segunda-feira, 4 de julho de 2011

FCCV - A INTERIORIZAÇÃO DO CRIME: FEITOS INAUGURAIS

FCCV - FORUM COMUNITÁRIO DE COMBATE À VIOLÊNCIA
Salvador - Bahia - Brasil

A manchete principal do jornal A Tarde de 14 de junho de 2011 é “89% dos roubos a banco na Bahia ocorrem no interior”. Antes de se chegar a essa “conta” este noticioso e outros órgãos de imprensa pautaram várias ocorrências envolvendo roubos a bancos situados em cidades pequenas do território baiano. Esta espécie de tendência tem se verificado nos últimos anos, indicando a necessidade de redefinição quanto às áreas simpáticas aos investimentos do crime organizado. A experiência baiana, a paulista e de outros estados vem indicando uma diversificação no que tange aos espaços de cometimento de delitos, deixando para trás a certeza de que estas são práticas típicas dos grandes centros urbanos.

Ao que parece há decisão por parte de grupos criminosos em investir em lugares pouco conhecidos, praças recônditas, não habituadas às páginas dos jornais de grande circulação, a exemplo da cidade de Boninal, que é sede de um município com aproximadamente 13.700 habitantes, ou Ibiassucê cujo município tem 13.500 moradores.
Sem pretensão de exaurir dados relativos a todas as cidades que já sofreram esta forma de lesão, e fazendo apenas com uma ligeira busca sobre 16 destes locais vitimados foi possível observar, pelo volume populacional, que os municípios pequenos são os destinos preferidos das quadrilhas nesta etapa de interiorização de assaltos a banco. Entre as 16 localidades, o município de Poções se destaca com maior número de habitantes, aproximadamente 48 mil moradores, seguido de Amargosa que tem em torno de 34 mil residentes e Barra da Estiva com 27 mil munícipes. Em posição intermediária está Boa Nova com 24 mil moradores, seguida de Oliveira dos Brejinhos com 23 mil residentes e Tancredo Neves com população de 20 mil pessoas. Com número inferior a 20 mil, têm-se Formosa do Rio Preto com 19.500 habitantes, Condeúba com 18 mil, Maracani e Piritiba com 17 mil moradores cada, Mirante com 16.500 e Aracatu com 15.500 habitantes. E os lugares que apresentam uma concentração ainda menor são Itagi com 14.700, Lagoa Real com 14 mil, Boninal com 13.700 e, finalmente, a menos populosa da série, Ibiassucê, que abriga 13.500 moradores.
É possível imaginar que a opção dos criminosos por ações em espaços tão diminutos e desconhecidos seja precedida de ponderações quanto às possibilidades de êxito, ou seja, as referidas praças devem apresentar vantagens para o mercado daquele crime que se vale de planejamento para a sua execução. Um dos possíveis pontos favoráveis ao empreendimento diz respeito a um elemento muito caro às práticas delituosas desta natureza e que tem sido denominado “fator surpresa”.
  O mundo do crime é representado por estereótipos que gozam de certa estabilidade junto ao imaginário coletivo. Há cristalizações que vão desde o tipo físico do criminoso, passando pela concepção de crime e pelos locais de ocorrência. É possível dizer da existência de expectativas nutridas pela ordem social quanto a uma relação estável entre certos tipos de espaços e o cometimento de ações delituosas. Neste mapa mental, às pequenas cidades tem sido reservada a incidência de crimes associados ao universo rural e, mais que isto, elas são vistas como espaços de uma paz in natura, pedaços de paraíso isolados da violência e da insegurança.  São lugares fora da onda de suspeição que vitima os espaços urbanos pauperizados das grandes cidades. 
  Provavelmente esta imagem bucólica, incompatível com a insegurança tenha sido tomada como um “natural disfarce” para a ação das quadrilhas que teriam como vantagem, justamente, o fato de realizarem os roubos em espaços incogitáveis a ponto de sobre eles não se ajustar a conhecida máxima que diz: “é de onde não se espera que sai”. É, também, provável que os criminosos tenham avaliado como positivas as limitações da segurança disponível nos locais escolhidos. Outro aspecto de provável consideração diz respeito às reduzidas dimensões e localização das cidades, de modo a poder proceder a uma espécie de seqüestro do lugar, interrompendo-se as suas vias de entrada e saída quando da execução do roubo, seguido da liberação de todo o grupo depois de cumprido o objetivo, através das estradas adjacentes.
As poucas questões aqui avançadas podem dar margem a uma compreensão mais abrangente quanto à centralidade do inusitado no mundo do crime e, com isto, evidenciar que a consolidação de estereótipos pode funcionar como armadilha capaz de impedir a argúcia necessária para se atinar a propósito do surgimento de estratégias de renovação dos feitos criminosos. Cabe reconhecer que o mundo do crime organizado estuda a forma como ele está sendo representado pelas instituições e pela imaginação coletiva, e faz isto com o intuito de fugir às expectativas que visam o seu encalce. Trata-se de um campo que precisa não corresponder à imagem que dele se tem, e para isto não se restringe aos óbvios disfarces como apela a camuflagens mais complexas, a exemplo de manobras suspensivas das atividades correntes e a inauguração de focos insólitos, capazes de confundir o modelo de perseguição que fora concebido a propósito de suas atividades interrompidas. Portanto, encontrar novos modos de agir é praxe neste domínio.
 No caso em questão, o emprego das novas estratégias de ação criminosa, ao superar o costumeiro padrão de violência e de insegurança das cidades afetadas pelos roubos a bancos, funciona como experiência traumática de inclusão do local em um peculiar mapa da violência que não tem limites ou preferências territoriais definitivas. Quem acreditou que assalto a banco fosse um tipo de ação criminosa exclusiva das grandes cidades agora deve refletir sobre o fato de que o crime organizado tem a seu favor a falta de lealdade aos modos e às praças clássicas e, à semelhança da volatilidade do capital financeiro, investe em ações mais promissoras e rentáveis, a cada ocasião e a cada cenário. Portanto, é possível dizer, no caso em tela, que a surpresa está restrita aos moradores das cidades contempladas pelos delitos, e não no fato de o negócio criminoso ter despertado interesse por panoramas recônditos e até modestos.


Por último, cabe lembrar que a incorporação de novos espaços pelo crime organizado não é comparável com o esgotamento definitivo dos velhos campos, a exemplo das minas de ouro exauridas. Enquanto a estrutura do crime se mantém em ação, a inclusão de novos territórios deve ser interpretada pelo prisma da expansão e não da substituição de áreas.    



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