segunda-feira, 9 de julho de 2012

OJIMA - CIDADES DORMITÓRIO (FINAL)

OJIMA - CIDADES DORMITÓRIO (FINAL)

Os casos de Goiás e Sergipe também merecem destaque por terem mostrado um aumento da proporção de municípios que se enquadram nas classes de pendularidade mais elevada, sobretudo, entre aqueles que possuem mais de 40% da população ocupada realizando estes movimentos.
Em termos dos números absolutos, é importante destacar que os municípios com proporção de movimentos pendulares acima de 20% aumentou expressivamente entre 1980 e 2000, passando de 198 para 404 municípios. Só o estado de São Paulo contribuiu com 40% deste aumento, pois dos 59 municípios com mais de 20% de pendularidade em 1980 passou para um total de 142, em 2000. Em seguida, Minas Gerais, Paraná e Rio Grande do Sul foram os que mais contribuíram para o aumento no número de municípios; 26, 19 e 17, respectivamente.

A literatura que se vale do termo cidade-dormitório frequentemente associa sua formação a partir dos processos de metropolização. Essa relação é claramente percebida a partir dos dados de 1980, quando 51% dos municípios com mais de 20% de pendularidade faziam parte de regiões metropolitanas9. Entretanto, há uma mudança importante entre os dois períodos, pois em 2000 a participação dos municípios integrantes de Regiões Metropolitanas diminui para 40%. Desta forma, a maior parte dos municípios que possuíam proporção de pessoas ocupadas realizando movimentos pendulares está localizada fora de regiões metropolitanas
(ver Gráfico 5).

Tal constatação confirma a tendência de desaceleração do crescimento populacional metropolitano a partir da perda da participação relativa dessas metrópoles no total da população do país. Além disso, permite afirmar que a metropolização enquanto processo social, econômico e político não deve ser focado apenas no desenvolvimento das Regiões Metropolitanas institucionalizadas, mas no
processo de metropolização enquanto um macro-processo. Portanto, a consolidação de redes de interação intermunicipal se desconcentra e aponta para novos desafios para o planejamento urbano e regional.

As cidades-região, apontadas, entre outros, por Scott et al.
(2001), constituem nódulos de expressão de uma nova ordem
social, econômica e política, mostrando que - ao contrário de
uma dissolução da importância regional decorrente da diluição
do tempo-espaço propiciado pela globalização - as formas
espaciais regionais se tornam cada vez mais centrais à vida
moderna (OJIMA, 2007: p.48).

Em vista dessa desconcentração populacional, as cidades-dormitório são enfatizadas como locais de elevado crescimento populacional. Essa afirmação parece ser verdadeira, pois quando considerados os municípios com taxa de crescimento positiva no ano de 1980, há uma correlação positiva10. Isto é, quanto maior a taxa de crescimento populacional (em % a.a.), maior é a proporção de movimentos pendulares. Por outro lado, quando as taxas de crescimento são negativas, embora continue sendo significativa, esta correlação apresenta baixa correlação (0,096)11. Para o ano 2000, a correlação positiva se mantém significativa12 para as taxas de crescimento positivas. Entretanto, não se mantém significativa para as taxas de crescimento negativas.

Mas a relação que parece se a mais freqüentemente associada ao termo cidade-dormitório são as condições socioeconômicas do município, entre elas o dinamismo econômico e a qualidade de vida do município. Para verificar esta hipótese, utilizamos os dados de Produto Interno Bruto (PIB) municipal13 per capita (em R$ de 2000) como proxy do dinamismo econômico e o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) para os anos de 1980 e 2000 na tentativa de encontrar padrões nestes municípios segundo o peso relativo que os movimentos pendulares possuem no total da população ocupada dos municípios.

Em relação ao PIB municipal per capita não parece haver uma correlação estatisticamente significativa entre as duas variáveis. Uma correlação negativa, ou seja, menor PIB per capita para maiores proporções de movimentos pendulares só se configura quando filtramos pelo grupo de municípios que possuem maiores proporções de movimentos pendulares (acima de 40% da população ocupada). Isso ocorre tanto em 1980 como em 2000, sendo que para o ano 2000 a correlação se torna estatisticamente significativa neste patamar. A partir disso, é possível supor
que o padrão de cidades-dormitório com baixo dinamismo econômico só passa a existir quando a proporção de movimentos pendulares são mais elevadas, em torno de 40% da população ocupada.

Uma análise mais detalhada para identificar um critério-limite para classificação de uma cidade-dormitório poderia tornar essa correlação mais robusta em termos das análises. De toda forma, isso significa que, pelo menos em relação ao fator de PIB per capita, existem muito menos cidades-dormitório do que se podemos encontrar nas referências encontradas.

Considerando o Índice de Desenvolvimento Humano Municipal (IDH-M) como parâmetro de qualidade de vida, há uma aparente contradição no que se refere à proporção de movimentos pendulares. Segundo estes dados, embora encontremos uma correlação pouco significativa, há uma tendência positiva na relação entre proporção de pessoas ocupadas que realizam movimentos pendulares é melhoria em relação à sua posição no ranking de IDH-M. O Gráfico 7 ilustra a dispersão dos casos segundo esse cruzamento. Contudo, a utilização deste indicador como forma de mensuração da qualidade de vida é controversa e seria importante avaliar com mais detalhes outras variáveis que permitam comparar os casos em termos de acesso a serviços públicos (saúde, educação, transporte) ou ainda em termos de infra-estrutura domiciliar. Para fins dessa primeira aproximação, este indicador permitiu verificar que, pelo menos em termos agregados do município e a partir de uma medida sintética como o IDH-M, não existe uma correlação negativa, como era esperado pelo que se costuma encontrar nas referências a respeito das cidades-dormitório.

Consensos e Contradições: algumas considerações finais

Como proposto, o trabalho buscou apresentar um perfil geral do que se entende por cidade-dormitório no Brasil a partir de uma abordagem demográfica. Essa abordagem considerou a proporção de pessoas que realizam movimentos pendulares pelo total da população que trabalhava ou estudava em 1980 e 2000. A partir dessa perspectiva, explorou-se os dados de forma a verificar padrões que permitissem categorizar o termo cidades-dormitório. Para isso, foram utilizadas ainda informações relativas ao PIB municipal per capita e o IDH-M para buscar evidências empíricas das condições socioeconômicas das cidades-dormitório.

O que podemos concluir a partir dessa análise é que o critério de identificação de uma cidade-dormitório deveria ser o quanto mais restritivo possível para obter resultados mais próximos do que normalmente são utilizados quando se pensa em um caso típico. Isso nos coloca frente a uma evidência importante: a afirmação de que a cidade dormitório possui baixo dinamismo econômico e baixa qualidade de vida é, no mínimo, uma questão que merece maior aprofundamento, pois essa
relação não foi encontrada para a maior parte dos municípios que potencialmente poderiam ser chamados de cidades-dormitório.

Apesar do que se supunha antes dessa análise e com base no IDH-M, a qualidade de vida nestas cidades-dormitório é melhor do que em municípios com baixa proporção de movimentos pendulares. Como já mencionado, este indicador nnão é suficiente para medir a qualidade de vida da população, sendo necessário avançar em outros indicadores que permitam mensurar com maior robustez a situação em que vive essa população.

A identificação de uma cidade-dormitório a partir de evidências empíricas é uma tarefa complexa e envolve um conjunto grande de fatores. Assim, mesmo que seja uma expressão comum tanto nos meios acadêmicos como na mídia impressa e digital, mereceria maior cuidado no seu emprego. A alcunha de cidade-dormitório éfrequentemente evitada, sobretudo, pelas cidades que hoje buscam se consolidar como eixos de expansão residencial de média e alta renda em contextos metropolitanos. Além disso, por ser um fenômeno que ocorre cada vez mais fora das Regiões Metropolitanas Oficiais, emerge mais ainda como uma questão a ser investigada dentro do processo de constituição de cidades-regiões.




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