SASSEN - A GLOBALIZAÇÃO DO PROTESTO (2)
[Carolina Rossetti - jornal O Estado de São Paulo. São Paulo (SP - Brasil), 13 de agosto de 2011, 16:04h]
Entrevista: Saskia Sassen
SOCIÓLOGA DA UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA, AUTORA DE 'SOCIOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO'
Houve uma época - aquela da produção em massa, dos sindicatos fortes, da urbanização
acelerada - em que a classe média era o agente histórico. Não é mais. Ela perdeu espaço e está dividida entre os top 20%, que se tornaram ricos e são um grupo rarefeito de profissionais de alto nível (gerentes, artistas, etc) que nem sequer se identificam mais com a classe média, e o restante empobrecido, que está perdendo espaço e voz política.
acelerada - em que a classe média era o agente histórico. Não é mais. Ela perdeu espaço e está dividida entre os top 20%, que se tornaram ricos e são um grupo rarefeito de profissionais de alto nível (gerentes, artistas, etc) que nem sequer se identificam mais com a classe média, e o restante empobrecido, que está perdendo espaço e voz política.
Se a classe média não é mais o agente histórico, quem veio para substituí-la?
Penso que hoje temos dois agentes históricos que não são a burguesia nem o proletariado, mas mantêm uma relação de parentesco com eles. Um deles é o capital global, complexo e esquivo, que consiste na união das classes altas, que controlam o poder, com a tecnologia. Aquilo que chamávamos de burguesia no século 18 e 19 também consistia de um componente humano somado a um aparato técnico controlado por ele, as máquinas. A burguesia não existe mais. Ainda há burgueses, mas o que eu quero dizer é que eles não são mais agentes da história. O outro ator é um pouco mais difícil de definir. Ele é uma mistura de pessoas, particularmente aquelas que moram nas grandes cidades e estão em desvantagem social. Mas, veja, não são os tão desprovidos de tudo ao ponto de só terem o próprio corpo, como é o caso dos 2 bilhões de serem humanos que passam fome em algumas regiões do mundo. Quando 29 mil crianças morrem na Somália em poucos meses, numa era em que temos todos os meios de comunicação para saber o que está acontecendo lá, e ainda assim isso acontece, é prova de que essas pessoas foram definitivamente excluídas da narrativa histórica. Não são a elas que me refiro. Estou falando daqueles que de alguma forma "não pertencem", das minorias das grandes cidades. São os pobres, os imigrantes, os discriminados que, em certa medida, incluem também os gays. Mas essas minorias em desvantagem não estão centralizadas, como o capital global. Elas são dispersas, difusas. É por isso, a meu ver, que temos tantas manifestações de rua espalhadas pelo mundo, as quais, apesar de responderem a condicionantes específicas de cada uma de suas sociedades, estão sublinhadas por uma mesma tendência de reivindicação social.
Como essas condicionantes específicas podem influir no modo de esses protestos se concretizarem?
A forma mais elaborada disso se viu no Egito, nas manifestações da Praça Tahrir, que acabaram abrigando todas as camadas sociais, mas começaram com jovens de classe média que se esforçavam para manter os protestos pacíficos. O chamado efeito "rua árabe" pode ter sido um exemplo para os em Tel-Aviv ou na Espanha, mas não foi um fator para os recentes eventos nas cidades britânicas, deflagrados não pela classe média, mas por moradores das zonas menos privilegiadas. Sua escolha de como se fazer ouvir é mais limitada. Daí reaparece uma cena típica que, aliás, vimos nos subúrbios de Paris em 2009: embates violentos com a polícia, vidraças de lojas estilhaçadas, carros queimados. Na minha leitura, a falta de emprego e os cortes do governo em programas sociais e culturais nesses bairros são condições bem mais significativas que a morte injustificada de um jovem. Esses eventos na Inglaterra se parecem de muitas maneiras aos levantes dos guetos americanos dos anos 60 e 70. Sem meios de discurso político, a esses jovens pobres e excluídos só resta quebrar o próprio bairro para se fazer ouvir.
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(continua amanhã, quarta, com a terceira e última postagem da série)
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