HOJE 100 ANOS DE NELSON RODRIGUES
A VIDA (URBANA) COMO ELA É
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Blogue CIDADE
terça-feira, 20 de março de 2012
NELSON RODRIGUES 100 ANOS (1)
NELSON RODRIGUES 100 ANOS (1)
[fonte : ANTARES, n°2, jul-dez 2009, pp 153.-166]
[fonte : ANTARES, n°2, jul-dez 2009, pp 153.-166]
O urbano ululante: imprensa e cidade na tragédia de Nelson Rodrigues
Douglas Ceccagno
Mestre
em Letras e Cultura Regional (UCS). Doutorando em Letras (PUC-RS) e
bolsista da CAPES. Docente no Departamento de Letras e Filosofia da
Universidade de Caxias do Sul – Rio Grande do Sul – Brasil.
Resumo
As
relações entre o discurso da imprensa e a configuração das práticas
sociais no espaço urbano se dão na esfera do imaginário. Assim, com base
na teoria do imaginário social, a presente pesquisa investiga a
representação dos meios de comunicação em três tragédias de Nelson
Rodrigues, buscando uma visão do espaço social urbano que se depreende
do discurso jornalístico nas peças, e que influencia a legitimação da
própria imprensa na sociedade representada.
Palavras-chave
Imaginário social; drama; imprensa; espaço urbano.
Abstract
The
relations between the speech of the press and the setting of social
practices in the urban space take place in the sphere of imagination.
Thus, based on the theory of Social Imaginary, this research
investigates the representation of the media in three tragedies of
Nelson Rodrigues, seeking a vision of the urban social space that may be
seen in the journalistic discourse presented in the pieces, and that
influences the legitimacy of the press in the represented society.
Key words
Social Imaginary; drama; press; urban space.
O ADVENTO DA NOVA HISTORIA no século XX, com os trabalhos de Marc Bloch, Jacques Le Goff e outros, possibilitou a escritura historiográfica
a partir de elementos anteriormente desprezados pela historiografia.
Pela proposta desses autores, os documentos oficiais deixam de ser o único material possível de investigação; em seu lugar, objetos artísticos, tradições e costumes de um determinado povo ou regiao são
admitidos como meios eficazes para o surgimento de uma historia que tem
o objetivo de analisar a vida do cotidiano comum das sociedades, em
lugar de atentar apenas para os grandes eventos históricos.
Uma teoria descendente da Nova Historia e, em especial, da Historia das Mentalidades, que cria espaço para uma investigação da literatura em sua relação com a sociedade, e a teoria do Imaginário Social. Segundo um de seus adeptos, o Frances Michel Maffesoli, “o imaginário e uma forca social de ordem espiritual, uma construção mental, que se mantém ambígua, perceptivel, mas nao quantificável” (2001, p. 75). Sob a optica do imaginário, e possível apreender que relações se estabelecem entre uma obra literária e os pensamentos e emoções de um determinado grupo.
O imaginario social pode ser apreendido através de referencias simbólicas que
uma
sociedade estabelece e que dao sentido a suas praticas. Na literatura, o
modo como e representada uma determinada sociedade, e o papel que seus
membros desempenham nas relacoes entre si, enseja a leitura de aspectos
da identidade coletiva e da divisao de poderes dentro do universo
social. “As referencias simbolicas nao se
limitam a indicar os individuos que pertencem a mesma sociedade, mas
definem tambem de forma mais ou menos precisa os meios inteligiveis das
suas relacoes com ela, com as divisões internas e as instituicoes sociais, etc.” (BACZKO, 1986, p. 310).
Neste trabalho, investiga-se o texto dramático de Nelson Rodrigues sob a perspectiva do imaginário social, analisando como a representação da imprensa caracteriza, em obra do autor, uma forma de ver a cidade, constituindo um imaginário especificamente urbano. Para tanto, serão analisadas as tragédias Vestido de noiva (1943), O beijo no asfalto (1961) e Boca de Ouro (1959), atentando para a representação do meio jornalístico presente nessas obras.
A imprensa tem grande importância no desenvolvimento das cidades modernas, não apenas como fonte de informação, mas ainda pela sua capacidade de formar opiniões, influenciando sobremaneira o desenvolvimento dos imaginários sociais. Seu poder reside em se tratar de um campo pelo qual se realizam as funções do auctor. Para o sociólogo Pierre Bourdieu, o auctor, através da legitimidade que a sociedade lhe atribui, detém o poder de nomeação, ou seja, de determinar o que é e o que não á: “Ao
dizer as coisas com autoridade, quer dizer, a vista de todos e em nome
de todos, publicamente e oficialmente, ele subtrai-as ao arbitrário, sanciona-as, santifica-as, consagra-as, fazendo-as existir como dignas de existir, como conformes a natureza das
coisas ‘naturais’” (1989: 114). Dessa maneira, pela confiabilidade que a imprensa tem junto as classes populares, e possível ao meio jornalístico, exercendo sua função de auctor, definir verdades e mentiras no grupo social em que atua.
Em Vestido de noiva, os repórteres dos jornais Diário e A Noite são os responsáveis por informar a população sobre o atropelamento de Alaide. Na época de sua estréia nos palcos, em dezembro de 1943, Vestido de noiva tornou-se logo famosa por sobrepor três planos de ação: alucinação, memória e realidade. O meio jornalístico aparece no terceiro plano, fornecendo ao espectador, no decorrer da peca, informações sobre o acidente que envolveu a protagonista, a qual, agora, em estado de coma, mistura lembranças e alucinações, que são representadas nos dois outros planos de ação.
Essa função narrativa da imprensa fica explicita na cena em que os jornaleiros,
vendendo exemplares d’A Noite e do Diário, proferem as manchetes que atestam que Alaide assassinou o esposo Pedro, de maneira que também informam ao espectador de Vestido de noiva sobre a ampla cobertura da imprensa ao caso. Da mesma forma, o atropelamento de Alaide, do qual se ouviram ruídos no inicio da peca, passa a ser de conhecimento do espectador através do repórter Pimenta, quando o mesmo comunica ao redator do jornal Diário a ocorrência. A cena e composta por quatro telefones, “falando ao mesmo tempo”, como indica a rubrica do autor (RODRIGUES, 2004, p. 90): eles pertencem a Pimenta, ao redator do Diário, ao Carioca-Repórter e ao redator d’A Noite.Nesse dialogo rápido e entrecortado, onde se percebe a urgência dos dois jornais para publicar a noticia do desastre, e possível notar a influencia do ponto de vista de certos funcionários da imprensa sobre o conteúdo de suas publicações. Isso fica subentendido quando Pimenta emite sua opinião sobre a aparência física da vitima: “Bonita, bem vestida.” (RODRIGUES, 2004, p. 91). Ao mesmo tempo, e perceptível a necessidade de antecipar os acontecimentos, para que o próprio jornal esteja a frente de seus concorrentes na rapidez da informação:
REDATOR D’A NOITE – Morreu?
CARIOCA-REPÓRTER – Ainda nao. Mas vai. (RODRIGUES, 2004, p. 91)
Esses dois fatores interferem diretamente no produto que e veiculado ao leitor do jornal, posto que a interpretação dos fatos por parte do repórter e a necessidade de antecipar os acontecimentos futuros podem comprometer a veracidade da noticia.
Assim, a imprensa, mesmo que sob uma aparente imparcialidade, não pode se furtar a uma representação apenas parcial dos fatos, ocasionada pela intenção de publicar a noticia com antecipação e de não conseguir fugir ao julgamento dos elementos nela envolvidos. Por outro lado, o jornal não á só um meio de informar. Quando uma leitora se dirige ao redator identificando-se como testemunha do acidente, o que ela intenta não e prestar um depoimento esclarecedor sobre o caso (e nem e solicitada a fazê-lo pelo redator, que e o primeiro a desligar o telefone), mas reclamar da conduta dos motoristas.
Essa cena evidencia uma outra função da imprensa: dar voz as causas publicas. Embora esteja implícita
no dialogo a ma vontade do redator em atender a sua leitora (posto que
ele evite seus argumentos desligando o telefone), a mulher, ao telefonar
para a redação do jornal, tem a intenção de ver sua reclamação publicada, e disso se depreende a existência de um habito da imprensa de atender a essa espécie de pedido de seus leitores.
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