domingo, 15 de julho de 2012

LENDAS URBANAS - CUÍCA DE SANTO AMARO - SALVADOR - BAHIA - BRASIL

LENDAS URBANAS

CUÍCA DE SANTO AMARO

SALVADOR - BAHIA - BRASIL



(Cuíca de Santo Amaro)



CUICA DE SANTO AMARO - O BOQUIRROTO DE MEGAFONE ...

Editora: Manati 


Poucas figuras da fulgurante vida popular da Salvador do século XX se imortalizaram na memória coletiva baiana como a do fabuloso cordelista, cantador e tipo de rua revisitado nesse "Cuíca de Santo Amaro: o boquirroto de megafone e cartola". Personagem de romancistas, cineastas, poetas e dramaturgos, o espalhafatoso vate do Elevador Lacerda se inscreve, na verdade, em uma longa dinastia da verve satírica, fescenina e maledicente da Bahia...





 I
 
Era imenso o galinheiro
Estava mesmo lotado
Tudo de camisa verde
Era um quadro gozado
Porém só tinha um galo
Era o Plínio Salgado.
Porém o galinheiro
Muito tempo não durou
Quando foi um belo dia
Getúlio Vargas cismou
Agarrou logo o galinheiro
E o rabo logo cortou.

II

Nunca disse a ninguém
Que eu era Getulista
Nem também afirmei
Que eu era Queremista
Todos sabem muito bem
Que eu sou propagandista.

III

Nessa história interessante
Você pode acreditar
Conheci uma fulana
Pois muito deu o que falar
Pois a mesma só levava
A vida a jogar bilhar.
Ela pegou no taco
Ele pegou na bola
Ela se espichou
Como se fosse mola
Com o taco na mão
Dizia, lá vai viola.

 IV
Como não sou criança
Para ninguém me enganar
O livro anunciado
Que mandaram me agüentar
Por falta de palavra
Resolvi a publicar.
Esta minha atitude
Eu conto aos amigos meus
Um parente do monstro
Na certa se doeu
E uma certa noite
Lá em casa apareceu.
Sim, caro leitor
Chegou ele apavorado
E me disse, Seu Cuíca
Poupe o degenerado
Eu disse... cinco mil
Para não ser divulgado.






30 Outubro 2006

Cronista do cotidiano, Cuíca de Santo Amaro

Entre as décadas de 40 e 60 um cronista

 do cotidiano se destacava 
em Salvador. Mestre de trovador e 
repórter, Cuíca de Santo Amaro se
 celebrizou como um dos personagens 
mais importantes da história recente
 da cultura baiana. Seus versos virulentos 
assustavam poderosos e gente 
comum, e não havia segredo guardado a 
sete chaves que escapasse do seu 
faro para escândalo, que tornava público
 na cidade através de cordéis.

Amado por uns, odiado por outros, ele vestia

 um fraque bem passado, flor na
 lapela e chapéu-coco. Dessa forma ele desfilava
 pelas principais ruas de Salvador
 declamando seus versos de poeta trovador. Apesar 
de não ter estudado e não estar
 entre os melhores versificadores da literatura de cordel, 
Cuíca era a síntese do 
trovador-repórter popular. Ele forneceu um relato picante 
e interessante do seu tempo, 
um retrato folclórico-popular da vida baiana, 
através de centenas de folhetos, impressos
 semanalmente durante quase 25 anos. Muitos
 dos seus cordéis fazem denúncia contra abusos 
praticados contra o povo.

 Criticava não só políticos que
 julgava sem caráter, mas donos de
 estabelecimentos que cobravam, preços
 altos e repartições que forneciam
 serviços públicos de má qualidade.

Participou do filme “A Grande Feira”, 

dirigido por Roberto Pires,
 representando ele mesmo, e inspirou 
o personagem Dedé Cospe Rima de 
“O Pagador de Promessas”, dirigido 
por Anselmo Duarte e baseado na obra
 homônima de Dias Gomes. Inspirou 
personagens do escritor Jorge Amado
 (A morte de Quincas Berro D´Água, Tereza Batista 
Cansada de Guerra e Pastores da Noite). 
Tudo reflexo do reconhecimento que conquistou, 
na vida do povo de sua terra.

Com base em um escândalo que explodiu 

em Salvador em 1956 
Cuíca anunciou em cordel: 

“A Bahia que era,/orgulho dos brasileiros
,/antigamente gabava,/por todos os estrangeiros,
/transformou-se por encanto,/
em antro de marreteiros./
Marreteiros granfinotes,/
os quais vivem engravatados,
na arte da roubalheira,/
já são eles inveterados,/
mas não pela polícia,/
dificilmente fechados./
Porque muitas vezes,/
são homens de posição,/
que dão bronca no comércio,/
depois ganham na questão,/
ainda chamam a polícia,/para a sua proteção”.

Quando os jornais esqueciam um escândalo 

Cuíca entrava em ação. E uma das
 suas formas de atuação era que ele
 recebia dinheiro para elogiar, 
recebiam daqueles que queriam
 ser poupados (não sofrer na língua do poeta),
 dos que queriam desmoralizar alguém ou dos 
leitores que compravam suas 
revistinhas para saber da vida alheia e dos
 últimos acontecimentos. Pescadores
 que chegavam nos saveiros à Rampa do
 Mercado, baianas, marinheiros, todos
 ficavam sabendo do que acontecia na cidade,
 no país e no mundo através dos
 versos de Cuíca.

Ele contava com detalhes o último crime

 sensacional, o aumento do preço da
 carne seca e da farinha, o incidente dos
 bêbados e a última façanha dos cangaceiros.
 Ele era bem informado dos acontecimentos, 
sobretudo aqueles abafados pela polícia, 
jornais e rádios. Cuíca contava com a ajuda de
 muitas pessoas que o procurava para 
fazer denúncias. Cuíca se considerava um defensor
 e porta-voz dos mais pobres e
 investia com toda rudeza contra os 
responsáveis pelos péssimos serviços 
prestados ao povo de Salvador,
 denunciado negociatas, cambalhachos, 
manobras altistas e câmbio 
negro de produtos alimentícios.

Cuíca nasceu em Salvador em 19 de março de 1907.

 Ele ia muito a cidade de Santo
 Amaro da Purificação namorar e tocar violão. 
Foi lá, inclusive, que conheceu a mulher,
 Maria do Carmo Sampaio. 
A intimidade com os versos começou 
com a profissão de propagandista. 
Ele anunciava em versos as mais 
diferentes atividades comerciais da cidade.
 Vestido de cartola e fraque, grita
va a quem passava pela Baixa dos Sapateiros 
uma grande liquidação ou um novo filme na 
cidade. Dessa forma, ele 
aprendeu com maestria a chamar a
 atenção do público.

O trovador morreu no dia 23 de janeiro de 1964,

 aos 56 anos. Por mais de
 20 anos foi o cronista de Salvador, 
autor de mais de 400 folhetos de cordel, 
até hoje ele é um tipo maldito, mas atual. 
Sua função social foi importante, 
mas ele teve suas próprias regras éticas.
 Quem melhor difundiu sua função
 social foi Jorge Amado: “Não pense o visitante que
 ele seja apenas um tipo de rua, 
figura popular e risível. É bem mais que isso. 
É a voz do povo trabalhando que, 
não encontrando ressonância nos poetas modernos,
 e tendo sede de poesia, cria
 seu bardo pobre e semi-analfabeto. Os poetas 
estão nos bares inventando sonetos
 de rimas milionárias ou quebrando a cabeça
 em ritmos novos para poemas exotéricos.
 Só Cuíca de Santo Amaro canta para o povo pobre.
 Quando o forasteiro passar por 
ele talvez a figura e a voz do trovador mereçam 
apenas um sorriso dos seus lábios 
civilizados. Mas, que importa? O povo não sorri 
do poeta. Ri e sofre com ele, combate 
e tem esperança!”.

posted by Gutemberg @ 6:08 AM   5 Comentários links to this post http://img2.blogblog.com/img/icon18_email.gif

5 Comentários:
At 12:24 PM, Anonymous Pedro Américo said...
Por mais que se exagere, é preciso falar 
a verdade. 
Cuíca era uma figura folclórica, e o seu 
valor reside nisso. 
Como cordelista, era um desastre. 
Ninguém conseguiu superá-lo 
em ruindade. Grandes poetas baianos foram
 Minelvino Francisco Silva, 
João Damasceno Nobre e Antônio Teodoro dos
 Santos. Cuíca, foi segundo
 Orígenes Lessa, "um versejador da pior qualidade".
 E pressa jornalística
  não pode servir de desculpa, não, pois Leandro Gomes de 
Barros, o primeiro poeta-reporter, escrevia com 
maestria em qualquer gênero.
At 6:58 PM, Blogger franklin said... 
CUICA DE SANTO AMARO REALMENTE
 É UMA FIGURA MUITO FESTEJADA
 E EMBLEMÁTICA 
DA CULTURA BAIANA, E É NATURAL, 
NESSAS CONDIÇÕES, 
QUE SE DIGA MAIS DO QUE SE FEZ POR 
MERECER; SEU VALOR 
PODE NÃO RESIDIR NOS VERSOS, MAS HÁ
 ALGO NA PESSOA DO
 POETA QUE INSPIRA UMA TOMADA
 DE ATITUDE; 
MUITO LOUVÁVEL
 O COMENTÁRIO DE PEDRO AMÉRICO;
 É PRECISO LUCIDEZ CRÍTICA
 AO OLHAR PARA AS PERSONAGENS 
DE NOSSA HISTÓRIA.
At 6:21 AM, Blogger Gutemberg said... 
Amigos,
Este e outros personagens baianos 

estão documentados nos meus livros 
Gente da Bahia. Vol. 1 e 2
At 2:13 PM, Anonymous José Vicente Lessa said...
Caro Gutemberg,
Coloquei no Google o nome de Cuíca de

 Santo Amaro para ver o que
 havia sobre o velho "poeta" baiano e me
 deparei com seu blog. É bom saber 
que você está na área. 
Como vai nossa "Coisa"? Ainda guardo 
aquele exemplar com
 a caricatura coletiva. Como vão o Nildão, 
o Lage, o Jorge e o Hamilton?
 Quanto a mim, achei que o cartunismo na
 Bahia não iria me render grande 
futuro. Por isto acabei embaixador do 
Brasil na Namíbia...

Grande abraço do Lessa!!
At 2:35 PM, Blogger Gutemberg said... 

Amigo Lessa, O tempo passou e nunca mais 
vi você rapaz. Saiu da Bahia? Escrevi há algum
 tempo sobre os quadrinhos na Bahia (nesse mesmo 
blog e falo de seu desenho, seu traço, sua criatividade)
 Nildão continua na ativa. Lage morreu
 mas está em nossos corações,
 Jorge Silva entrou no mundo da publicidade
 enquanto Hamilton ficoui na
 área do jornalismo. E você... Embaixador!
Isso é muito bom. Acreditar nos 

sonhos e partir pra luta, é isso!!

Boa sorte em sua trajetória.

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Quem sou eu

Nome: Gutemberg
Local: Salvador, Bahia
Jornalista profissional formado pela Escola de Biblioteconomia
 e Comunicação da UFBa em 1979. Registro Profissional DRT-BA 761. 
Atuou nos jornais Tribuna da Bahia, Diário de Notícias, Correio da Bahia,
 A Tarde e Bahia Hoje como repórter, redator e Editor de Cultura. Atuou
 ainda na Rádio Cruzeiro da Bahia (repórter), Instituto de Radiodifusão 
Educativa da Bahia (gerente de produção), TV Itapuã (produtor) e rádios
 Piatã e Bandeirantes (produtor de programas). Atualmente exerce a 
função de Coordenador de Comunicação na União dos Municípios 
da Bahia.

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