terça-feira, 20 de agosto de 2013

DOMINGUINHOS E A CENA URBANA (6 - FINAL)

DOMINGUINHOS E A CENA URBANA (6 - FINAL)


Vicente D. Moreira - especial para o Blogue CIDADE



Um diálogo mais que possível ocorre, e sugere amplos horizontes de reflexão, entre "Lamento Sertanejo" (Dominguinhos e Gilberto Gil) e "Sampa" (Caetano Veloso):


Por ser de lá

Do sertão, lá do cerrado
Lá do interior do mato
Da caatinga do roçado.
Eu quase não saio
Eu quase não tenho amigos
Eu quase que não consigo
Ficar na cidade sem viver contrariado.
Por ser de lá
Na certa por isso mesmo
Não gosto de cama mole
Não sei comer sem torresmo.
Eu quase não falo
Eu quase não sei de nada
Sou como rês desgarrada
Nessa multidão boiada caminhando a esmo.

******

Alguma coisa acontece npo meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga com a Avenida São João
É que quando eu cheguei por aqui eu nada entendi
Da dura poesia concreta de tuas esquinas
Da deselegância discreta de tuas meninas

Ainda não havia para mim Rita Lee
A tua mais completa tradução
Alguma coisa acontece no meu coração
Que só quando cruza a Ipiranga e a avenida São João

Quando eu te encarei frente a frente não vi o meu rosto

Chamei de mau gosto o que vi, de mau gosto, mau gosto
É que Narciso acha feio o que não é espelho
E à mente apavora o que ainda não é mesmo velho
Nada do que não era antes quando não somos Mutantes

E foste um difícil começo

Afasta o que não conheço
E quem vem de outro sonho feliz de cidade
Aprende depressa a chamar-te de realidade
Porque és o avesso do avesso do avesso do avesso

Do povo oprimido nas filas, nas vilas, favelas

Da força da grana que ergue e destrói coisas belas
Da feia fumaça que sobe, apagando as estrelas
Eu vejo surgir teus poetas de campos, espaços
Tuas oficinas de florestas, teus deuses da chuva

Pan-Américas de Áfricas utópicas, túmulo do samba

Mais possível novo quilombo de Zumbi
E os novos baianos passeiam na tua garoa
E novos baianos te podem curtir numa boa



****************



Vamos lá. Um 'sertanejo', ou seja, um migrante 
vai viver/morar/trabalhar numa cidade grande, numa
 materópole. São Paulo, por exemplo. Afinal, a cidade,
 o habitat de  origem desse migrante, dessa família, não
 lhe oferece as mínimas condições de vida e de trabalho

 que justifiquem a permanência lá. 


Como era - talvez! - de se esperar, Sampa 
é um planeta diferente, poucos braços abertos, 
poluição severa, barulho ensurdecedor, formigueiro
 humano, congestionamentos sem fim. Enfim ... São Paulo.
 A desadaptação inicial tem as cores vivas de sua realidade
 esmaecidas, não necessariamente dia -a - dia ... mas 
mes a mes, ano a a ano ...



Porém, "o irremediável remediado está ..." consola 
o dito popular. Essa "estranha mania de ter fé na vida' 
(Milton Nascimento - "Maria Maria") faz (ou obriga?) o 
migrante a se adaptar a São Paulo e suas dores e delícias urbanas.



Bem. O fato é que no Terminal Tietê (rodo-ferroviário) 
é comum se ver  imensos volumes de móveis e eletrodomésticos
 sendo embarcados nos ônibus com destino ao Norte/Nordeste.



São migrantes retornando, em definitivo, á terra natal? Não. na esmagadora maioria dos casos, são 'nordestinos' que vão visitar os parentes que aqinda permenecem morando lá "no interior do mato"; e aqueles volumes imensos são presentes a  amigos e familiares; presentres que traduzem afetividade, e até gratidão; mas também são a prova de sucesso e de elevação (mínima que seja) do poder aquisitivo.




Nenhum comentário:

Postar um comentário