20 ANOS SEM MÁRIO QUINTANA (1906-1994)
O POETA DE PORTO ALEGRE
(RIO GRANDE DO SUL - BRASIL)
Revista do Instituto HYPNOS
BY
– 19 DE MARÇO
DE 2012
RESENHA:
Caderno H, de Mario Quintana
Por Andrei Venturini Martins
Nascido na cidade de Alegrete, Rio
Grande do Sul, Mario Quintana (1906-1994), com seus poemas, enche os olhos, e o
leitor, estático, contempla o mundo no detalhe do suspense: “O suspense requer
suspensão do tempo, emoção em câmera lenta.” (QUINTANA. Caderno H, p. 235). No
corre-corre ensandecido do cotidiano o poeta nos convida a mastigar
“devagarinho”. Horror ao colocar esta última palavra no diminutivo, de modo que
a forma correta seria “devagarzinho”? Não caro leitor, é justamente no fazer
aparecer o detalhe que o suspense impressiona: “O suspense é o strip-tease do horror”. (Ibid., p. 235). O
suspense impressiona e a primeira impressão pode ser de horror, mas não será
sempre assim: “O que eu queria dizer é que todas, todas as coisas tem que ser
dosadas com suspense, para poderem impressionar e encantar”. (Ibid., p. 235).
Eis o Poeta: desacelera o cotidiano, causa suspense, horror, depois impressiona
e, por último encanta.
Por diversas vezes, em seus poemas, destaca o furor de um relógio: este
apressa vida! A vida precisa ser degustada como um eterno instante. A
eternidade é um relógio sem ponteiros, ou então, um relógio parado: “O relógio
de parede numa velha fotografia – está parado?”. (Ibid., p. 237). O instante da
foto se eterniza. Mario Quintana pinta, emoldura e destaca um detalhe minúsculo
em um universo cheio de beleza. Assim como em um relógio de parede, uma árvore
murcha, simplória, ganha uma “nota macabra”: “As árvores podadas parecem mãos
de enterrados vivos”. (Ibid., p. 239). E uma cidade de excelsa grandeza mostra
seu vazio: “Cidade grande: dias sem pássaros, noites sem estrelas”. (Ibid., p.
239). Relógio, árvores, cidades: os poetas dão continuidade à criação de Deus:
VERSÍCULO INÉDITO DO GÊNESIS
Eis que, tendo Deus descansado no sétimo dia, os poetas continuaram a
obra da criação. (Ibid., p. 239).
Como colaboradores de Deus, os poetas ligam as palavras e as coisas, o
sentido e o mundo. A magia da poesia enche o mundo da sua maior certeza: a
“dúvida”. “Velha governanta do filósofo Descartes; avarenta e pechincheira,
desconfia de tudo e de todos, menos dela”. (Ibid., p. 260). Você acredita em
tudo que toca seus olhos?
TRECHO DE DIÁRIO
Sempre fui metafísico. Só penso na morte, em Deus e em como passar uma
velhice confortável. (Ibid., p. 240).
Deus, morte e o modo de vida sempre estão presentes no crivo da poesia
detalhista do poeta de Alegrete. Quanto à velhice, este período que parece nos
contar de como vivemos nossa vida até então, torna-se um “parênteses”:
“Conversa de velho é cheia de parênteses e esses parênteses são cheios de
parentes…”. (Ibid., p. 249). Mas e a morte? Esta, em algumas passagens é,
colegialmente, chamada de “A amiga”:
Ele chegou ao bar, pálido e trêmulo. Sentou-se.
– Por enquanto, nada – desculpou-se ao garçom. – Estou esperando
uma amiga.
Dali a dois minutos, estava morto.
Quanto ao garçom que o atendeu, esse adorava repetir a história, mas
sempre acrescentava ingenuamente:
– E, até hoje, a grande amiga não chegou! (Ibid., p. 243-244).
A morte, neste caso, não se aproxima do homem quando este enfrenta uma
grande saga, mas em um simplório bar, aberto ordinariamente. Mario Quintana
descreve “a amiga” presa em um bar, pobrezinha, de modo que o leitor deveria sentir
pena, não do morto, mas da morte: “Tenho pena da morte – cadela faminta – a que
deixamos carne doente e finalmente ossos, miseráveis que somos… O resto é
indevorável”. (Ibid., p. 248). Mas se a morte é uma pobre amiga, o que dizer de
nossos amigos, daqueles que escolhemos e cultivamos? “Amigo é a criatura que
escuta todas as nossas coisas sem aquela cara que parece estar dizendo: – E eu
com isso”. (Ibid., p. 249). O amigo é aquele que não nos deixa na solidão dos
nossos dramas, da insuportável solidão diante de um universo infinito. O homem
pode até escolher uma vida solitária, desprezando seus possíveis pares, mas
Deus não o pode fazer: “Mas só Deus – que é único, que não tem par – poderia
dizer o que é a solidão”. Deus não tem par, e por este motivo, não tem como
desprezar companhia, de modo que só Deus sabe o que é a solidão infinita. O
homem é dependente, e pode apreender isso:
CRIANÇA & CACHORRO
Triste de quem não teve um cachorro na infância! Para uma criança,
criatura tão necessitada de todos, tão frágil e sozinha, um cachorro é um teste
de amor desinteressado da parte dela… é ter uma outra criatura que dependa,
enfim, de seus cuidados”. (Ibid., p. 261).
Horror, Suspense, Encanto, Deus, Vida, Morte, Dúvida, Amigo, Velhice,
Cuidado: a poesia é uma forma de gritar o que significa tudo isso que chamamos
mundo!
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Livro: Caderno H
Autor: Mario Quintana
Detalhes: Rio de Janeiro,
Editora Nova Aguilar, 2006
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