RUA URBANA, ESPAÇO MASCULINO: TRADIÇÃO E RUPTURA (7)
"Mas tudo em vão
Ela é da orgia"
("Oh! Seu Oscar", de Wílson Batista e Ataulfo Alves)
Ela é da orgia"
("Oh! Seu Oscar", de Wílson Batista e Ataulfo Alves)
Vicente Deocleciano Moreira
OH! SEU OSCAR
Wílson Batista e Ataulfo Alves
Cheguei cansado do trabalho
Logo a vizinha me falou:
- Oh! seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi-se embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia:
"Não posso mais
Eu quero é viver na orgia"
Logo a vizinha me falou:
- Oh! seu Oscar
Tá fazendo meia hora
Que sua mulher foi-se embora
E um bilhete deixou
O bilhete assim dizia:
"Não posso mais
Eu quero é viver na orgia"
Fiz tudo para ver seu bem-estar
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão
Ela é da orgia
É... parei!
Até no cais do porto eu fui parar
Martirizando o meu corpo noite e dia
Mas tudo em vão
Ela é da orgia
É... parei!
Não há como ficar indiferente ao vigor e à contundência da frase de Silvinho - "Deixaste de ser mãe para ser mulher da rua". No auge do sucesso de "Amor Fingido" (inícios da segunda metade do século XX), as emissoras de rádio tocavam, toda a hora, pessoas estavam sempre cantando sob o chuveiro ou em dolentes serenatas. Mas o grande hit - como diríamos hoje (2011) - era a tal frase que, para além de todo o reforço da idéia da rua como espaço masculino, acentuava e não fazia esquecer que a maternidade era um destino de toda a mulher por assim dizer digna. E que, se de umn lado a rua era espaço do homem, a casa, o lar, era a estação primeira e única da mulher casada e respeitável. Afinal, Amélia (criação de Ataulfo Alves) era a 'mulher de verdade': não tinha vaidade, achava bonito não ter o que comer ... mas não abandonara o lar e seu companheiro.
Em "Oh! Seu Oscar", o homem - virtuoso, dedicado à companheira e trabalhador - ao chegar em casa não encontra quem deveria lá estar para esperá-lo e dele cuidar. Um bilhete esclarecia a desistência da mulher ("não posso mais ...") de ser uma 'rainha do lar' caseira e obediente ... para entregar-se à orgia, para ceder aos encantos da rua.
Oscar - ou melhor Sr./Seu Oscar - sai à rua para 'resgatar' e 'salvar' a companheira; e, para tanto, martiriza o corpo, sacrifica-se e à sua honra masculina, tendo ido parara até - último dos lugares! - no cais do porto. E por que no cais do porto? Não creio que ele para lá tenha se dirigido imaginando interromper a fuga através de algum navio. O cais do porto teria sido o mais provável destino para quem deu um basta à rotina de mulher casada e às exigências desse papel social. A missão salvacionista do homem teve o cais do porto como limite e como consagração do fracasso. Enfim, era preciso ver para crer a ex-companheira ... agora doidivanas, prostituta, 'mulher da rua', 'mulher do cais' ... entregando-se aos marinheiros, estivadores e a outros 'atores' masculinos , o cais como cenário.
E pensar que Seu Oscar, o mártir, fez tudo para ver o bem-estar dela ... da ingrata criatura ... ela apenas conhecida pelo nome "sua mulher".
É, parei.
E pensar que Seu Oscar, o mártir, fez tudo para ver o bem-estar dela ... da ingrata criatura ... ela apenas conhecida pelo nome "sua mulher".
É, parei.
Nenhum comentário:
Postar um comentário