de agosto de 2011

LENDAS URBANAS - A MULHER DE ROXO (1) - SALVADOR - BAHIA - BRASIL

LENDAS URBANAS - A MULHER DE ROXO

SALVADOR - BAHIA - BRASIL



Texto do Blog CorreaNeles

"Qualquer baiano acima dos cinquentinha a conhece. Em mim, despertava muita curiosidade quando a encontrava na porta da Slopper onde minha mãe fazia compras. Nós discutíamos suas origens e seus mistérios enquanto tomávamos chá no Salão das Duas Américas. Calada,tímida e muito educada ninguém sabia de certeza quem ela era.

Hoje,sabemos. É uma das lendas mais gostosa de ser recordada nesta misteriosa cidade do Salvador.

Sempre de roxo, com roupas que lembravam o hábito usado pelas freiras, ela costumava perambular e dormir pela Rua Chile e imediações. Teria nascido em 1917 e morrido em 1997, aos 80 anos. Dizem que foi moça instruída, de boa família e que teria enlouquecido por causa de uma grande desilusão amorosa. O final da vida da Mulher de Roxo foi triste, assim como a sua imagem em vida, marcada pelo abandono de todas as coisas.

A história de Florinda Santos, a conhecida Mulher de Roxo, se transformou numa lenda urbana, uma figura mitológica conhecida por todos da localidade. Não importava se o dia era de chuva ou de sol, ela nunca faltava. Era só as portas do comércio da Rua Chile abrirem e dona Florinda já se encaminhava para a entrada da Slopper. Vestida com roupa de veludo violáceo, iniciava o ritual diário. Andava de um lado para o outro, falava sozinha e sempre pedia dinheiro. Tudo com muita educação. Afinal, dizia-se que a Mulher de Roxo, personagem dos tempos diários do centro da cidade, vinha de boa família.

Andava descalça com longas mantas, um torço e um enorme crucifixo. Tudo isso dava a ela um ar meio santo, meio louco, meio andarilho e meio mendigo. Algumas vezes a dama desfilou com uma roupa de noiva, com direito a buquê, véu e grinalda. Com todos esses componentes cênicos, contraditórios e demasiadamente humanos, a mulher de roxo despertou sentimentos em toda a cidade, medo e respeito, pena e carinho.

Qual sua origem? Poucos sabem direito. Uns defendem a tese de que havia perdido a fortuna e enlouquecido; outros apregoavam que teria visto a mãe matar o pai e depois suicidar-se; terceiros garantiam, ainda, que ela perdera a filha de consideração e a casa, na Ladeira da Montanha, numa batalha contra o jogo. Outros ainda contam que ela enlouqueceu porque teria sido abandonada no altar.



Em outros depoimentos,. aparece como uma bela mulher, a mais cortejada dentre as freqüentadoras do chá no final da tarde na Confeitaria Chile e como ex-professora em Paripe. Florinda, que nunca contou a ninguém, sua verdadeira história, perambulava com suas vestes roxas, inspiradas nas roupas das suas santas de devoção.


Vestida de freira, circulava livremente pela rua mais badalada de Salvador. A estranha indumentária, que incluía ainda um grande crucifixo, a transformou na Mulher de Roxo, a principal lenda urbana da capital.


Foi assim que Florinda, a mendiga que jurava ser rica,  passou a ser a personagem lendária, surgida, do nada, em frente à loja Sloper, nos anos 60 do século XX, em Salvador. Quando se enfeitava, com maquiagem forte no rosto e nos lábios, ela usava o espelho retrovisor dos automóveis estacionados. Como sanitário, servia-lhe qualquer território mais calmo. A Rua Chile era sua verdadeira casa, seu mundo, seu reinado. A intimidade com a rua era tão grande que ela sempre andava descalça. Na fachada da loja Sloper, localizava-se o seu trono de sarjeta. Na Rua Chile, chegava sempre muito cedo, circulava pelo centro e só recolhia o seu saco preto ao meio-dia, quando almoçava. Ao final do dia, voltava, andando, ao albergue noturno da prefeitura, situado na Baixa dos Sapateiros.

Muitas reportagens foram publicadas na época sobre a mulher de roxo ou dama de roxo. O jornalista Marecos Navarro gravou uma entrevista exclusiva com ela e é um dos raros documentos em que é possível ouvir a voz de Florinda. Em 1985 o cineasta baiano Robinson Roberto documentou um vídeo em Super 8 em que a mulher de roxo diz morar no albergue há três anos, e revela pertencer à família Rainha Princesa. Foi também personagem retratado na Galeota Gratidão do Povo, painel de 160 metros quadrados pintado por Carlos Bastos, que decora o plenário da Assembléia Legislativa.

Ela era tão cinematográfica que até inspirou um personagem do cineasta Glauber Rocha no filme O Dragão da Maldade Contra o Santo Guerreiro (1969). A moça de manta roxa do filme era baseada na lenda viva da Rua Chile. Ela também inspirou o documentário A Mulher de Roxo, produzido pelo Pólo de Teledramaturgia da Bahia. O vídeo de 12 minutos, dirigido por Fernando Guerreiro e José Américo Moreira da Silva, mistura documentário e ficção. Haydil Linhares é uma das atrizes que vive Florinda Santos, a Mulher de Roxo.


A personagem lendária da Rua Chile hoje é só lembrança. Se em vida foi famosa ou anônima, rainha ou plebéia, foi uma lenda urbana de Salvador. Enclausurada em si mesma, ninguém conheceu sua verdadeira história, de riqueza ou pobreza, de princesa abandonada no altar ou professora. Talvez ela fosse tudo que sempre queria – uma personagem lendária que sobrevive no imaginário popular. Longa vida para essa dama/santa com sua aura de mistério."

domingo, 28 de agosto de 2011

NOSSO BLOGUE VISTO NO BRASIL E NO MUNDO


 
NOSSO BLOGUE VISTO NO BRASIL E NO MUNDO
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A 28 DE AGOSTO DE 2011, 16h 
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AMIGOS E AMIGAS DOS DIVERSOS CONTINENTES, QUE NOS DÃO A HONRA DA PRESENÇA E DA CONFIANÇA.


OBRIGADO,


FELIZ SEMANA


VICENTE
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TEMPOESIA NAS CIDADES - MANUEL ALEGRE


 
TEMPOESIA NAS CIDADES  
POSTAGENS  DE POESIAS QUE EXIBAM  ALGUM DESTAQUE À  CIDADE

BALADA DE LISBOA
                 Manuel de Melo Duarte Alegre Portugal
Em cada esquina te vais
Em cada esquina te vejo
Esta é a cidade que tem
Teu nome escrito no cais
A cidade onde desenho
Teu rosto com sol e Tejo

Caravelas te levaram
Caravelas te perderam
Esta é a cidade onde chegas
Nas manhãs de tua ausência
Tão perto de mim tão longe
Tão fora de seres presente

Esta é a cidade onde estás
Como quem não volta mais
Tão dentro de mim tão que
Nunca ninguém por ninguém
Em cada dia regressas
Em cada dia te vais

Em cada rua me foges
Em cada rua te vejo
Tão doente da viagem
Teu rosto de sol e Tejo
Esta é a cidade onde moras
Como quem está de passagem

Às vezes pergunto se
Às vezes pergunto quem
Esta é a cidade onde estás
Com quem nunca mais vem
Tão longe de mim tão perto 
   Ninguém assim por ninguém
___________________________
Manuel Alegre, in "Babilónia"
T




EMCONTO COM AS CIDADES - MACHADO DE ASSIS


EMCONTO COM AS CIDADES
POSTAGENS DOMINICAIS DE CONTOS 
QUE EXIBAM ALGUM DESTAQUE  À CIDADE


FIlLOSOFIA DE UMA PAR DE BOTAS



MACHADO DE ASSIS



Uma destas tardes, como eu acabasse de jantar, e muito, lembrou-me dar um passeio à Praia de Santa Luzia, cuja solidão é propícia a todo homem que ama digerir em paz. Ali fui, e com tal fortuna que achei uma pedra lisa para me sentar, e nenhum fôlego vivo nem morto. — Nem morto, felizmente. Sentei-me, alonguei os olhos, espreguicei a alma, respirei à larga, e disse ao estômago: — Digere a teu gosto, meu velho companheiro. Deus nobis haec otia fecit.
Digeria o estômago, enquanto o cérebro ia remoendo, tão certo é, que tudo neste mundo se resolve na mastigação. E digerindo, e remoendo, não reparei logo que havia, a poucos passos de mim, um par de coturnos velhos e imprestáveis. Um e outro tinham a sola rota, o tacão comido do longo uso, e tortos, porque é de notar que a generalidade dos homens camba, ou para um ou para outro lado. Um dos coturnos (digamos botas, que não lembra tanto a tragédia), uma das botas tinha um rasgão de calo. Ambas estavam maculadas de lama velha e seca; tinham o couro ruço, puído, encarquilhado.
Olhando casualmente para as botas, entrei a considerar as vicissitudes humanas, e a conjecturar qual teria sido a vida daquele produto social. Eis senão quando, ouço um rumor de vozes surdas; em seguida, ouvi sílabas, palavras, frases, períodos; e não havendo ninguém, imaginei que era eu, que eu era ventríloquo; e já podem ver se fiquei consternado. Mas não, não era eu; eram as botas que falavam entre si, suspiravam e riam, mostrando em vez de dentes, uma pontas de tachas enferrujadas. Prestei o ouvido; eis o que diziam as botas:
BOTA ESQUERDA. Ora, pois, mana, respiremos e filosofemos um pouco.
BOTA DIREITA. Um pouco? Todo o resto da nossa vida, que não há de ser muito grande; mas enfim, algum descanso nos trouxe a velhice. Que destino! Uma praia! Lembras-te do tempo em que brilhávamos na vidraça da Rua do Ouvidor?
BOTA ESQUERDA. Se me lembro! Quero até crer que éramos as mais bonitas de todas. Ao menos na elegância...
BOTA DIREITA. Na elegância, ninguém nos vencia.
BOTA ESQUERDA. Pois olha que havia muitas outras, e presumidas, sem contar aquelas botinas cor de chocolate... aquele par...
BOTA DIREITA. O dos botões de madrepérola?
BOTA ESQUERDA. Esse.
BOTA DIREITA. O daquela viúva?
BOTA ESQUERDA. O da viúva.
BOTA DIREITA. Que tempo! Éramos novas, bonitas, asseadas; de quando em quando, uma passadela de pano de linho, que era uma consolação. No mais, plena ociosidade. Bom tempo, mana, bom tempo! Mas, bem dizem os homens: não há bem que sempre dure, nem mal que se não acabe.
BOTA ESQUERDA. O certo é que ninguém nos inventou para vivermos novas toda vida. Mais de uma pessoa ali foi experimentar-nos; éramos calçadas com cuidado, postas sobre um tapete, até que um dia, o dr. Crispim passou, viu-nos, entrou e calçou-nos. Eu, de raivosa, apertei-lhe um pouco os dois calos.
BOTA DIREITA. Sempre te conheci pirracenta.
BOTA ESQUERDA. Pirracenta, mas infeliz. Apesar do apertão, o dr. Crispim levou-nos.
BOTA DIREITA. Era bom homem, o dr. Crispim; muito nosso amigo. Não dava caminhadas largas, não dançava. Só jogava o voltarete, até tarde, duas e três horas da madrugada; mas, como o divertimento era parado, não nos incomodava muito. E depois, entrava em casa, na pontinha dos pés, para não acordar a mulher. Lembras-te?
BOTA ESQUERDA. Ora! por sinal que a mulher fingia dormir para lhe não tirar as ilusões. No dia seguinte ele contava que estivera na maçonaria. Santa senhora!
BOTA DIREITA. Santo casal! Naquela casa fomos sempre felizes, sempre! E a gente que eles freqüentavam? Quando não havia tapetes, havia palhinha; pisávamos o macio, o limpo, o asseado. Andávamos de carro muita vez, e eu gosto tanto de carro! Estivemos ali uns quarenta dias, não?
BOTA ESQUERDA. Pois então! Ele gastava mais sapatos do que a Bolívia gasta constituições.
BOTA DIREITA. Deixemo-nos de política.
BOTA ESQUERDA. Apoiado.
BOTA DIREITA (com força). Deixemo-nos de política, já disse!
BOTA ESQUERDA (sorrindo). Mas um pouco de política debaixo da mesa?... Nunca te contei... contei, sim... o caso das botinas cor de chocolate... as da viúva...
BOTA DIREITA. Da viúva, para quem o dr. Crispim quebrava muito os olhos? Lembra-me que estivemos juntas, num jantar do comendador Plácido. As botinas viram-nos logo, e nós daí a pouco as vimos também, porque a viúva, como tinha o pé pequeno, andava a mostrá-lo a cada passo. Lembra-me também que, à mesa, conversei muito com uma das botinas. O dr. Crispim sentara-se ao pé do comendador e defronte da viúva; então, eu fui direita a uma delas, e falamos, falamos pelas tripas de Judas... A princípio, não; a princípio ela fez-se de boba; [1] e toquei-lhe no bico, respondeu-me zangada: “ Mas eu insisti, perguntei-lhe por onde tinha andado, disse-lhe que estava ainda muito bonita, muito conservada; ela foi-se amansando, buliu com o bico, depois com o tacão, pisou em mim, eu pisei nela e não te digo mais...
BOTA ESQUERDA. Pois é justamente o que eu queria contar...
BOTA DIREITA. Também conversaste?
BOTA ESQUERDA. Não; ia conversar com a outra. Escorreguei devagarinho, muito devagarinho, com cautela, por causa da bota do comendador.
BOTA DIREITA. Agora me lembro: pisaste a bota do comendador.
BOTA ESQUERDA. A bota? Pisei o calo. O comendador: Ui! As senhoras: Ai! Os homens: Hein? E eu recuei; e o dr. Crispim ficou muito vermelho, muito vermelho...
BOTA DIREITA. Parece que foi castigo. No dia seguinte o dr. Crispim deu-nos de presente a um procurador de poucas causas.
BOTA ESQUERDA. Não me fales! Isso foi a nossa desgraça! Um procurador! Era o mesmo que dizer: mata-me estas botas; esfrangalha-me estas botas!
BOTA DIREITA. Dizes bem. Que roda viva! Era da Relação para os escrivães, dos escrivães para os juízes, dos juízes para os advogados, dos advogados para as partes (embora poucas), das partes para a Relação, da Relação para os escrivães...
BOTA ESQUERDA. Et coetera. E as chuvas! e as lamas! Foi o procurador quem primeiro me deu este corte para desabafar um calo. Fiquei asseada com esta janela à banda.
BOTA DIREITA. Durou pouco; passamos então para o fiel de feitos, que no fim de três semanas nos transferiu ao remendão. O remendão (ah! já não era a Rua do Ouvidor!) deu-nos alguns pontos, tapou-nos este buraco, e impingiu-nos ao aprendiz de barbeiro do Beco dos Aflitos.
BOTA DIREITA. Com esse havia pouco que fazer de dia, mas de noite...
BOTA ESQUERDA. No curso de dança; lembra-me. O diabo do rapaz valsava como quem se despede da vida. Nem nos comprou para outra coisa, porque para os passeios tinha um par de botas novas, de verniz e bico fino. Mas para as noites... Nós éramos as botas do curso...
BOTA DIREITA. Que abismo entre o curso e os tapetes do dr. Crispim...
BOTA ESQUERDA. Coisas!
BOTA DIREITA. Justiça, justiça; o aprendiz não nos escovava; não tínhamos o suplício da escova. Ao menos, por esse lado, a nossa vida era tranqüila.
BOTA ESQUERDA. Relativamente, creio. Agora, que era alegre não há dúvida; em todo caso, era muito melhor que a outra que nos esperava.
BOTA DIREITA. Quando fomos parar às mãos...
BOTA ESQUERDA. Aos pés.
BOTA DIREITA. Aos pés daquele servente das obras públicas. Daí fomos atiradas à rua, onde nos apanhou um preto padeiro, que nos reduziu enfim a este último estado! Triste! triste!
BOTA ESQUERDA. Tu queixas-te, mana?
BOTA DIREITA. Se te parece!
BOTA ESQUERDA. Não sei; se na verdade é triste acabar assim tão miseravelmente, numa praia, esburacadas e rotas, sem tacões nem ilusões — por outro lado, ganhamos a paz, e a experiência.
BOTA DIREITA. A paz? Aquele mar pode lamber-nos de um relance.
BOTA ESQUERDA. Trazer-nos-á outra vez à praia. Demais, está longe.
BOTA DIREITA. Que eu, na verdade, quisera descansar agora estes últimos dias; mas descansar sem saudades, sem a lembrança do que foi. Viver tão afagadas, tão admiradas na vidraça do autor dos nossos dias; passar uma vida feliz em casa do nosso primeiro dono, suportável na casa dos outros; e agora...
BOTA ESQUERDA. Agora quê?
BOTA DIREITA. A vergonha, mana.
BOTA ESQUERDA. Vergonha, não. Podes crer, que fizemos felizes aqueles a quem calçamos; ao menos, na nossa mocidade. Tu que pensas? Mais de um não olha para suas idéias com a mesma satisfação com que olha para suas botas. Mana, a bota é a metade da circunspecção; em todo o caso é a base da sociedade civil...
BOTA DIREITA. Que estilo! Bem se vê que nos calçou um advogado.
BOTA ESQUERDA. Não reparaste que, à medida que íamos envelhecendo, éramos menos cumprimentadas?
BOTA DIREITA. Talvez.
BOTA ESQUERDA. Éramos, e o chapéu não se engana. O chapéu fareja a bota... Ora, pois! Viva a liberdade! viva a paz! Viva a velhice! (A Bota Direita abana tristemente o cano). Que tens?
BOTA DIREITA. Não posso; por mais que queira, não posso afazer-me a isto. Pensava que sim, mas era ilusão... Viva a paz e a velhice, concordo; mas há de ser sem as recordações do passado...
BOTA ESQUERDA. Qual passado? O de ontem ou de anteontem? O do advogado ou o do servente?
BOTA DIREITA. Qualquer; contanto que nos calçassem. O mais reles pé de homem é sempre um pé de homem.
BOTA ESQUERDA. Deixa-te disso; façamos da nossa velhice uma coisa útil e respeitável.
BOTA DIREITA. Respeitável, um par de botas velhas! Útil, um par de botas velhas! Que utilidade? que respeito? Não vês que os homens tiraram de nós o que podiam, e quando não valíamos um caracol mandaram deitar-nos à margem? Quem é que nos há de respeitar? — aqueles mariscos? (olhando para mim) Aquele sujeito que está ali com os olhos assombrados?
BOTA ESQUERDA. Vanitas! Vanitas!
BOTA DIREITA. Que dizes tu?
BOTA ESQUERDA. Quero dizer que és vaidosa, apesar de muito acalcanhada, e que devemos dar-nos por felizes com esta aposentadoria, lardeada de algumas recordações.
BOTA DIREITA. Onde estarão a esta hora as botinas da viúva?
BOTA ESQUERDA. Quem sabe lá! Talvez outras botas conversem com outras botinas... Talvez: é a lei do mundo; assim caem os Estados e as instituições. Assim perece a beleza e a mocidade. Tudo botas, mana; tudo botas, com tacões ou sem tacões, novas ou velhas; direita ou acalcanhadas, lustrosas ou ruças, mas botas, botas, botas!
Neste ponto calaram-se as duas interlocutoras, e eu fiquei a olhar para uma e outra, a esperar se diziam alguma coisa mais. Nada; estavam pensativas.
Deixei-me ficar assim algum tempo, disposto a lançar mão delas, e levá-las para casa com o fim de as estudar, interrogar, e depois escrever uma memória, que remeteria a todas as academias do mundo. Pensava também em as apresentar nos circos de cavalinhos, ou ir vendê-las a Nova York. Depois, abri mão de todos esses projetos. Se elas queriam a paz, uma velhice sossegada, por que motivo iria eu arrancá-las a essa justa paga de uma vida cansada e laboriosa? Tinham servido tanto! tinham rolado todos os degraus da escala social; chegavam ao último, a praia, a triste Praia de Santa Luzia... Não, velhas botas! Melhor é que fiqueis aí no derradeiro descanso.
Nisto vi chegar um sujeito maltrapilho; era um mendigo. Pediu-me uma esmola; dei-lhe um níquel.
MENDIGO. Deus lhe pague, meu senhor! (Vendo as botas) Um par de botas! Foi um anjo que as pôs aqui...
EU (ao mendigo). Mas, espere...
MENDIGO. Espere o quê? Se lhe digo que estou descalço! (Pegando nas botas) Estão bem boas! Cosendo-se isto aqui, com um barbante...
BOTA DIREITA. Que é isto, mana? que é isto? Alguém pega em nós... Eu sinto-me no ar...
BOTA ESQUERDA. É um mendigo.
BOTA DIREITA. Um mendigo? Que quererá ele?
BOTA DIREITA (alvoroçada). Será possível?
BOTA ESQUERDA. Vaidosa!
BOTA DIREITA. Ah! mana! esta é a filosofia verdadeira: — Não há bota velha que não encontre um pé cambaio.

EMCONTO COM AS CIDADES
POSTAGENS DOMINICAIS DE CONTOS 
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