O LIVRO DO DESASSOSSEGO - Fragmentos do urbano/3
Fernando Pessoa (Composto por Bernardo Soares, ajudante de guarda-livros na cidade de Lisboa)
"Vai passar
nessa avenida um samba popular
cada paralelepípedo da velha cidade
essa noite vai se arrepiar
ao lembrar ..."
("Vai passar" - Chico Buarque)
Vicente D. Moreira
vicentedeocleciano@yahoo.com.br
Ainda sobre a solidão e o solitário, cabe repetir um trecho do livro:
"Quanto mais alto o homem de mais coisa tem que se privar. No píncaro não há lugar senão para o homem só. Quanto mais perfeito, mais completo; e quanto mais completo, menos outrem". (p. 162).
Nietzsche, Epicuro e Rilke estão presentes nesta trindade de pensamento.
Vivamos o invejável conforto psíquico de um solitário urbano percorre este depoimento ...
Vivamos o invejável conforto psíquico de um solitário urbano percorre este depoimento ...
"Amo, pelas tardes demoradas de verão, o sossego da cidade baixa, e sobretudo aquele sossego que o contraste acentua na parte que o dia mergulha em mais bulicío. A Rua do Arsenal, a Rua da Alfândega, o prolongamento das ruas tristes que se alastram para leste desde que da Alfândega cessa, toda a linha separada do cais quedos - tudo isso me conforta de tristeza, se me insiro, por essas tardes na solidão do seu conjunto. Vivo uma era anterior àquela em que vivo; gozo de sentir-me coevo de Cesário Verde, e tenho em mim, não outros versos como os dele, mas a substância igual à dos versos que foram dele. Por ali arrasto até haver noite, uma sensação de vida parecida com a dessas ruas. De dia elas são cheias de um bulício que não quer dizer nada; de noite são cheias de uma falta de bulício que não quer dizer nada" (p. 47-48)
Numa cidade, não há lugar mais solidão do que nas pedras das ruas de seu centro antigo.
Ruas e rugas querem dizer a mesma coisa: sulcos, valas. Nas rugas ou ruas do rosto está toda a solidão e toda a memória de uma pessoa. Nas rugas ou ruas antigas de uma ciddade ... aí vicejam a solidão e toda a memória ancestral de uma ciddade.
(O Largo do Pelourinho e sua pavimentação sempre solitária, não importa quantos milhares passem, sambem sambas imortais, joguem lixoou façam amor sobre seu dorso. As pedras "cabeça de nêgo" do Pelourinho estarão sempre solitárias e honrarão Nietzsche, Epicuro e Rilke. É o preço de serem memória.)
Parla Bernardo Soares!
"Depois que os últimos pingos da chuva começaram a tardar na queda dos telhados e pelo centro pedrado da rua o azul do céu começou a espelhar-se lentamente ..." (p. 64)
O telhado é considerado uma das fachadas de uma casa. Eu diria que a pavimentação é uma fachada da rua. Cidades europeias fazem todo o esforço possível para preservar o calçamento de seus centros antigos. No Brasil, afora casos como Lençóis (Bahia) e nas chamadas cidades históricas de Minas Gerais (Ouro Preto, Tiradentes ...) a pavimentação antiga é, de alguma modo, conservado. Nos demais exemplos, notadamente de capitais, paralelepípedos e pedras portuguesas têm sido sepultados por de, respectivamente, placas de cimento (e de mármore) e por camadas e camadas de massa asfáltica ... cedendo às vigorosas pressões de motoristas de veículos.
Em cidades como Paratí (Rio de Janeiro) é proibido a circulação de automóveis, caminhões para não danificar o calçamento antigo das ruas que, aliás, não foram projetadas para suportar veículos tão pesados.
Por outro lado, não há como negar que é difícil e não raras vezes oneroso a manutenção desses tipos antigos de pavimentação de calçadas e ruas. Sem falar que, no caso das calçadas para pedestres, é muito difícil encontrar calceteiros.
Há, em meio a milhares e milhões de dinheiros, de patrimônio e de vidas humanas e de outros animais, um preço a pagar quando chiuvas e tempestades inundam ruas e praças ... e os paralelepípedos já não podem fazer nada pelo escoamento das águas porque estão sepultados faz tempo.
"Cabeças de nêgo", paralelepípedos ... são testemunhos da passagem do tempo e da história.
Parla Chico Buarque!
http://www.youtube.com/watch?v=bjk0iIWqFzc
Numa cidade, não há lugar mais solidão do que nas pedras das ruas de seu centro antigo.
Ruas e rugas querem dizer a mesma coisa: sulcos, valas. Nas rugas ou ruas do rosto está toda a solidão e toda a memória de uma pessoa. Nas rugas ou ruas antigas de uma ciddade ... aí vicejam a solidão e toda a memória ancestral de uma ciddade.
(O Largo do Pelourinho e sua pavimentação sempre solitária, não importa quantos milhares passem, sambem sambas imortais, joguem lixoou façam amor sobre seu dorso. As pedras "cabeça de nêgo" do Pelourinho estarão sempre solitárias e honrarão Nietzsche, Epicuro e Rilke. É o preço de serem memória.)
No Pelourinho (foto) em Salvador - Bahia (Brasil) ou em Alcântara (Maranhão - Brasil) elas são popularmente chamadas "cabeças de nego".
Parla Bernardo Soares!
"Depois que os últimos pingos da chuva começaram a tardar na queda dos telhados e pelo centro pedrado da rua o azul do céu começou a espelhar-se lentamente ..." (p. 64)
O telhado é considerado uma das fachadas de uma casa. Eu diria que a pavimentação é uma fachada da rua. Cidades europeias fazem todo o esforço possível para preservar o calçamento de seus centros antigos. No Brasil, afora casos como Lençóis (Bahia) e nas chamadas cidades históricas de Minas Gerais (Ouro Preto, Tiradentes ...) a pavimentação antiga é, de alguma modo, conservado. Nos demais exemplos, notadamente de capitais, paralelepípedos e pedras portuguesas têm sido sepultados por de, respectivamente, placas de cimento (e de mármore) e por camadas e camadas de massa asfáltica ... cedendo às vigorosas pressões de motoristas de veículos.
Em cidades como Paratí (Rio de Janeiro) é proibido a circulação de automóveis, caminhões para não danificar o calçamento antigo das ruas que, aliás, não foram projetadas para suportar veículos tão pesados.
Por outro lado, não há como negar que é difícil e não raras vezes oneroso a manutenção desses tipos antigos de pavimentação de calçadas e ruas. Sem falar que, no caso das calçadas para pedestres, é muito difícil encontrar calceteiros.
Há, em meio a milhares e milhões de dinheiros, de patrimônio e de vidas humanas e de outros animais, um preço a pagar quando chiuvas e tempestades inundam ruas e praças ... e os paralelepípedos já não podem fazer nada pelo escoamento das águas porque estão sepultados faz tempo.
"Cabeças de nêgo", paralelepípedos ... são testemunhos da passagem do tempo e da história.
Parla Chico Buarque!
http://www.youtube.com/watch?v=bjk0iIWqFzc
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