Salvador - Bahia - Brasil
Leitura de fatos violentos publicados na mídiaAno 12, nº 11, 13/08/2012 | |
QUANDO TRANSGRESSÃO É DESAPONTAMENTO
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Eles são quatro. Três parecem felizes nas fotos enquanto um deles fica de costas para os flashes. São
jovens de 19 a 22 anos e, conforme as notícias divulgadas no final de
julho de 2012 por vários órgãos da imprensa baiana, formavam uma
quadrilha que assaltava um condomínio de alto luxo com o objetivo de
angariar recursos para pagar as noitadas de farra. São indivíduos de
classe média com pouca chance de serem referidos como bandidos ou
ladrões, em lugar disto, na manchete principal do jornal Correio da
Bahia de 26 de julho, a notícia é assim titulada: “Mauricinhos
assaltavam vizinhos para pagar a farra”. E no jornal A Tarde eles são:
“Jovens de classe média que roubavam casas em condomínio de luxo”.
Como
é possível observar pelo tempo verbal empregado nos títulos –
“assaltavam” e “roubavam” – as ilegalidades cometidas pelos acusados são
remetidas ao passado e mesmo neste tempo os seus os atos transgressivos
não os qualificam, ou seja, não dão a eles os títulos de assaltantes ou
ladrões: eles são jovens de classe média.
A
forma jocosa com a qual três deles se comportaram diante da mídia gera
uma indignação que se traduz pela divulgação das fotos e de algumas
falas dos mesmos, a exemplo de alguns trechos do Correio da Bahia: “Eles
relembraram como foi a primeira noite no xadrez. ‘Horrível! A gente
dormiu em cima do jornal, numa salinha, um fedor danado...”. Em relação
às suas famílias, um deles declarou que “Eles estão arrasados, com
certeza. Agora é sair daqui e nossos pais darem dinheiro pra gente ir
embora”. Um terceiro considera que “O alvará (de soltura) vai cantar.
Depois quero ir embora pra outro estado começar uma vida nova. Minha
namorada está grávida”. E o último integrante considera que “A gente tá
se redimindo, levando vida normal. Tenho uma filha para criar”.
Como
é praxe, a mídia ouviu especialistas para analisar o caso. A
psicanálise foi o campo explorado para a compreensão do assunto que
adquiriu o status de tema. Ao recorrer a esta forma de esclarecimento,
os meios de comunicação respondem a uma inquietação inscrita no tecido
da sociedade relativa ao fato de que as atitudes destes indivíduos, ao
se insurgirem contra a ordem estabelecida por motivos fúteis, não se
coadunam com a expectativa da defesa desta mesma ordem que, em última
análise, protege a posição social e econômica que ocupam. É, pois o
desapontamento da população e da mídia que dá base à construção da
ocorrência em forma de notícia. Se as atividades criminosas verificadas
tivessem sido cometidas por “bandidos normais” o espírito das matérias,
provavelmente, seria outro.
Esta
espécie de alternância na forma de representação de criminosos pode
sugerir muitas coisas: roubo é coisa de pobre; classe média não rouba;
quando um jovem de classe média rouba ele está com problemas
psicológicos; o jovem pobre não tem problemas psicológicos; quando um
jovem rico comete crime por motivo fútil é porque tem a cabeça vazia;
quando um jovem pobre comete crime por motivo fútil é porque está com a
cabeça cheia de drogas.
Caberia
buscar junto aos jovens pobres acusados de crimes suas motivações
subjetivas. Esta busca poderia recolocar em circulação a pergunta
trágica e atual: por que matamos e morremos por tão pouco?
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