terça-feira, 14 de janeiro de 2014

CRÔNICAS (E AGUDAS) DAS CIDADES (1)

CRÔNICAS (E AGUDAS) DAS CIDADES (1)

ESPAÇOS URBANOS ANCESTRAIS


Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar


(Chico Buarque - "Vai Passar")




Vicente D. Moreira, antropólogo 
série  especial para o Blogue CIDADE, 

Antes que também eu me esqueça e a propósito, a música "Vai Passar" de Chico Buarque) bcompleta 30 anos agora em 2014

Urbanos, urbanóides, internéticos ... não temos o hábito de cultivar ou de cultuar - tanto faz, é a mesma coisa! - nossos antepassados os pessoais e familiais especificamente. Na Antiguidade Clássica e entre os povos de pequena escala, os ancestrais, os antepassados são cultuados através de ritos mágico-religiosos; há altares em que estão assentados fotos, imagens, símbolos de pais, avós, bisavós ... já falecidos. E são lembrados, lá, com muito carinho e respeito.


Entre nós, principalmente os latinos, praticamos regras de evitação da morte ('Deus o tenha muitos anos sem nenhum de nós",  "Que Deus tome conta de sua alma", estendemos o cadáver querido, quero dizer, do ente querido com os pés voltados para a porta, seja essa porta a da mais tosca choupana, seja do mais sofisticado salão de velório do mais grã fino e elitista cemitério da cidade.



É exatamente com o espírito e a essência expostos no parágrafo acima que também tratamos os espaços ancestrais das nossas cidades: os chamados centros antigos, centros históricos, velho centro., Espaços que são, por assim dizer,  pais, avós, bisavós dos mais modernos, ricos e sofisticados espaços de hoje em dia, ocupados por shopping centers, mansões, bunkers  torres  residenciais e comerciais do mais alto luxo e de metros quadrados de preços exorbitantes.



Nós, poderes públicos, nós cidadãos, nós empresários ... quantas vezes, por ano e por uma vida toda, temos pisado, temos melhorado, passeado e investido em áreas urbanas ancestrais... "nos paralelepípedos da velha cidade"?   ("Vai passar", Chico Buarque)

Que Deus mantenha os centro antigos, os centros urbanos ancestrais muito anos sem nenhum de nós.


Vai passar nessa avenida um samba popular
Cada paralelepípedo da velha cidade essa noite vai se arrepiar
Ao lembrar que aqui passaram sambas imortais
Que aqui sangraram pelos nossos pés
Que aqui sambaram nossos ancestrais
Num tempo página infeliz da nossa história,
passagem desbotada na memória
Das nossas novas gerações
Dormia a nossa pátria mãe tão distraída
sem perceber que era subtraída
Em tenebrosas transações
Seus filhos erravam cegos pelo continente,
levavam pedras feito penitentes
Erguendo estranhas catedrais
E um dia, afinal, tinham o direito a uma alegria fugaz
Uma ofegante epidemia que se chamava carnaval,
o carnaval, o carnaval
Vai passar, palmas pra ala dos barões famintos
O bloco dos napoleões retintos
e os pigmeus do boulevard
Meu Deus, vem olhar, vem ver de perto uma cidade a cantar
A evolução da liberdade até o dia clarear
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral vai passar
Ai que vida boa, ô lerê,
ai que vida boa, ô lará
O estandarte do sanatório geral… vai passar

(Chico Buarque de Hollanda - "Vai passar")

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