sexta-feira, 6 de julho de 2012

OJIMA ... CIDADES DORMITÓRIO (2)


OJIMA, SILVA e PEREIRA -  A Mobilidade Pendular na Definição das Cidades-Dormitório (2)

A Mobilidade Pendular na Definição das Cidades-Dormitório:
caracterização sociodemográfica e novas territorialidades no
contexto da urbanização brasileira

______________________________________________________________________________
Este estudo foi desenvolvido no âmbito do projeto "Dinâmica intrametropolitana
 e vulnerabilidade sócio-demográfica nas metrópoles do interior paulista", 
desenvolvido no Núcleo de Estudos de População (NEPO/Unicamp) com o
 financiamento da Fapesp e Cnpq.
___________________________________________________________________________________________________

Ricardo Ojima
Doutor em Demografia; Pesquisador Colaborador do Núcleo de Estudos de População
(NEPO/Unicamp) e Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp).

Robson Bonifácio da Silva
Geógrafo; Mestrando em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp);
Bolsista da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES).

Rafael H. Moraes Pereira
Sociólogo; Mestrando em Demografia - Departamento de Demografia (DD/IFCH/Unicamp);
Bolsista da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP).



Cano (1988) relaciona a origem das cidades-dormitório ao processo de urbanização. A periferização dos assentamentos humanos e industriais e aespeculação imobiliária teriam provocado importantes mudanças no processo de
urbanização como a conurbação e a conseqüente metropolização, fazendo surgir aí as “cidades-dormitório”. Santos (1990) também destaca a significativa importância da especulação imobiliária que, por conseqüência, contribuiu para o crescimento fragmentado da metrópole paulistana. Trata-se da concretização do espaço urbano alienado queaumenta o abismo entre a estruturação desse espaço urbano e as necessidades sociais da população. Assim, a periferização se acentuou na medida em que houve um aumento da especulação imobiliária e do custo de vida.

Entretanto, a causa desse processo pode não ser uma exclusividade da concentração industrial, pois mesmo as regiões metropolitanas com menor concentração também vivenciam a situação. O baixo dinamismo econômico, a pouca diversidade das atividades de comércio e serviços, e o uso predominantemente residencial de alguns municípios são os elementos destacados por Caiado (2005) na caracterização das cidades-dormitório em sua análise sobre a estruturação intra-urbana na região do Distrito Federal e seu entorno. A pesquisadora ainda menciona as elevadas taxas de crescimento populacional da região devido à intensidade do processo de periferização.

Nas últimas décadas pode-se destacar, no Brasil, algumas cidades cujas características, diferentes das mencionadas anteriormente, trazem novos contornos à discussão do tema e problematizam essa categoria das cidades-dormitório. Esses novos contornos podem ser exemplificados pelo município de Valinhos (SP). Valinhos é um município pertencente à Região Metropolitana de Campinas que apresenta baixos índices de criminalidade e violência e alta proliferação de condomínios e loteamentos fechados criados na década de 1990, principalmente, pela justificativa de uma busca por segurança e qualidade de vida (Miglioranza, 2005).

O exemplo de Valinhos1 imprime novos contornos para a categoria de cidades dormitório. Se antes a “expulsão” das pessoas de baixa renda para as áreas distantes dos centros pelo processo de periferização da população era uma característica, hoje verificamos também a ocupação de áreas periféricas por pessoas de mais alta renda que procuram essas áreas em busca de um nível de vida requerido pelas classes média e alta da população (Cunha e Miglioranza,
2006).


A informação de deslocamento pendular: uma aproximação metodológica

Como vimos, uma das evidências empíricas que caracterizam as cidades dormitório é o fato que essas, como o nome sugere, são cidades essencialmente
utilizadas como local de residência e as demais atividades cotidianas, sobretudo o
trabalho, são realizadas em outros municípios. Esta relação, normalmente percebida como parasitária dentro do contexto das redes urbanas brasileiras assume conotação negativa pelas razões expostas na seção anterior.

Uma das maneiras de captar empiricamente a dinâmica populacional que configura as cidades-dormitório é a utilização da informação censitária que registra o município que a pessoa trabalha ou estuda. Assim, é possível captar a mobilidade das pessoas em um contexto regional quando o município de residência é diferente daquele no qual a pessoa informa como local de trabalho ou estudo. Essa modalidade é normalmente denominada como “deslocamento pendular” por se considerar que trabalhando ou estudando em municípios distintos este movimento possui uma regularidade cotidiana.

Mas, embora não seja uma abordagem nova tanto na área de geografia como na demografia, só recentemente essa variável passou a ser utilizada com mais freqüência do ponto de vista analítico. Isso pode ser explicado por, pelo menos, duas razões principais: uma delas, de cunho metodológico, é a retomada do quesito no Censo Demográfico 2000 com abrangência e representatividade em todo o território nacional2; e outra, de ordem empírica, é o significativo crescimento do peso relativo deste de movimento.

Assim, embora tenha sido objeto de investigação no Brasil desde a delimitação oficial das primeiras nove Regiões Metropolitanas3, não se configurou como preocupação em muitas análises. Até então, os movimentos populacionais mais evidentes eram as migrações de longa distância, sendo exemplar os fluxos Nordeste-Sudeste, além dos fluxos rural-urbano. Assim, só quando arrefecem os ímpetos de tais fluxos é que os movimentos pendulares passam a receber maior atenção (HOGAN, 2005).

O uso da informação de deslocamento pendular com objetivo de trabalho ou estudo é uma importante ferramenta para entender os processos de metropolização, pois permitem verificar o grau de extensão da circularidade de pessoas em uma determinada região. Nos Estados Unidos da América, por exemplo, o Census Bureau define a abrangência e a extensão das Áreas Metropolitanas a partir da atualização regular, a cada levantamento censitário, com o uso dos dados de deslocamento pendular para trabalho (FEDERAL REGISTER, 1998).

De modo geral, mesmo que a informação censitária não capte movimentos que não sejam motivados por trabalho ou estudo (JARDIM e HERVATTI, 2006), pode ser considerado suficiente para caracterizar, principalmente, as aglomerações urbanas devido aos efeitos indiretos que podem ser supostos a partir dela. Ou seja, mesmo que a informação não contemple os movimentos para lazer, compras e atendimento de serviços é possível entender com relativa confiabilidade os principais fluxos populacionais em uma região, pois os deslocamentos para trabalho possuem uma regularidade maior na vida cotidiana, sobretudo em relação aos deslocamentos para lazer e compras.

Em verdade, pesquisas mais específicas, como a Pesquisa Origem-Destino, trazem elementos mais detalhados sobre os fluxos de pessoas dentro de uma mesma aglomeração e permitem com isso identificar as espacializações locais que
configuram a complexidade da rede urbana nos principais centros urbanos brasileiros contemporâneos4. Entretanto, estas pesquisas ainda são reduzidas a algumas poucas Regiões Metropolitanas brasileiras e, além disso, não possuem uma continuidade temporal que permita uma avaliação do desenvolvimento deste
processo.

Branco, Firkowski e Moura (2005a; 2005b), realizam uma revisão sobre o conceito e o quesito censitário de movimentos pendulares e apontam para a importância desse critério para a identificação dos processos de metropolização. Confirmam, portanto, a idéia de que as fronteiras político-administrativas escondem importantes fluxos que podem ser apreciados à luz dos movimentos pendulares. Entretanto, embora em termos absolutos o movimento pendular seja um fenômeno
urbano concentrado em grandes cidades (ANTICO, 2004 e ARANHA, 2005), em termos relativos estes movimentos assumem grande importância nas dinâmicas
intra-urbanas de diversas regiões do país. Segundo Hogan (1990, 1993 e 2005), os movimentos pendulares jogam um importante papel na diluição dos riscos enfrentados pelo desenvolvimento sustentável; analisando o perfil das pessoas que fazem movimentos pendulares em Cubatão (SP), pôde-se observar que essa dinâmica populacional refletiu impactos relevantes no desenvolvimento econômico da região. Assim, apesar de Cubatão, em termos absolutos, não ter a expressividade de movimentos pendulares como encontrados em São Paulo ou Rio de Janeiro, em termos relativos esses processos se constituem em peças fundamentais na estruturação da dinâmica regional.

Assim, considerando o país como um todo, os movimentos pendulares somam 7,4 milhões de pessoas; ou seja, 4,4% da população brasileira em 2000 trabalhava
ou estudava fora do município de residência. Deste total, 38% são movimentos originados em municípios que se localizam nas Regiões Metropolitanas de São Paulo e Rio de Janeiro que, respectivamente, correspondem a cerca de 6,5% e 7,5% da população residente nestas regiões.

Observando as principais características sociodemográficas, a população que realiza este tipo de movimentos se diferencia do conjunto da população, ilustrando a seletividade que este grupo assume. Como podemos perceber na Erro! A origem da referência não foi encontrada., trata-se de uma característica que possui maior concentração entre os homens embora tenha diminuído significativa quando comparado aos dados de 1980. Assim, se em 1980 os homens correspondiam a cerca de 75% das pessoas com mais de 10 anos que faziam movimentos pendulares, em 2000 essa proporção diminui para cerca de 60% dos movimentos pendulares.

___________


1 A peculiaridade das características de Valinhos enquanto cidade-dormitório também é apontada nos trabalhos de Cunha et all (2005) e de Jakob & Sobreira (2005).

2 Com abrangência territorial nacional os Censos Demográficos são realizados decenalmente pela Fundação IBGE. A pesquisa do Censo, contudo, só tratou dessa questão nos de 1970, 1980 e 2000.

3 As Regiões Metropolitanas (RM) no Brasil foram instituídas através da lei complementar no14, em 8 de junho de 1973, com o objetivo de promover o planejamento integrado e a prestação de serviço scomuns de interesse metropolitano, com comando da Unidade da Federação e sob o financiamento da União. Primeiramente, oito RMs foram criadas: Belém, Belo Horizonte, Curitiba, Fortaleza, Porto Alegre, Recife, Salvador e São Paulo, sendo criada no ano seguinte a RM do Rio de Janeiro pela lei complementar no 20, totalizando nove RMs até o final do ano de 1974.

4 Realizadas de forma descentralizada por órgãos municipais ligados ao planejamento urbano e
de transportes, as pesquisas Origem-Destino são relativamente recentes e se restringem apenas a
algumas Regiões Metropolitanas do Brasil.


(continua amanhã)

Nenhum comentário:

Postar um comentário