quinta-feira, 19 de julho de 2012

ZANCHIM e ARAUJO - VIVER NA RUA ...


[fonte - jornal Folha de São Paulo,
 São Paulo (SP - Brasil), 4 de julho de 
2012, p, A3]

VIVER NA RUA NÃO É VIVER EM LIBERDADE

Kleber Luiz Zanchim
 e Paulo Dóron Rehder de Araujo 

Eu sinto em mim o borbulhar do gênio,
Vejo além um futuro radiante:
Avante! -brada-me o talento n'alma
E o eco ao longe me repete -avante!-
O futuro... o futuro... no seu seio...
Entre louros e bênçãos dorme a glória!
Após -um nome do universo n'alma,
Um nome escrito no panteon da história


Albergues não são perfeitos, mas 
dão o morador de rua o mínimo de 
disciplina, o banho, recordando regras 
elementares sobre o convívio em sociedade

A estrofe de "Mocidade e Morte", de 
Castro Alves, é nosso agradecimento
a Mauricio Antonio Ribeiro Lopes por 
ter mantido aceso o debate sobre a questão
 dos moradores de rua do centro de São Paulo
 ("Ao próximo, o largo", de 28/06).
Considerada a expectativa de vida do 
brasileiro, também o doutor Maurício não
 passa de um jovem senhor de cinquenta anos. 
E o vigor de suas palavras revela energia jovial 
para lutar pela solução de problemas
 complexos como este. 

Por cinco décadas, é provável 
que ele tenha acordado todos os 
dias e se levantado da cama para 
viver em favor de si mesmo, de 
alguém ou de uma causa. O amanhã 
aparecia luminoso diante de seus 
olhos, incentivando-o a moldar seu presente
 e seu futuro. Essa é uma das grandes 
diferenças entre ele e os abandonados 
das vias públicas, inclusive os do largo de
  São Francisco.

Para eles, o horizonte é estreito. 
O amanhã, sombrio. Falta-lhes exatamente
 o estímulo para construir sua própria 
dignidade como cidadãos: a expectativa 
de um dia melhor.

Nesse cenário, temos de discordar: 
a rua não é "liberdade total", como
 escreveu o doutor Maurício. Primeiro, 
porque nela há regras, sendo uma a de 
que ninguém pode se apropriar do 
espaço público, por qualquer que seja a forma. 

Segundo, porque o morador de rua está
 aprisionado no seu anonimato e na falta 
de esperança.

Ao contrário de Ribeiro Lopes ou de nós,
 esse indivíduo não consegue projetar 
o porvir, pois as carências são tantas que
 lhe importa apenas o agora. A insanidade
 mental e as drogas são válvulas de escape 
para suportar o não, o nada, o nunca.
Se os albergues não são perfeitos, são ao 
menos uma porta de entrada no sistema de 
assistência social.

Eles expõem o indivíduo ao mínimo 
de disciplina, que é o banho, 
 recordando-o de regras elementares 
sobre o convívio em sociedade.

Disciplina, sim, é liberdade, como 
lembrou um músico famoso da
 época em que o doutor Maurício 
era um jovem doutor.

Podemos cobrar melhorias nas iniciativas
 da Prefeitura, mas não podemos negar 
que elas são parte importante do que 
temos disponível para enfrentar o problema. 
Para se ter ideia, não fossem as tendas
 de atendimento instaladas no centro, mais de 
uas toneladas de fezes estariam nas ruas,
 exigindo ainda mais água para limpar a sujeira.

Temos debatido com os órgãos públicos
 um espaço de capacitação desses
 desamparados para o trabalho, em parte
 financiado pela iniciativa privada. 

Mapeamos dezenas de vagas que
 poderiam absorvê-los em funções 
de baixa complexidade, restaurando
 paulatinamente seu valor como pessoas
 produtivas e donas do curso da sua história.

Para tanto, precisamos induzi-los a 
sair da jaula moral e psicológica da 
rua, o que depende da desarticulação
 de tudo o que acaba por acorrentá-los 
aos vícios e ao ócio.

Maurício sabe há mais tempo que nós 
que a Faculdade de Direito é a "velha
 e sempre nova academia". O sincretismo 
entre o antigo e o moderno sempre marcaram 
a trajetória das arcadas, uma escola de vida.

Acreditamos que nossa mocidade possa
 ser compensada pela novel senioridade 
do douto promotor. Indicamos acima o 
nosso projeto. Que o doutor Maurício 
exponha à sociedade paulistana qual é o dele. 
Saudações franciscanas.












 

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