segunda-feira, 19 de agosto de 2013

FCCV - AMARILDO: DE VÍTIMA A ALGOZ


 

AMARILDO:
DE VÍTIMA A ALGOZ

FCCV
Forum Comunitário
de Combate à Violência

Leitura de Fatos violentos
publicados pela mídia

Salvador - Bahia - Brasil

Ano 13, nº 11, 13/08/2013


- Você sabe o que aconteceu lá na Rocinha?
- Aquela que agora é outra, que virou UPP? Lá do Rio de Janeiro?
- É, aquela ...
- Não sei se sei, pois ela virou manchete e não sai mais dos jornais com aquele montão de novidades. Qual é a nova?
- Você se lembra do Amarildo?
- Você tá maluco, meu, o que tem a ver Rocinha com Amarildo? Quem é Amarildo pra se comparar com a Rocinha?! Negro, pobre, ajudante de pedreiro, pai de um monte de filhos... Não tem fio que encaixe a Rocinha com Amarildo.  Acho que você está confundindo as coisas e isto pode prejudicar a nova imagem da Rocinha. Já faz tempo que Rocinha é igual a UPP.  Eu não dou muito tempo pra Amarildo vazar e ir procurar um lugar do nível dele. A Rocinha é bairro para a nova classe média e Amarildo não assenta com morador de bairro.
- Pois é, ele sumiu. A polícia o pegou, levou para a UPP e nunca mais ele voltou.
- Ai, meu Deus, agora o bicho pega. Você tava gravando a minha brincadeira?
- Não, rapaz, tá me estranhando!
- Tem câmera ligada por aqui?
- Você pirou?!
- Não, rapaz, volta a fita pra você ver. Eu falei tanta bobagem... Se a polícia pegar a gravação eu vou ser acusado...
- De quê?
- Eu não falei aquelas coisas... Mas você é testemunha que eu estava brincando... Todo mundo sabe que eu sou brincalhão... Volta a fita pra eu escutar as bobagens que eu falei...
- Que fita, homem! Você tá parecendo maluco, que viagem é essa, rapaz?
- Fique calado, fique mudo se não quiser ser envolvido!
- Eu vou calar a minha boca para não ser envolvido? E nosso papo de bar? E os fofoqueiros?
- Ai meu Pai, como é que a gente faz para ser inocente?
- Existe tratamento para não escutar? Virar surdo, mudo, cego...
- Será que inocente não tem tato nem paladar nem olfato? 
- Tão dizendo que o delegado acusou a mulher de Amarildo.
- E você escutou?!!!
- Tá dizendo que ele é traficante e ela também.
- Cala a boca, homem.
- Saiu na mídia que disseram que a casa deles era um ponto de tráfico.
-  Para, criatura!
- Eu fico querendo entender por que a polícia quer contar tanta coisa inventada sobre um ajudante de pedreiro...
- E você aí, querendo entender... Ah, que medo, que medos! Qual é o medo que a gente deve ter?
- A gente não deve falar o nosso nome, nem falar o nosso sotaque.
- Ah, eu pensei que você danou a falar com sotaque de gringo por causa do medo, mas você já tá é despistando, né americano?
- Plese, ai dantanderstende.
- O, yes, ai, ai, ai... aieme, ai, ai forgot gago in inglixx
- uel, uel, uel, gago is, is, is a secretWorque
- I want to speak Amarildo, in inglishxx
- Poor, Black end, end, end, end
- hum… end, end, end, continue


E Amarildo não está desaparecido como aparenta. Ele sumiu de um lugar opaco. E opaco, segundo o dicionário Aurélio, é aquele espaço “que não deixa atravessar a luz”. E, no caso em questão, Amarildo era este turvo que podia ser excluído sem prejudicar a luminosidade da Rocinha nem interferir na sua apresentação espetacular. E se alguém o procurasse, era só dizer que sua ausência é mais uma fresta aberta à encenação pública. A falta deste trabalhador é elaborada de modo a transformar-se em problema dele próprio. Este é o discurso genericamente atribuído às vítimas que têm a opacidade como selo social. 

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