quarta-feira, 27 de julho de 2011

MOBILIDADE URBANA ... (3)

MOBILIDADE URBANA: PROBLEMA ANTIGO, NOVOS DESAFIOS  (3)

Vicente Deocleciano Moreira

Nesta terceira postagem da série MOBILIDADE URBANA: PROBLEMA ANTIGO, NOVOS DESAFIOS inicialmente destaco, dos comentários sobre "Sampa" (Caetano Veloso) postados ontem, terça-feira, o de número 23, escrito por Sérgio Soeiro em 6 de novembro de 2008. Tal destaque se deve ao fato de ter sido o único comentário que fez alguma alusão (ainda que en passant e indiretamente)  ao problema da MOBILIDADE URBANA na capital paulista.  Mas mesmo assim, vale a pena citá-lo integralmente pelas informações queo comentário oferece ao leitor.

Vamos ao comentário:

23.  
A despeito de “Sampa” ter sido composta no final dos anos 70, Caetano procurou colocar nos versos a primeira impressão que teve da grande metrópole quando lá desembarcou, ainda na década de 60. Vindo de um espaço ainda muito ligado à natureza, o baiano sentiu o estranhamento diante de tudo o que viu, e procurou mostrar o conflito estabelecido entre inocência versus ciência, com esta última tornando-se responsável pela destruição dos valores realmente humanos, do aniquilamento e da insignificância do homem na cidade. Este conflito fica bem evidente nos versos: “E foste um difícil começo (…) E quem vem de outro sonho feliz de cidade / Aprende depressa a chamar-te de realidade…”. Os versos de “Sampa” expressam o fascínio e a repulsa, o conflito diante do novo e desconhecido, deixando implícita a ambigüidade da questão: Seria a felicidade possível naquela cidade?
Conhecer seus segredos, seus mistérios, encantar-se com sua sedução, atingir o topo das realizações, enfim tornar realidade os seus sonhos, eis o que todos os migrantes esperam ao chegar em “Sampa”.
A emoção ao “cruzar a Ipiranga com a São João” se dá pelo fato que ele desceu do ônibus que veio do Rio de Janeiro cujo ponto final era exatamente naquela esquina. Diante dos seus olhos lá estavam a Cinelândia, o bar Jeca, e o Brahma.
No verso “Da dura poesia concreta e tuas esquinas…” ele faz uma homenagem aos poetas paulistanos criadores do movimento modernista, onde se incluía a poesia concreta.
“A deselegância discreta de tuas meninas…” Se dá pelo fato de que naquele tempo Caetano era uma figurinha um tanto quanto exótica, daí sua grande cabeleira ter chamado a atenção das meninas que cochichavam com risinhos discretos.
Enquanto atravessava a São João para a Ipiranga, ainda atônito, procurava na multidão um rosto com quem pudesse se identificar, e na sua visão tropicalista achou de mau gosto o jeito dos paulistanos, mas também faz uma auto-crítica e considera que o erro estético não está, necessariamente, nos paulistanos, mas sim nele mesmo, pois sua mente se “apavora no que ainda não é mesmo velho / nada do não era antes” (da visão que trazia da sua cidade) e que ele talvez ainda não seja capaz de alcançar aquela modernidade pois ainda não é um “mutante”, e aqui ele faz uma homenagem aos seus amigos do grupo “Mutantes”, bem como à Rita Lee.
Refeito do primeiro impacto, o sentimento seguinte foi de solidão, pois embora no meio da multidão, não encontrava a sua própria imagem refletida nas feições dos paulistanos.
Diante da realidade do momento acha que encontrou o avesso do que sonhava.
Para se justificar da decepção, fala do lado ruim do que vê: filas, poluição, o povo oprimido, da modernidade, o novo excluindo o antigo, tudo tão diferente da simplicidade da sua terra natal.
No verso “da força da grana que ergue e destrói coisas belas…” quer mostrar a dualidade para o bem e para o mal que existe em tudo e em todos.
Quando cita “Panaméricas”, ele se refere a um amigo escritor paulistano, José Agripino de Paula, autor do livro “Panamérica”.
“Túmulo do samba” é uma expressão atribuída a Vinicius de Moraes que afirmava que os compositores paulistas não possuíam ritmo e gingado de sambistas, que batizou São Paulo como o túmulo do samba, e considerava que o único local onde se fazia samba de verdade era nos “Quilombos”.
E por fim já aclimatado com a garoa, ele, junto com seus amigos baianos, curtem “Sampa” numa boa.
Comentário by Sérgio Soeiro — 6 de novembro de 2008

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O que venha a ser mobilidade urbana não é tão claro à primeira vista e na visão do leigo, do senso comum. Ainda assim, vale observar que - mesmo sem ter a clareza dos conceitos e implicações do fenòmeno (mobilidade urbana) -  denunciam questões de mobilidade urbana tanto  "O trem atrasou", na primeira metade do século XX e "Sampa" na segunda.

Por outro lado, ainda que não haja uma percepção clara do problema,  todos independentemente do estrato social a que pertença, de algum modo sofrem com os problemas de mobilidade urbana de sua cidade. Quem dirige carro ou qualquer outro veículo (seja próprio, seja de alguma empresa), quem anda a pé; quem utiliza ônibus, trem, metrô ...

Alguém, algumas famílias podem até não sofrer diretamente com a falta de saneamento básico ou de deposição adequada  e seletiva  dos detritos; mas todos e todas as famílias são, por assim dizer, penalizadas pelos problemas de mobilidade urbana. Problemas que não atingem apenas capitais e cidades grandes ou médias. Também em cidades pequenas, por exemplo os "simples" fatos de não encontrar estacionamento fácil, cômodo e seguro no centro; ou, na periferia,  não ser servido por transporte regular, seguro e reconhecido por lei ... temos aí problemas de mobilidade urbana.

Deixando de lado a perspectiva sincrônica adotada até aqui, também um olhar diacrônico identificará problemas de mobilidade urbana no passado de qualquer cidade do mundo. Quando as cidades, historicamente, se constituiram enquanto tal pessoas vindas de diversos lugares (inclusive do campo), passaram a construir e ocupar casas, a construir socialidades e a produzir e comercializar bens (nas feiras, mercados, mercearias) .... todas atraídas pelas vantagens que imaginavam existir nos embrionários núcleos urbanos. Seja através do crescimento vegetativo, seja pelo incremento das massas migrantes, estes núcleos cresceram mais e mais a ponto de o 'andar a pé' de um local para o outro tornar-se um ato cada vez mais cansativo e dispendiosos de tempo e dinheiro.  Isto obrigou a produção de liteiras, cadeiras carregadas por escravos, o uso de animais de montaria e de carga e, depois, de veículos  iniclamente de tração animal (carruagens, bondes ...)  para uma mobilidade mais cômoda e econômica no interior do espaço urbano. (ver ilustração abaixo).

(carraugem individual e liteira no Brasil colonial)

Na Santo Amaro da Purificação (Bahia - Brasil), em pleno século XIX, eram puxados por animais os bondes da Companhia Trilhos Urbanos (ilustração  abaixo|)

(bonde urbano de tração animal)

As  cidades do passado tinham tamanho era reduzido ... comparativamente às de hoje em dia. Mas isto não significava ausência absoluta de problemas de mobilidade urbana já nos séculos passados ao menos no Brasil.


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(a série de postagens continua sexta-feira, dia 28 julho)

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