segunda-feira, 6 de agosto de 2012

FCCV - POR UM FLASH, FAZ DE CONTA







 

FCCV

Leitura de fatos 

violentos publicados na mídia

Salvador -Bahia - Brasil

Ano 12, nº 10, 30/07/2012 

POR UM FLASH, 
FAZ DE CONTA

Os grandes feitos midiáticos têm o condão de mobilizar a atenção da opinião pública durante um longo tempo de modo a contribuir, decisivamente, para a construção do caráter grandioso do assunto destacado. Enquanto estes eventos brilham, outras ocorrências têm aparições-relâmpago, de forma a compor o espaço da mídia em posição secundária como se fosse um caso-figurante em comparação com o protagonismo das histórias principais.


A espécie de fato dominante sugere ao público maior atenção a estes tipos de ocorrências e, enquanto tal sugestão é acatada, são oferecidas as possibilidades de se alimentar o convite à promessa de visibilidade garantida em torno do caso predominante. Assim sendo, os noticiosos portam produtos que ganham volumes que se expandem tanto sob a forma de aprofundamento quanto ao nível dos detalhes pitorescos, a exemplo de Rosane Collor revelando sutilezas de seu ex-marido ao Fantástico. E isso acontece ao mesmo tempo em que certos assuntos, tratados como menores, dispõem de reduzidos flashes de difícil sustentação na memória dos receptores, seja em razão da multiplicidade de casos-figurantes quanto em função da modestíssima aparição de cada caso.

No dia 3 de março de 2012, na página 9 do primeiro caderno do jornal A Tarde [Salvador - Bahia- Brasil] há uma curiosa manchete “Homem rouba caixão e assusta moradores”. Registrado em Bom Jesus da Serra, no sudoeste da Bahia, o episódio envolveu um homem chamado Gilberto Moreira Cunha, de 42 anos que se dirigiu à capela do cemitério e dali saiu carregando um caixão entre os que a prefeitura disponibiliza para famílias que não têm condições de arcar com a compra para o sepultamento de parentes. Denunciado, Gilberto “foi preso em flagrante [...] dormindo na urna, perto do cemitério”. Na delegacia, ele confessou ter levado o caixão para se proteger das muriçocas que o perturbavam na madrugada.

De acordo com a matéria, Gilberto não foi preso e moradores da área não o consideram perigoso, mas desta vez ele assustou as pessoas que à noite viram um homem carregando um caixão pela rua. 

Uma situação como esta tem pouquíssimas possibilidades de superar a barreira dos primeiros flashes. Trata-se de um acontecimento registrado em local invisível, envolvendo sujeitos que têm como característica social a pouca importância. O fator de midiaticidade está proporcionado pelo aspecto inusitado da ocorrência, porém esta singularidade não se combina com inovação ou comportamento arrojado. É uma novidade brejeira que nasce com as muriçocas que vêm do brejo. 

É pela falta de sossego e de abrigo que o andarilho descobre a urna funerária como fator de proteção do corpo vivo na noite de Bom Jesus da Serra. Como quem improvisa a vida a cada dia, enquanto carrega a sua guarida, ele inventa um leito que amedronta os transeuntes. A sua invenção movimenta a polícia militar e a civil e ele informa que vai devolver o caixão ao local de origem, como quem esclarece ter feito um empréstimo ao leito dos mortos.


A ação sugere uma precariedade pouco notada no que tange ao viver dos habitantes de rua, seus encontros com mosquitos, sua praticidade diante das inconveniências noturnas e as inversões que muito se parecem com lendas: faz de conta que este caixão é uma cama, é uma casa, é um quarto. Faz de conta que a muriçoca é um ladrão que rouba o sono e, faz, também de conta, que este morador é um cidadão.


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