AMARILDO:
DE VÍTIMA A ALGOZ
FCCV
Forum Comunitário
de Combate à Violência
Leitura de Fatos violentos publicados pela mídia Salvador - Bahia - BrasilAno 13, nº 11, 13/08/2013 |
- Você sabe o que
aconteceu lá na Rocinha?
- Aquela que agora é
outra, que virou UPP? Lá do Rio de Janeiro?
- É, aquela ...
- Não sei se sei, pois
ela virou manchete e não sai mais dos jornais com aquele montão de novidades.
Qual é a nova?
- Você se lembra do
Amarildo?
- Você tá maluco, meu,
o que tem a ver Rocinha com Amarildo? Quem é Amarildo pra se comparar com a
Rocinha?! Negro, pobre, ajudante de pedreiro, pai de um monte de filhos... Não
tem fio que encaixe a Rocinha com Amarildo.
Acho que você está confundindo as coisas e isto pode prejudicar a nova
imagem da Rocinha. Já faz tempo que Rocinha é igual a UPP. Eu não dou muito tempo pra Amarildo vazar e
ir procurar um lugar do nível dele. A Rocinha é bairro para a nova classe média
e Amarildo não assenta com morador de bairro.
- Pois é, ele sumiu. A
polícia o pegou, levou para a UPP e nunca mais ele voltou.
- Ai, meu Deus, agora
o bicho pega. Você tava gravando a minha brincadeira?
- Não, rapaz, tá me
estranhando!
- Tem câmera ligada
por aqui?
- Você pirou?!
- Não, rapaz, volta a
fita pra você ver. Eu falei tanta bobagem... Se a polícia pegar a gravação eu
vou ser acusado...
- De quê?
- Eu não falei aquelas
coisas... Mas você é testemunha que eu estava brincando... Todo mundo sabe que
eu sou brincalhão... Volta a fita pra eu escutar as bobagens que eu falei...
- Que fita, homem!
Você tá parecendo maluco, que viagem é essa, rapaz?
- Fique calado, fique
mudo se não quiser ser envolvido!
- Eu vou calar a minha
boca para não ser envolvido? E nosso papo de bar? E os fofoqueiros?
- Ai meu Pai, como é
que a gente faz para ser inocente?
- Existe tratamento
para não escutar? Virar surdo, mudo, cego...
- Será que inocente
não tem tato nem paladar nem olfato?
- Tão dizendo que o
delegado acusou a mulher de Amarildo.
- E você escutou?!!!
- Tá dizendo que ele é
traficante e ela também.
- Cala a boca, homem.
- Saiu na mídia que
disseram que a casa deles era um ponto de tráfico.
- Para, criatura!
- Eu fico querendo
entender por que a polícia quer contar tanta coisa inventada sobre um ajudante
de pedreiro...
- E você aí, querendo
entender... Ah, que medo, que medos! Qual é o medo que a gente deve ter?
- A gente não deve
falar o nosso nome, nem falar o nosso sotaque.
- Ah, eu pensei que
você danou a falar com sotaque de gringo por causa do medo, mas você já tá é
despistando, né americano?
- Plese, ai dantanderstende.
- O, yes, ai, ai, ai... aieme, ai, ai forgot gago in inglixx
- uel, uel, uel, gago is, is, is a secretWorque
- I want
to speak Amarildo, in inglishxx
- Poor,
Black end, end, end, end
- hum… end, end, end, continue
E Amarildo não está
desaparecido como aparenta. Ele sumiu de um lugar opaco. E opaco, segundo o
dicionário Aurélio, é aquele espaço “que não deixa atravessar a luz”. E, no
caso em questão, Amarildo era este turvo que podia ser excluído sem prejudicar
a luminosidade da Rocinha nem interferir na sua apresentação espetacular. E se
alguém o procurasse, era só dizer que sua ausência é mais uma fresta aberta à
encenação pública. A falta deste trabalhador é elaborada de modo a
transformar-se em problema dele próprio. Este é o discurso genericamente
atribuído às vítimas que têm a opacidade como selo social.
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