segunda-feira, 13 de agosto de 2012

FCCV - QUANDO TRANSGRESSÃO É DESAPONTAMENTO


 
Salvador - Bahia - Brasil

 

Leitura de fatos violentos publicados na mídia 

Ano 12, nº 11, 13/08/2012 

 

QUANDO TRANSGRESSÃO É DESAPONTAMENTO
 
Eles são quatro. Três parecem felizes nas fotos enquanto um deles fica de costas para os flashes. São jovens de 19 a 22 anos e, conforme as notícias divulgadas no final de julho de 2012 por vários órgãos da imprensa baiana, formavam uma quadrilha que assaltava um condomínio de alto luxo com o objetivo de angariar recursos para pagar as noitadas de farra. São indivíduos de classe média com pouca chance de serem referidos como bandidos ou ladrões, em lugar disto, na manchete principal do jornal Correio da Bahia de 26 de julho, a notícia é assim titulada: “Mauricinhos assaltavam vizinhos para pagar a farra”. E no jornal A Tarde eles são: “Jovens de classe média que roubavam casas em condomínio de luxo”.

Como é possível observar pelo tempo verbal empregado nos títulos – “assaltavam” e “roubavam” – as ilegalidades cometidas pelos acusados são remetidas ao passado e mesmo neste tempo os seus os atos transgressivos não os qualificam, ou seja, não dão a eles os títulos de assaltantes ou ladrões: eles são jovens de classe média.
A forma jocosa com a qual três deles se comportaram diante da mídia gera uma indignação que se traduz pela divulgação das fotos e de algumas falas dos mesmos, a exemplo de alguns trechos do Correio da Bahia: “Eles relembraram como foi a primeira noite no xadrez. ‘Horrível! A gente dormiu em cima do jornal, numa salinha, um fedor danado...”. Em relação às suas famílias, um deles declarou que “Eles estão arrasados, com certeza. Agora é sair daqui e nossos pais darem dinheiro pra gente ir embora”. Um terceiro considera que “O alvará (de soltura) vai cantar. Depois quero ir embora pra outro estado começar uma vida nova. Minha namorada está grávida”. E o último integrante considera que “A gente tá se redimindo, levando vida normal. Tenho uma filha para criar”.  

Como é praxe, a mídia ouviu especialistas para analisar o caso. A psicanálise foi o campo explorado para a compreensão do assunto que adquiriu o status de tema. Ao recorrer a esta forma de esclarecimento, os meios de comunicação respondem a uma inquietação inscrita no tecido da sociedade relativa ao fato de que as atitudes destes indivíduos, ao se insurgirem contra a ordem estabelecida por motivos fúteis, não se coadunam com a expectativa da defesa desta mesma ordem que, em última análise, protege a posição social e econômica que ocupam. É, pois o desapontamento da população e da mídia que dá base à construção da ocorrência em forma de notícia. Se as atividades criminosas verificadas tivessem sido cometidas por “bandidos normais” o espírito das matérias, provavelmente, seria outro. 

Esta espécie de alternância na forma de representação de criminosos pode sugerir muitas coisas: roubo é coisa de pobre; classe média não rouba; quando um jovem de classe média rouba ele está com problemas psicológicos; o jovem pobre não tem problemas psicológicos; quando um jovem rico comete crime por motivo fútil é porque tem a cabeça vazia; quando um jovem pobre comete crime por motivo fútil é porque está com a cabeça cheia de drogas.

Caberia buscar junto aos jovens pobres acusados de crimes suas motivações subjetivas. Esta busca poderia recolocar em circulação a pergunta trágica e atual: por que matamos e morremos por tão pouco?



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