Os casos de
Goiás e Sergipe também merecem destaque por terem mostrado um aumento da
proporção de municípios que se enquadram nas classes de pendularidade mais
elevada, sobretudo, entre aqueles que possuem mais de 40% da população ocupada
realizando estes movimentos.
Em termos dos números
absolutos, é importante destacar que os municípios com proporção de
movimentos pendulares acima de 20% aumentou expressivamente entre
1980 e 2000, passando de 198 para 404 municípios. Só o estado de São Paulo
contribuiu com 40% deste aumento, pois dos 59 municípios com mais de 20% de
pendularidade em 1980 passou para um total de 142, em 2000. Em seguida,
Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul foram os que mais contribuíram para o
aumento no número de municípios; 26, 19 e 17, respectivamente.
A literatura que se
vale do termo cidade-dormitório frequentemente associa sua formação a partir dos
processos de metropolização. Essa relação é claramente percebida a partir dos
dados de 1980, quando 51% dos municípios com mais de 20% de pendularidade
faziam parte de regiões metropolitanas9.
Entretanto, há uma mudança importante
entre os dois períodos, pois em 2000 a participação dos municípios integrantes
de Regiões Metropolitanas diminui para 40%. Desta forma, a maior parte dos
municípios que possuíam proporção de pessoas ocupadas realizando movimentos
pendulares está localizada fora de regiões metropolitanas
(ver Gráfico 5).
Tal constatação
confirma a tendência de desaceleração do crescimento populacional
metropolitano a partir da perda da participação relativa dessas metrópoles no total da
população do país. Além disso, permite afirmar que a metropolização enquanto
processo social, econômico e político não deve ser focado apenas no
desenvolvimento das Regiões Metropolitanas institucionalizadas, mas no
processo de
metropolização enquanto um macro-processo. Portanto, a consolidação de redes de interação
intermunicipal se desconcentra e aponta para novos desafios para o planejamento
urbano e regional.
As cidades-região, apontadas, entre outros, por
Scott et al.
(2001), constituem nódulos de expressão de uma
nova ordem
social, econômica e política, mostrando que - ao
contrário de
uma dissolução da importância regional
decorrente da diluição
do tempo-espaço propiciado pela globalização -
as formas
espaciais regionais se tornam cada vez mais
centrais à vida
moderna (OJIMA, 2007: p.48).
Em vista dessa
desconcentração populacional, as cidades-dormitório são enfatizadas como
locais de elevado crescimento populacional. Essa afirmação parece ser verdadeira,
pois quando considerados os municípios com taxa de crescimento positiva no
ano de 1980, há uma correlação positiva10.
Isto é, quanto maior a taxa de
crescimento populacional (em % a.a.), maior é a proporção de movimentos pendulares.
Por outro lado, quando as taxas de crescimento são negativas, embora
continue sendo significativa, esta correlação apresenta baixa correlação (0,096)11.
Para o ano 2000, a correlação positiva se mantém significativa12 para
as taxas de crescimento positivas. Entretanto, não se mantém significativa para as
taxas de crescimento negativas.
Mas a relação que
parece se a mais freqüentemente associada ao termo cidade-dormitório são
as condições socioeconômicas do município, entre elas o dinamismo econômico e
a qualidade de vida do município. Para verificar esta hipótese, utilizamos
os dados de Produto Interno Bruto (PIB) municipal13 per capita (em R$ de 2000) como proxy do dinamismo econômico e o
Índice de Desenvolvimento Humano
Municipal (IDH-M) para os anos de 1980 e 2000 na tentativa de encontrar
padrões nestes municípios segundo o peso relativo que os movimentos pendulares
possuem no total da população ocupada dos municípios.
Em relação ao PIB
municipal per capita não
parece haver uma correlação estatisticamente significativa entre as duas variáveis. Uma correlação negativa, ou seja, menor PIB per capita para maiores
proporções de movimentos pendulares só se configura quando
filtramos pelo grupo de municípios que possuem maiores proporções de
movimentos pendulares (acima de 40% da população ocupada). Isso ocorre tanto em 1980
como em 2000, sendo que para o ano 2000 a correlação se torna estatisticamente
significativa neste patamar. A partir disso, é possível supor
que o padrão de
cidades-dormitório com baixo dinamismo econômico só passa a existir quando a
proporção de movimentos pendulares são mais elevadas, em torno de 40% da população
ocupada.
Uma análise mais
detalhada para identificar um critério-limite para classificação de uma
cidade-dormitório poderia tornar essa correlação mais robusta em termos das análises. De toda
forma, isso significa que, pelo menos em relação ao fator de PIB per capita, existem muito menos
cidades-dormitório do que se podemos encontrar nas
referências encontradas.
Considerando o Índice
de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) como parâmetro de qualidade
de vida, há uma aparente contradição no que se refere à proporção de
movimentos pendulares. Segundo estes dados, embora encontremos uma correlação pouco
significativa, há uma tendência positiva na relação entre proporção de pessoas
ocupadas que realizam movimentos pendulares é melhoria em relação à sua
posição no ranking de
IDH-M. O Gráfico 7 ilustra a
dispersão dos casos segundo esse cruzamento. Contudo, a utilização deste
indicador como forma de mensuração da qualidade de vida é controversa e seria
importante avaliar com mais detalhes outras variáveis que permitam comparar os
casos em termos de acesso a serviços públicos (saúde, educação, transporte)
ou ainda em termos de infra-estrutura domiciliar. Para fins dessa primeira
aproximação, este indicador permitiu verificar que, pelo menos em termos agregados do
município e a partir de uma medida sintética como o IDH-M, não existe uma
correlação negativa, como era esperado pelo que se costuma encontrar nas
referências a respeito das cidades-dormitório.
Consensos e Contradições: algumas considerações finais
Como proposto, o
trabalho buscou apresentar um perfil geral do que se entende por
cidade-dormitório no Brasil a partir de uma abordagem demográfica. Essa abordagem
considerou a proporção de pessoas que realizam movimentos pendulares pelo total
da população que trabalhava ou estudava em 1980 e 2000. A partir dessa
perspectiva, explorou-se os dados de forma a verificar padrões que permitissem
categorizar o termo cidades-dormitório. Para isso, foram utilizadas ainda informações
relativas ao PIB municipal per
capita e o IDH-M para buscar evidências empíricas
das condições socioeconômicas das cidades-dormitório.
O que podemos concluir
a partir dessa análise é que o critério de identificação de uma
cidade-dormitório deveria ser o quanto mais restritivo possível para obter resultados mais
próximos do que normalmente são utilizados quando se pensa em um caso típico. Isso
nos coloca frente a uma evidência importante: a afirmação de que a cidade
dormitório possui baixo dinamismo econômico e baixa qualidade de vida é, no mínimo, uma
questão que merece maior aprofundamento, pois essa
relação não foi
encontrada para a maior parte dos municípios que potencialmente poderiam ser chamados
de cidades-dormitório.
Apesar do que se
supunha antes dessa análise e com base no IDH-M, a qualidade de vida
nestas cidades-dormitório é melhor do que em municípios com baixa proporção de
movimentos pendulares. Como já mencionado, este indicador nnão é suficiente para
medir a qualidade de vida da população, sendo necessário avançar em outros
indicadores que permitam mensurar com maior robustez a situação em que vive
essa população.
A identificação de uma
cidade-dormitório a partir de evidências empíricas é uma tarefa complexa e
envolve um conjunto grande de fatores. Assim, mesmo que seja uma expressão
comum tanto nos meios acadêmicos como na mídia impressa e digital, mereceria
maior cuidado no seu emprego. A alcunha de cidade-dormitório éfrequentemente
evitada, sobretudo, pelas cidades que hoje buscam se consolidar como eixos de expansão
residencial de média e alta renda em contextos metropolitanos. Além
disso, por ser um fenômeno que ocorre cada vez mais fora das Regiões Metropolitanas
Oficiais, emerge mais ainda como uma questão a ser investigada dentro do
processo de constituição de cidades-regiões.
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