sexta-feira, 26 de agosto de 2011

FCCV - CORAGEM NÃO É PROFISSÃO!












Salvador - Bahia - Brasil

Leitura de fatos violentos

publicados na mídia

Ano 11, nº 31, 23/08//11 

CORAGEM
 NÃO É PROFISSÃO!

Com vinte e um tiros disparados contra o seu carro, morre a juíza Patrícia Acioli. Desta morte são feitas várias notícias com teores diversificados quanto à vítima: a juíza que prendeu policiais e milicianos; a magistrada que namorou um policial; a que estava na lista dos jurados de morte; aquela que teve seus pedidos de reforço à proteção negados pelo poder judiciário; a autoridade judiciária que julgou casos relacionados com os negócios do transporte clandestino; a mesma que depois de morta teve os seus apelos à proteção de vida revelados pelo advogado que cuida do caso. Na maioria das notícias, as informações que comprovam o risco de morte assumiram um lugar central com a exibição de conteúdos de gravações telefônicas nas quais as ameaças contra Patrícia Acioli são patentes.


Em um dos documentos, Patrícia justifica a sua insatisfação quanto à segurança que lhe é dispensada, lembrando que o bem a ser alvo de proteção era a sua própria vida, mas nem este argumento foi o bastante para a manutenção de escolta mais consistente.

A justiça teria considerado desnecessária a manutenção de sólido aparato de proteção, levando-se em conta a necessidade de oferecer segurança a outros magistrados. Com este argumento, surge a quase confirmação de que também sobre os representantes do judiciário o cobertor está curto e com isto é possível inferir que não há lugar satisfatoriamente amparado quando se trata dos riscos forjados pelo crime organizado. Talvez isto explique a reação do Ministro do Supremo Tribunal Federal, ao afirmar que “Quando se matam juízes porque estão exercendo as suas funções, nós devemos ficar realmente preocupados”.

O incômodo peculiar não está no assassinato em si, nem na sanha de morte que se manifesta através do excesso de tiros, como se houvesse uma disposição de matar tantas vidas possíveis naquele único corpo. A distinção mais profunda está no por que da morte, na sua representação. Ao matar 21 vezes a mesma Patrícia, os emissores pretendem tornar clara a sua linguagem no que se refere à relação com as autoridades que se lhes opõem com a força Lei. E sobre isto, conforme o anunciado pela mídia, os agressores dispõem de uma lista de elimináveis, fazendo-se ver que no seu código não há espaço para o sentido abstrato da Lei, ao contrário, é quando ela se apresenta sob forma de ação, encarnada no corpo de um perito que é compreendida como obstáculo a ser extinto.

Em tal contexto, o mero fato de se aplicar a Lei torna vulnerável o aplicador. Daí deriva uma espécie de mística que envolve a autoridade cumpridora da norma legal a qual passa a ser vista como destemida e heróica. Em vez de um sistema de justiça, se sobressaem alguns de seus combativos representantes que são expressos pelas suas qualidades pessoais que resultam em aguerridos feitos. Este modelo de combate ao crime é aplicável a outros campos profissionais, como o do jornalismo cujo exemplo maior é o corajoso Tim Lopes.

A insegurança que ronda os peritos ao realizarem os seus ofícios cria um efeito quase transcendental. Estes homens e mulheres passam a ser vistos pelas suas valentias, como se sobrenatural fosse condenar criminosos ou escrever matérias que denunciam a dinâmica do crime em bairros que padecem de toda a sorte de precariedade e desproteção. 

Ceifados em pleno exercício profissional, tornam-se heróis e, ao mesmo tempo, exemplos ambíguos. De um lado, são lembrados como vultos estimulantes, mas, por outro lado, são recordados de modo sombrio e desencantado por aqueles que enxergam as suas trajetórias como provas de perigo a ser evitado.


Ao que parece, está faltando mais cobertor ou mais garantia que tornem viável a prestação destes serviços básicos à população.  E não convém à ordem estabelecida esperar atos de heroísmo dos profissionais que cuidam de áreas tão delicadas e que exigem conformidade às regras. Excedem às regras as qualidades como valentia ou destemor que são muitas vezes confundidas como virtudes técnicas destes profissionais.

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