sexta-feira, 12 de agosto de 2011

MOBILIDADE URBANA ... (11) - LERNER (1)

MOBILIDADE URBANA: PROBLEMA ANTIGO, NOVOS DESAFIOS (11)

Jaime Lerner: "O FUTURO ESTÁ NA SUPERFÍCIE" (1)

TERRA MAGAZINE•
Terça, 7 de outubro de 2008, 13h55 Atualizada às 14h04

Nani Gois/SMCS/Divulgação


O urbanista e ex-governador do Paraná Jaime Lerner, 70 anos, quebra uma das certezas dos debates eleitorais: o futuro das grandes cidades brasileiras não está no metrô. Em vez de procurar respiros no subsolo, Lerner propõe a redescoberta da superfície, a integração dos sistemas de transporte.

"Planejar é uma trajetória", avisa aos apressados. Em entrevista a Terra Magazine, o administrador que transformou Curitiba em uma das referências do urbanismo contemporâneo avalia o presente e o futuro das cidades. Para Lerner, vencedor do prêmio das Nações Unidas para o meio ambiente, a mobilidade, a sustentabilidade e a coexistência são as idéias norteadoras do planejamento das metrópoles. Atualmente, ele é consultor da ONU para assuntos urbanos.

- Acredito que a gente consegue transportar em superfície um número de pessoas em tão grande quantidade, e em melhores condições, que um metrô. Só que a superfície precisa ser repensada. Temos que metronizar a superfície. São Paulo já errou três vezes e vai continuar a errar enquanto achar que a solução é só colocar a pista exclusiva - critica.

O ex-prefeito de Curitiba, que já presidiu a União Internacional de Arquitetos, analisa as alternativas para o Rio de Janeiro. Não assume um olhar fatalista sobre a criminalidade nas favelas, antes indica a capacidade de interagir do carioca - na praia, nas ruas, nos morros - como um dos elementos fundamentais para superar os conflitos provocados pelo tráfico de drogas.

- A droga complicou todas as cidades do mundo. Mas a cidade de melhor qualidade de vida é mais segura. A cidade que cuida melhor da mobilidade, da sustentabilidade, da coexistência, ela já é, em si, menos violenta. Agora, o problema da droga é um componente novo nessa história.
Lerner opina também sobre os choques das cidades modernas com o patrimônio histórico, a exemplo de Salvador e do Rio de Janeiro.

- Você não rasga o retrato de família, mesmo que você não goste do nariz de um tio. Porque esse retrato é você mesmo. A cidade é como um retrato de família.


(Vista aérea de terminal de integração de transporte urbano em Curitiba, cidade que teve três gestões do urbanista Jaime Lerner)
Claudio Leal


Leia a entrevista:

Terra Magazine - As grandes cidades brasileiras caminham pra ser megacidades. O que deve ser priorizado pelo homem público?

Jaime Lerner - Acho que, além dos problemas normais que todas as cidades têm - de educação a saúde, atenção às crianças, segurança, saneamento -, existem hoje três pontos que são fundamentais, não só para cada cidade, mas para a humanidade. São problemas essenciais para essas cidades e a responsabilidade perante o futuro: a mobilidade, a sustentabilidade e a coexistência, a socio-diversidade. Bom, primeiro a mobilidade. Nós estamos vivendo, nas grandes cidades, um estado de perplexidade. Todo mundo apavorado com o número de carros, a incapacidade que as cidades têm em dar resposta à mobilidade.

E a crise do transporte público.

O problema é que existe um pensamento muito centrado em dois pontos: ou é o carro, ou é o metrô. E nós temos que pensar um sistema integrado. Principalmente porque eu acho que o futuro está na superfície.

Por quê?

Porque as cidades que fizeram redes completas de metrô, elas fizeram há cem anos atrás, quando era mais barato trabalhar no subsolo. Hoje, é impossível uma cidade ter a rede completa. O que vai acontecer? Algumas cidades vão ter algumas linhas. Vou dar um exemplo: São Paulo tem quatro linhas de metrô. Mas 84% dos deslocamentos são na superfície. Então, apesar de achar que o futuro está na superfície, eu não procuro provar qual é o sistema melhor. O que não é bom é esperar uma rede completa que nunca vai existir. Às vezes ficam esperando 30 anos por uma linha.

É inevitável a restrição ao transporte individual?

Não. Veja, nós temos que oferecer todas as alternativas. Se houver mais linhas de metrô, tem que ser um smart metrô. Ou, na linguagem carioca, um metrô "esperto" (risos) Se você tem superfície, ônibus, esse ônibus tem que ser esperto. Se você tem bicicleta, é a mesma coisa. Carro, a mesma coisa. Estou evitando falar "smart card" porque não é "smart". Você tem que ter um smart táxi, um smart metrô, um smart bus. Com uma condição fundamental: jamais um sistema competir com o outro no mesmo espaço. Aí você começa a ver que eles são complementares. Tenho certeza que, assim como hoje, os financiamentos só acontecem quando você prova seu compromisso com o meio ambiente. Daqui a pouco, esse compromisso vai ter que ser com a sustentabilidade. As cidades serão obrigadas a melhorar seu sistema de transporte. Hoje, 75% dos problemas de emissões de carbono estão nas cidades. A gente fica assistindo, no mundo inteiro, a essas discussões. Muitos pensam que a sustentabilidade está em novos materiais. É muito importante, mas não é suficiente. Outros acham que está nos edifícios verdes (green buildings). É importante, mas não é suficiente.

A construção civil não é uma grande poluidora?

Você pode ter "green buildings" daqui pra frente, mas não é suficiente. Novas formas de energia. Todo mundo acha que isso é a solução. Não é. É importante, mas não é suficiente. Reciclar é importante, mas não é suficiente. O que a gente tem que entender, é: como 75% dos problemas de emissão de carbono estão relacionados às cidades, é na concepção das cidades que nós temos que atuar. Alguns compromissos têm que existir daqui pra frente em todas as cidades do mundo. Primeiro, usar menos o automóvel. Não é "não usar o automóvel". Usar menos. Se você analisar sua carteira de motorista, está escrito: "permitido para carro a passeio" (risos) As grandes cidades serão obrigadas a melhorar seus sistemas de transporte público.

Essa redução do uso dos automóveis, naturalmente, passa por uma campanha de reeducação?

Reeducação. Você não pode concentrar na dependência do automóvel e, também, achar que a única solução é trocar automóvel pelo metrô... O metrô não acontece de uma hora pra outra. Há 50 anos que se discute em Nova Iorque a "Second Avenue line", o metrô da Segunda Avenida. Cinqüenta anos! Agora, estão começando. Vai levar mais uns 20 anos pra fazer. São 70 anos pra fazer uma linha que vai custar US$ 4 bilhões. E essa linha não vai transportar mais passageiros do que o ônibus biarticulado que passa em frente ao meu escritório, em Curitiba. Por isso que eu acredito que a gente consegue transportar em superfície um número de pessoas em tão grande quantidade, e em melhores condições, que um metrô. Só que a superfície precisa ser repensada. Temos que metronizar a superfície. São Paulo já errou três vezes e vai continuar a errar enquanto achar que a solução é só colocar a pista exclusiva.

O debate sobre transporte se centrou nisso...

É uma burrice. O fundamental é o conjunto; a pista exclusiva, mas exclusiva mesmo - pensada, fisicamente, separada -, a estação de embarque onde você paga antes, aguarda e embarca no mesmo nível, na plataforma do ônibus biarticulado, triarticulado... A tendência vai ser essa. E tem a freqüência. Você não pode esperar mais do que um minuto. Ficam às vezes dizendo: "Não, a gente tem que estabelecer aqui um sistema eletrônico que vai dizer a que horas vai passar o ônibus" (ri) Não precisa. É só botar o ônibus de minuto em minuto. Ou de 30 em 30 segundos, como nós temos aqui em Curitiba. Uma cidade maior ou menor não diferencia muito porque se nós temos hoje cinco grandes linhas, integradas, São Paulo vai ter 15 linhas. É o número de eixos importantes. Então, eu estava falando: primeiro, usar menos o automóvel; segundo, separar o lixo; terceiro, viver mais perto do trabalho ou trazer o trabalho pra mais perto da moradia.

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