sexta-feira, 8 de julho de 2011

RUA URBANA, ESPAÇO MASCULINO: TRAD. E RUPTURA (6)

RUA URBANA, ESPAÇO MASCULINO: TRAD. E RUPTURA (6)

Revista
Estudos Feministas
Print version ISSN 0104-026X
Rev. Estud. Fem. vol.15 no.2 Florianópolis May/Aug. 2007
doi: 10.1590/S0104-026X2007000200018 

RESENHAS
Mulheres públicas, políticas de mulheres
Claudia Regina Nichnig
Universidade Federal de Santa Catarina

Mulheres em ação: práticas discursivas, práticas políticas.


(CONCLUSÃO)


Heloisa Buarque de Hollanda, Margareth Rago e Maria Bernadete Ramos Flores reescrevem a história de escritoras brasileiras excluídas pela historiografia. "O ethos Rachel" aponta a pouca importância dada à obra da romancista Rachel de Queiroz. Considerada um fenômeno literário dos anos 30 e 40, Rachel de Queiroz aborda questões como o matriarcado presente no Nordeste brasileiro, família, personagens femininos radicais, etc. Mesmo tendo assumido uma postura anti-feminista, compatível com o engajamento ao Partido Comunista na década de 1930, Rachel assume posturas favoráveis ao movimento.
Margareth Rago percebe a importância da escrita literária de mulheres do período 19001932, principalmente por trazerem a público questões anteriormente consideradas do campo privado, como sexualidade, amor, prazer, casamento, prostituição, etc.
As escritoras brasileiras Elisa Teixeira de Abreu, Carmem Dolores e Lola de Oliveira trazem à baila questões que fizeram parte da formação da subjetividade feminina moderna. Elas se aproximam por questionar a passividade e a submissão feminina, exaltando mulheres independentes e determinadas. Dentre outras questões, as autoras estudadas afirmam que o casamento por amor traduz uma visão conservadora, que não se alinha com os "tempos modernos", regidos principalmente pelo interesse econômico. Na crítica à modernidade, nos textos estudados por Margareth Rago, seus escritos se contrapõem ao controle da vida pública pelos homens, apontando como saída a sobreposição dos valores femininos sobre os masculinos.
A escritora modernista Aldazira Bittencourt é a personagem trazida pela historiadora Maria Bernadete Ramos Flores. Com o texto "Ao Brasil dos meus sonhos: feminismo e modernismo na utopia de Aldazira Bittencourt", a historiadora apresenta o romance utópico da autora Sua Excia: a presidente da República no ano de 2500, que retrata o Brasil no ano de 2500, presidido por uma mulher. O imaginário social das décadas de 1920 e 1930 é representado no romance que, apesar da visibilidade do feminismo, é marcado por práticas eugênicas, racistas e pela necessidade de criação de uma identidade nacional. O saneamento, a higiene e a eugenia eram fatores relevantes para a construção de um país rumo ao progresso. Aldazira Bittencourt, como feminista da primeira onda do movimento no Brasil (décadas de 1920 e 1930), centra seus discursos na necessidade de educação para as mulheres. Aduz que a igualdade pretendida pelas mulheres somente seria possível através da maternidade, considerada para a escritora como "a grande responsabilidade das mulheres perante a nação". A maternidade como campo discursivo é imposta ao corpo feminino pelo determinismo biológico. Para Aldazira, a sociedade perfeita seria aquela em que "as mulheres uniriam o seu papel tradicional a uma carreira profissional" (p. 238).
Joelma Rodrigues aborda a temática da santidade feminina diante da questão da violência sexual. Rodrigues percebe, a partir da biografia da santa italiana Maria Gorretti, a construção de enunciados já cristalizados no imaginário social. Atributos como a santidade e a virtude ligadas ao pai/masculino, a honestidade e a submissão ligada ao feminino/mãe, e os ideais de virgindade, pobreza cristã, religiosidade, beleza, honradez e pureza estão presentes na santa que morreu vítima de violência sexual. O estupro não é apontado como problema, mas sim o comportamento da mulher diante da violência é que está em discussão. A autora apresenta modelos de santidade feminina, marcados pela manutenção da virgindade e da honra a qualquer custo, que se purificam pela morte.
Lourdes Bandeira e Fernanda Bittencourt discutem a incorporação de políticas públicas que visem a incorporar as temáticas de gênero. Apontam as desigualdades de gênero como profundamente institucionalizadas. A necessidade de alterações nas legislações dos países para a melhoria nas condições de vida das mulheres no mundo está presente desde a primeira Conferência Mundial de Mulheres, realizada no México no ano de 1975. A partir de então, vários países comprometeram-se em incorporar medidas que visem à igualdade entre os gêneros em suas legislações, o que foi reiterado na Conferência Mundial realizada em Beijing, nos anos de 1995 e 2000. A relação entre o gênero e a pobreza aponta as mulheres em total desvantagem, e as mulheres negras em ainda pior situação.
As autoras afirmam a necessidade da criação de políticas públicas para a retirada das mulheres dessa situação de inferioridade, apresentando o caso brasileiro, as desigualdades percebidas na vulnerabilidade à violência, menor taxa de escolaridade, perdas de cobertura previdenciária, ínfima participação feminina na vida pública, precário atendimento na rede pública de saúde, destacando o aborto como principal causa de mortalidade materna, entre outros fatores. Como medida política para atender à transversalidade de gênero no Brasil, Bandeira e Bittencourt apresentam o Plano Plurianual proposto por organizações sociais para o governo Lula 2004/2007.
O corpo feminino como locus de violência sexual e simbólica é o tema de Rachel Soihet. A partir de processos judiciais, jornais e escritos literários do início do século XX, a autora observa a violência sofrida por mulheres das classes populares e suas formas de resistência. Mostra a resistência não somente de forma isolada, mas também através dos movimentos feministas, em busca de direitos iguais, inclusive sexuais. Apresenta a ridicularização de que foram vítimas as feministas da primeira e da segunda onda do movimento no país, consideradas feias, masculinizadas e amorais. O feminismo procurou desconstruir imagens reificadas na imprensa, entendendo esta como local de permanências e resistências, em busca da cidadania plena para as mulheres
Na mesma esteira, Tania Navarro Swain mostra o feminismo como condutor da desconstrução de um sujeito universal masculino, apontando para a necessidade de afastarmos as determinantes biológicas, essencializadas, que atribuem ao feminino a inferioridade. Apresenta as ações afirmativas como necessárias para a incorporação de uma igualdade de gênero.
O título da obra sugere práticas políticas de mulheres que resistiram a modelos preconcebidos; entretanto, alguns dos textos, mesmo que tratando de discussões dentro de uma perspectiva de gênero ou da história das mulheres, não se enquadram nessa temática.
Ademais, muitos dos textos que compõem o livro não são inéditos, já tendo sido publicados em outros periódicos; no entanto, em conjunto e correlacionados, resultam nessa obra de suma importância, que permite dar visibilidade às mulheres que, sozinhas ou mobilizadas, construíram novos paradigmas para relações sociais.

Notas
1 O gênero como categoria de análise é pensando por Joan Scott como forma primeira de significar as relações de poder. Para a autora, o gênero é pensado no sentido de teorizar a questão da diferença entre os sexos, considerado como um elemento constitutivo das relações sociais, que possibilita perceber essas diferenças (SCOTT, 1992, p. 71).
2 Obras como Uma história do feminismo no Brasil (Céli Regina PINTO, 2003) e Breve história do feminismo no Brasil (Maria Amélia TELES, 1999) refazem o caminho do feminismo brasileiro. A pesquisa intitulada Movimento de mulheres e feminismos em tempos de ditadura militar no Cone Sul (19641989), coordenada por Joana Maria Pedro e integrada pelas professoras Cristina Scheibe Wolff, Roselane Neckel e Marcos Fábio Freire Montysuma, pretende investigar a maneira como os vários feminismos e movimentos de mulheres se constituíram no Cone Sul, no período de 1964 a 1989, observando a forma como as pessoas narram identificação com o feminismo, a maneira como se organizaram e atuaram, comparando com o que ocorreu no Brasil.
3 Obras como História das mulheres no Brasil (Mary DEL PRIORE, 2001) e periódicos como Revista Estudos Feministas e Cadernos Pagu publicados no país preencheram o vazio diante da invisibilidade feminina na história.

Referências bibliográficas
ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jaqueline. O que é feminismo. 8. ed. São Paulo: Brasiliense, 1991.
DEL PRIORE, Mary (Org.). História das mulheres no Brasil. 5. ed. São Paulo: Contexto, 2001.
PINTO, Céli Regina Jardim. Uma história do feminismo no Brasil. São Paulo: Editora Fundação Perseu Abramo, 2003.
SCOTT, Joan. "História das mulheres". In: BURKE, Peter. A escrita da história: novas perspectivas. São Paulo: Ed. da UNESP, 1992. p. 63-95 .
TELES, Maria Amélia de Almeida. Breve história do feminismo no Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1999.

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