quarta-feira, 24 de agosto de 2011

SASSEN - A GLOBALIZAÇÃO DO PROTESTO (3 - FINAL)


SASSEN - A GLOBALIZAÇÃO DO PROTESTO (3 - FINAL)

[Carolina Rossetti - jornal O Estado de São Paulo. São Paulo (SP - Brasil), 13 de agosto de 2011, 16:04h]

Entrevista: Saskia Sassen

SOCIÓLOGA DA UNIVERSIDADE DE COLÚMBIA, AUTORA DE 'SOCIOLOGIA DA GLOBALIZAÇÃO'

Em sua obra, a sra. diz que um dos efeitos da globalização é a reorganização de tensões globais em microcosmos locais. É esse o processo em curso quando vemos garotos sírios escrevendo nos muros das escolas os slogans cantados na Praça Tahrir?

Justamente. Para mim isso é evidência de que vivemos numa era verdadeiramente global, em que o global se manifesta horizontalmente e não por meio de sistemas de integração verticais, como o Fundo Monetário Internacional e o sistema financeiro. Muito da literatura sobre a globalização foi incapaz de ver que o global se constitui nesses densos ambientes locais. A tendência é pensar o global como algo que flutua lá em cima, entre os países, numa mobilidade internacional. Minha pesquisa dos último 15 anos conclui o contrário e tenta explicar a globalidade organizada subnacionalmente. Quando esses slogans reaparecem em lugares diferentes ou quando vemos uma recorrência de levantes, tem gente que fala de plágio. Essa é uma linguagem errada e uma falta de entendimento dos processos de globalização. O Egito não está copiando a Tunísia, nem o Bahrein, nem o Iêmen. Não é isso. O fato é que as mesmas tendências sociais estão reproduzidas nesses locais e são um tecido comum dos levantes. Há um compartilhamento de condições sistêmicas similares. Em outras palavras, é o crescimento de um grupo de pessoas, de jovens com educação, em conjunto com uma ampla e poderosa circulação de ideias, experiências e atos comunicacionais.

As redes sociais são causa ou consequência desse fenômeno?

As mídias sociais deram até aos menos favorecidos o poder de convocar a multidão. O Blackberry, um meio protegido, foi usado na segunda noite de protestos, quando a polícia estava em total alerta e teria conseguido informações no Twitter sobre em quais bairros as pessoas estavam se reunindo. O celular é uma ferramenta poderosa para isso porque é o modo mais barato de acessar às redes sociais e mandar mensagens de texto. Temos circulação de ideias, não só por meio da mídia social, mas também por uma abertura ao mundo que nos conecta a todos. Há exemplos disso no entretenimento, como o fato de que um tipo de música hip-hop ou rock circula globalmente, em parte porque está sob o controle de impérios fonográficos, mas ao mesmo tempo aparece a possibilidade de download das músicas. Então até a classe média empobrecida pode ter acesso a isso. São múltiplas as formas de conexão com o mundo. Por isso chamar de plágio é diminuir a complexidade do que está acontecendo. A imigração também pode ser uma narrativa compartilhada da globalização para certos jovens.

Assim como fez o ditador egípcio, o premiê britânico estuda censurar as mídias sociais para dificultar a organização dos ataques.

Isso é prova de que David Cameron está respondendo de forma errada a esses protestos tratando os manifestantes como simples criminosos, e não reconhecendo sua pobreza e falta de voz política.

A sra. sugere que vivemos um intenso processo de ‘desnacionalização das nossas economias e estruturas sociais’. Como explica, então, o aumento de uma retórica ultranacionalista e anti-imigração na Europa?

Nossas economias estão tão dominadas por um capital global tão concentrado que basicamente o que acontece é uma desnacionalização dos capitais nacionais. Nos Estados Unidos, demos trilhões para firmas que dificilmente poderíamos chamar de americanas. Eram bancos, mineradoras, empresas, cujos donos eram fundos soberanos estrangeiros. Os donos eram os árabes, os austríacos, os alemães, os noruegueses, etc. O capital que se pode verdadeiramente chamar de americano, as pequenas e médias empresas, não se beneficiou das medidas do governo. O mesmo aconteceu na Europa. Quando os Estados Unidos e a União Europeia disponibilizaram grande quantidade de dinheiro do contribuinte para os bancos, na crise de 2008, a interpretação que se ouviu muito na mídia foi: "A-ha! Eis o retorno do Estado nacional forte que quer controlar a economia." Essa é uma interpretação rasa. É o global vestindo o disfarce de nacional. O dinheiro dos contribuintes alemães foi usado para resgatar um sistema bancário internacional. E em contrapartida exige-se do povo europeu medidas de austeridade. Essa sensação de que não se tem nenhum controle sobre a própria economia produz uma ansiedade enorme nas pessoas e permite a adoção de discursos pré-fabricados. O nacionalismo radical é precisamente isto: um produto numa estante de loja, pronto para ser usado. É um formato que já conhecemos, que permite externar nossas emoções e oferece objetos claros para o ódio, como os imigrantes; nos Estados Unidos, por um tempo, foram os carros japoneses e até as batatas fritas (em inglês, french fries). Ai, como é ridículo!



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