FCCV - FORUMCOMUNITÁRIODE COMBATEÀ VIOLÊNCIASalvadorBahiaBrasilLeitura de fatosviolentos publicadosna mídiaAno 11, nº 25,11/07//11 | |
CADÊ SEU CHEIRO, JUAN? |
Ainda era tempo de esconde-esconde quando Juan sumiu. Foi visto pela última vez no dia 20 de junho, na favela Danon, situada na Baixada Fluminense. Voltava para casa com o irmão Wesley que tem 14 anos. Juan é (ou era) um menino de 11 anos e desde o seu desaparecimento é uma foto, uma falta e muitas dores sentidas pelos familiares.
A partir de 20 de junho, ele se integrou à agenda midiática sob forma de interrogação. Pelas cenas relatadas por seu irmão, eles dois foram feridos em uma operação policial. Wesley, baleado no ombro e na perna, viu o irmão ferido, mas quando acordou, indo para o hospital, já não o via mais ao seu lado. Com informes dessa natureza foi elaborado o cerne da pergunta que deu destaque midiático ao caso: cadê Juan?
É um “cadê” aflito e dramático que na semana seguinte atinge o nível de pragmático desconsolo de uma mãe que deseja encontrar o filho vivo ou morto. Ao mesmo tempo, a mídia passa a se referir a Juan como corpo, indicando a redução da expectativa de ele estar vivo. É mais um caso de morte violenta deduzida, de perda dos sinais vitais dada pelo tempo de sumiço associado à circunstância da desaparição. Juntando os dados e, principalmente, a falta deles chega-se a um produto já conhecido: morte certa.
Era uma vez um menino ferido que evaporou. E, na situação, não é adequada a colocação do pronome reflexivo muito apropriado ao jogo de esconde-esconde: evaporou-se. Agora se torna cabível distinguir o desaparecido da ação definida pelo verbo, pois o sumiço não é feito atribuível ao sumido. No caso, é conveniente dizer que ele fora evaporado. Perdeu aquela materialidade acessível e convencional que dá aos corpos humanos em trânsito social corriqueiro a visibilidade e a rápida identificação. Ingressou no mundo dos suplícios familiares feito de dúvidas amargas: o que fizeram com Juan?
Somente oito dias depois do desaparecimento é feita a perícia no local onde o garoto foi visto pela última vez. Ali foi encontrado, conforme noticia o jornal carioca Extra, “cinco cápsulas de fuzil 7.62, um pé de chinelo na cor lilás, um pedaço de papel e parte de um espelho manchados de sangue”. Os peritos localizaram, também, sangue em diferentes pontos do beco onde a ocorrência se deu.
A imprensa noticia que foi pedida à mãe da criança uma veste do filho para ajudar os cães farejadores na busca pelo corpo. Por esta solicitação fica evidente que, àquela altura, a polícia trabalha com a hipótese de morte. No dia 27 de junho, canais de televisão focalizam cenas que mostram uma calça jeans que era do garoto e que fora usada sem sucesso nas buscas porque a veste estava lavada. Pelo que se pode notar, para o êxito da intervenção dos cães farejadores, seria necessário que a família tivesse preservado sujas as vestes de Juan desde o dia em que ele desapareceu.
No dia 28, foi registrado mais um dramático fracasso. Informada sobre a existência do corpo de uma criança abandonado em Belford Roxo , a polícia se desloca e ali constata a veracidade da informação, mas pelas averiguações da perícia criminal o cadáver é de uma menina cujo sumiço, aparentemente, não fora reclamado por ninguém. Diante disto, a busca por Juan passa a ser reveladora de um mistério maior e completamente silencioso. O novo corpo se apresenta como um percalço para a investigação, pois em vez de se obter esclarecimento do caso, a polícia retorna com a responsabilidade de elucidar o enigma que envolve outra morte de criança. Entretanto, a desventura permitiu que se vislumbrasse um empenho, mesmo que tardio, da instituição policial, dando-se à incursão fracassada um mérito que dá aos parentes aflitos um consolo: a instituição policial está se mexendo!
A descoberta de um novo corpo aponta para a dimensão coletiva de alto risco de morte violenta em áreas empobrecidas e também sugere a precária “contabilidade e atenção” relacionada a estes óbitos. Em certo sentido e de maneira trágica, a busca pelo corpo de Juan permite contar mais um caso de morte violenta que, certamente, não seria computado por sua mera existência. É quando o corpo procurado vira decepção investigativa – não é Juan – que o cadáver encontrado adquire possibilidade de ser registrado. É o peso dado ao caso Juan que retira aquela garota da condição de “mortalidade informal”. Por outro lado, aquela descoberta “episódica” evidencia que Juan não é um caso isolado, ao contrário, é a expressão de uma prática vigente em espaços não protegidos pela ordem pública.
Desse modo, Juan é mais um menino que virou cheiro. É assim, parece fábula, mas a triste história é parte das estáveis narrativas midiáticas do nosso tempo. Gente que vira desaparecido, que vira corpo, que vira dor, que vira rosto em camisas brancas, que vira inquérito policial, que vira denúncia na justiça, que vira processo, que vira audiência, que morre no meio das prateleiras da justiça, que vira número de protocolo e nunca mais o cheiro.
Epílogo
O corpo é Juan
Concluída a leitura sobre o desaparecimento do garoto, mas antes que o texto fosse disponibilizado aos leitores do Fórum Comunitário de Combate à Violência, houve uma reviravolta. No dia 6 de julho, a Delegada Chefe da Polícia Civil do Rio de Janeiro, Martha Rocha, anunciou em discurso lamentoso que o corpo da criança havia sido encontrado, que a perícia realizou testes de DNA que comprovaram ser Juan o cadáver encontrado em Belford Roxo , o mesmo que fora descartado, também por peritos, ao afirmarem tratar-se de criança do sexo feminino.
Esse “novo capítulo” dá um novo corpo à estupefação. Por que uma perita descartou tão prontamente os restos mortais de Juan? Há duas hipóteses graves: ela não dispõe de condições técnicas para responder sobre o assunto e, mais grave ainda, teria usado suas credenciais técnicas para impedir a identificação do cadáver.
O diretor do Departamento de Polícia Técnica do Rio de Janeiro “admitiu que a perita foi precipitada”. Essa avaliação foi corroborada pela Delegada Chefe que determinou a abertura de processos administrativos para avaliar a conduta da servidora e também do delegado-titular da 56ª Delegacia de Polícia. Conforme noticiado em vários jornais, Martha Rocha também afastou esse delegado da chefia daquela unidade policial.
Como é possível perceber, esta trajetória investigativa passa a ser digna de investigação. E à medida que isto se mostra de modo tão flagrante tem-se a impressão de concorrência com a circunstância desencadeadora da averiguação: qual é, afinal, o foco central da questão?!
A resposta a essa interrogação exclamativa é o centro da estupefação: cadê Juan, neste labirinto? Como não se perder diante de cada cenário inusitado que se apresenta como palco da ordem estabelecida?
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