sábado, 11 de fevereiro de 2012

CHALANAS E CANOAS BRASILEIRAS

CHALANAS DO PANTANAL BRASILEIRO







Almir Satter:


http://letras.terra.com.br/almir-sater/44076/






Sala das Canoas


Com quantos paus se faz uma canoa?

As canoas são embarcações monóxilas, ou seja, feitas
 a partir de um único tronco de madeira escavado. Junto
 com as balsas, são as mais antigas embarcações utilizada
s pelo homem. Intimamente relacionadas à invenção da 
navegação, existiram em todos os continentes e foram 
utilizadas por praticamente todos os povos primitivos. 
Aparentemente toscas, sobrevivem há milênios graças à
 facilidade construtiva e ao seu poder de se moldar
 às necessidades.

Hoje as canoas americanas (principalmente brasileiras),
 polinésias, africanas e asiáticas são as que mais se destacam.
 No Brasil, representam a adaptação de modelos de origem 
indígena ou de outros continentes, principalmente da África, 
adequados às necessidades de cada uma das baías, enseadas,
 praias, ilhas, estuários e cursos d’água do litoral e interior
 deste país continental.


Origem e construção


Para navegar, ou seja, atravessar uma superfície líquida 
sem se molhar, o homem pré-histórico provavelmente uniu 
vários pedaços de árvores, criando uma balsa. Depois, escavou 
um tronco, criando a canoa, primeiro barco verdadeiro. 
Dependendo do avanço tecnológico, das árvores disponíveis
 e das necessidades específicas, diferentes tipos de canoas foram 
sendo criados em todo o 
mundo.

O homem construiu as primeiras canoas escavando
 troncos grossos com o auxílio de fogo e machados de pedras
, em um penoso processo que trazia 
como recompensa sólidas embarcações. Onde a natureza 
proporcionava a ocorrência de grandes árvores dotadas 
de grossas cascas, o homem aprendeu, através do calor, a
 desprender a camada externa do caule, de modo a construir
 canoas como quem dobra uma folha de papel. Na Amazônia e nas
 florestas do Oriente, esta técnica até hoje é empregada.
Descobertos os metais, tornou-se muito mais fácil a escavação
 de toras de madeira. Tal evolução permitiu que o homem 
aperfeiçoasse suas ferramentas e trabalhasse a madeira de modo
 a obter peças com seções esbeltas, o que era impossível de ser 
feito com fogo e pedras. Surgiram as ripas e as tábuas e, com elas, 
o desmembramento dos barcos em estruturas autônomas, como 
as cavernas cobertas e os cascos.

Nesta nova configuração, os troncos reduziram-se às 
quilhas das modernas embarcações de madeira. Estavam 
criados os barcos propriamente ditos, dos quais derivam os 
modernos transatlânticos de aço, os imensos navios de 
transporte, de guerra ou de passageiros.

Canoas do São Francisco


No rio São Francisco, que atravessa Minas Gerais, Bahia,
 Pernambuco, Alagoas e Sergipe, ocorrem diversos tipos 
de canoas. Várias delas apresentam especificidades de
 casco e vela que as colocam entre as mais importantes 
do Brasil. Velas quadrangulares duplas ou mesmo triplas,
 dotadas de espichas, proporcionam a estes barcos muito
 leves ótima dirigibilidade e velocidade. 


Os cascos são esguios e muitos deles apresentam 
curiosa terminação na extremidade da proa. 
Próximo à foz, são chamadas de taparica, como a 
exposta aqui nesta sala. Derivam das canoas baianas,
 das quais herdaram o fundo chato, detalhes da posição
 e fixação dos bancos e o tosamento (recorte ou 
desbaste) do tronco.

Enormes canoas foram utilizadas para 
transporte de passageiros e produtos diversos 
ao longo do São Francisco. Para melhorar as condições
 de conforto de tripulantes e passageiros, muitas foram
 dotadas de uma espécie de cabine junto à proa das 
embarcações. Nasceram assim as canoas de tolda do
 rio São Francisco, das quais restam, ainda pouquíssimos 
exemplares, um deles exposto na Sala dos Barcos do Rio 
São Francisco, no Museu Nacional do Mar.

Chalana


Embarcação típica da região do Pantanal Matogrossense, 
a chalana resulta de uma mescla de influências indígena,
 africana e portuguesa. Tem proa e popa levemente alteadas,
 arrematadas em linhas retas, e apresenta um profundo recorte 
longitudinal da madeira nessas extremidades. Navega pelos rios,
 pelas lagoas e áreas alagadas da região entre Brasil e Bolívia, 
carregando um ou dois pescadores. Com a proibição da pesca do
 jacaré, que era fisgado com lanças, e o controle da captura de 
certos peixes, a chalana está desaparecendo da paisagem pantaneira.
 No seu lugar surgem barcos simplificados feitos de tábuas ou
 embarcações industriais de alumínio, ambos utilizados principalmente 
no transporte de turistas.

O Nome


Os primeiros europeus a ouvirem a denominação canoa foram os
 membros da expedição pioneira de Cristóvão Colombo, que descobriu
 a América em 1492. Os tripulantes da frota mais famosa da história,
 formada pelas naus Santa Maria, Pinta e Nina, teriam registrado o nome
 ouvido dos nativos do Novo Mundo. Os índios – assim apelidados, porque
 os espanhóis acreditavam ter chegado às Índias Orientais – chamavam 
de canoas suas embarcações esculpidas em um só pau.

O Almirante Antônio Alves Câmara, o primeiro estudioso a se interessar 
pelo fabuloso patrimônio naval dos rios, lagoas e mares do Brasil, escreveu 
no seu livro Ensaio sobre as Construções Navaes Indígenas do Brasil, de 1888, 
que a palavra tem origem americana, das caraíbas. Confirma que o nome foi
 citado por Colombo e os primeiros viajantes da América, e ensina que a palavra
 é semelhante na maioria das línguas: canoa em português, espanhol e italiano; canot em francês, canoe em inglês, kahn em alemão, kane em dinamarquês e kana em sueco.




Canoas baianas


O Almirante Alves Câmara considera as canoas baianas as 
“rainhas das canoas do Brasil”. A denominação não deixa de 
ser verdadeira. Derivadas de africanas, grandes troncos de mais 
de 11 metros, escavados com absoluta precisão, criam formas de 
extraordinária beleza estética, com fundos chatos e proas e popas
 lançadas bem avante do barco. No Recôncavo Baiano, estas 
maravilhosas embarcações são dotadas de grandes mastros e 
velas latinas (a mesma das caravelas) e de um tipo de bolina 
que foi muito utilizado pelos holandeses ao longo dos séculos 
XVII e XVIII. Tantos detalhes náuticos conferem às canoas
 baianas especiais condições de navegabilidade.

Este tipo de barco ocorre do sul da Bahia até Alagoas e seu 
desenho influencia todas as canoas nordestinas. Quase sempre 
é pintado segundo um modelo padronizado característico, onde 
prevalece o preto (muitas vezes piche) cobrindo o fundo, as
 extremidades e o centro da embarcação. As áreas restantes
 permanecem sem pintura, ou são coloridas de amarelo, vermelho,
 azul e verde. Entre o Recôncavo Baiano e a região do Morro de São 
Paulo estão os exemplares mais sofisticados deste tipo de canoa.
Canoas de borda lisa
Do Rio Grande do Sul ao Rio de Janeiro ocorrem várias canoas
 chamadas de borda lisa, isto é, resultantes apenas da escavação
 dos troncos e da fixação dos bancos. Apresentam mais semelhanças
 do que diferenças, estando estas no tosamento (recorte ou desbaste) 
da proa e da popa e nos “ganchos”, acréscimos que elevam as extremidades
 das canoas do Rio de Janeiro. É o caso da Max, exposta na sala Amyr Klink. 
A Ilha de Santa Catarina (SC), a Baía de Paranaguá (PR), a região da 
Juréia (SP) e a Baía da Ilha Grande (SP) são os principais pontos de 
ocorrência das canoas de borda lisa.

Encontro


O padre Leonardo Nunes, jesuíta que chegou ao Brasil com
 Tomé de Souza e Manoel da Nóbrega, relatou o encontro 
com os índios brasileiros em suas canoas, próximo ao porto
 de São Vicente: “Eram sete e cada uma tinha trinta ou quarenta
 remeiros, às quaes correm tanto que não há navio por ligeiro que
 seja que se tenha com elas...”. Frei Vicente do Salvador, frade 
franciscano que foi o autor da primeira História do Brasil, editada 
ainda no século XVII, afirmou que as embarcações usadas pelos
 índios naturais da terra “...são canoas de um pau só, que lavram 
a forro e ferro; e há paus tão grandes que ficam depois de cavadas
 com dez palmos de bocas de bordo a bordo, e tão compridas que
 remam a vinte remos por banda”.


Canoa na visão de Hans Staden

“Existe lá um tipo de árvore a que chamam de Igá-Ibira. 
As cascas dessa árvore desprendem-se de cima até embaixo 
num único pedaço, e, para tanto, eles erigem uma proteção
 especial em torno da árvore, de forma a que se desprenda 
inteira. Em seguida pegam a casca e levam-na da montanha 
até o mar. Aquecem-na com fogo e curvam-na para cima na 
frente e atrás, mas antes disso amarram no centro pedaços de
 madeira no sentido transversal, para que não se deforme. 
Assim fazem canoas onde até trinta deles podem ir à guerra. 
As cascas têm uma polegada de espessura, cerca de quatro pés 
de largura e quarenta de comprimento. Remam com essas canoas
 rapidamente e viajam até onde quiserem. Quando o mar está
 revolto, puxam as canoas para a praia até que o tempo volte
 a ficar bom. Não vão mais do que duas milhas mar adentro, 
mas viajam por longas distâncias ao longo da costa.”

Texto escrito em 1556 por Hans Staden, publicado no livro
 Portinari Devora Hans Staden, da Editora Terceiro Nome (1988).
 O alemão passou quase dez meses refém de índios no sul do Brasil,
 sob a ameaça constante de ser morto e devorado.

Chacreiras


As chacreiras chegam a ter mais de 12 metros de extensão
 e são dotadas de grandes porões onde as mercadorias eram
 transportadas nas lagoas do Rio Grande do Sul, em especial nas
 lagoas Mirim e dos Patos. Hoje estão, virtualmente extintas,
 reduzidas a pouquíssimos exemplares.

Depois de escavados, os grandes troncos, a partir
 dos quais se construíam as chacreiras, eram cortados e 
recebiam tábuas no centro e na borda. Isto ampliava em muito 
as dimensões do casco da embarcação. Construída a partir de
 um tronco de cedro, a Biondina, chacreira exposta no Museu 
Nacional do Mar, tem mais de 11 metros de comprimento e
 grande capacidade de carga.

Canoa bordada


Nas regiões Sul e Sudeste, centralizadas por Santa Catarina,
 ocorrem diversos tipos das belas canoas bordadas, assim
 chamadas porque, nas bordas dos troncos escavados 
adicionam-se, com grande maestria, tábuas que ampliam a 
borda livre e aumentam a força e velocidade dos remos. 
Estas canoas são pintadas com cores vivas e inserem-se 
entre as embarcações plasticamente mais expressivas do mundo.


Com algumas variações, ocorrem do Rio Grande do Sul até 
o Rio de Janeiro, mas praticamente deixaram de ser construídas,
 porque os órgãos ambientais proibiram a extração da madeira
 necessária à sua confecção. Com isso, corre-se o sério risco de
 se perder o “saber fazer” destas embarcações, conhecimento 
passado de pai para filho ao longo das gerações.

Pesca da Tainha

As tainhas são pescadas com redes de arrasto e
 tarrafas (redes individuais arremessadas com maestria 
por pescadores profissionais e amadores). No litoral catarinense, 
a pesca da tainha acontece no inverno, entre abril e junho, 
quando elas sobem o litoral em grandes cardumes, procurando os 
estuários para se reproduzir. Nessa época transformam-se em 
importante fonte de renda e alimento para as comunidades onde 
persiste a pesca artesanal, embora os cardumes estejam menores 
a cada ano, seja em função do crescente interesse da frota pesqueira
 industrial pela espécie, como pelo desconhecimento do ciclo de vida
 desses peixes.

Marambaias ou vigias

A pesca da tainha utilizando grandes redes de arrasto
 – os famosos arrastões – é uma das mais interessantes
 do Brasil. Nela o marambaia ou vigia, pescador que
 identifica a presença e os movimentos de grandes 
cardumes, desempenha papel vital. Com olhos treinados,
 avista as tainhas a distância e dá o sinal com o chapéu,
 um pano branco ou até no grito, para que seus companheiros 
efetuem o cerco. A partir daí, a luta é contra o tempo e a força do mar.

O barco, a famosa canoa bordada, tem de fazer uma meia-lua
 para cercar o cardume. Os remadores e os lançadores da rede
 precisam ser rápidos, sem perder o rumo, nem deixar enrolar a 
rede. Feito o cerco, é hora de puxar a rede cheia de tainhas 
até a areia. No início do inverno, é possível acompanhar
 diariamente o espetáculo da pesca de arrastão na beira de 
diversas praias ao sul do Brasil, principalmente em Santa Catarina.

As tainhas

Esses peixes muito apreciados são, no entanto,
 pouco conhecidos. As tainhas (Mugil brasiliensis)
 vivem em costões rochosos, praias e manguezais em 
toda a região litorânea do Brasil e podem chegar a um 
metro de comprimento e pesar seis quilos. A fase conhecida 
das suas vidas é aquela da migração, que começa em março e
 pode se estender até agosto, quando buscam os estuários
 para se reproduzir. Desovam em rios e lagoas, próximas à costa, e 
podem viver nesses ambientes até alcançarem 30 centímetros. 
Reúnem-se em cardumes e seguem para o mar aberto, onde 
passam a viver, no fundo dos oceanos, a fase de suas vidas
 ainda pouco conhecida pelos homens.

Variedade


De uma maneira geral, pode-se afirmar que as canoas 
do interior do país guardaram mais as suas origens
 indígenas no formato dos cascos, nos remos, na ausência
 de velas e na falta de pinturas vivas. No litoral, de onde 
os índios foram quase que totalmente expulsos ainda no 
século XVI, prevaleceram modelos africanos, europeus ou
 asiáticos. Das praias do sul até as do norte, existem diversas 
variedades, como as canoas bordadas e as de borda lisa do 
sul/sudeste, as chacreiras do Rio Grande do Sul, a canoa baiana
, considerada a “rainha das canoas brasileiras” pelo almirante
 Antônio Alves Câmara, as canoas costeiras e as montarias do
 Maranhão.

Também no interior do Brasil é grande a variedade.
 Na Amazônia, destaque para as canoas indígenas construídas 
com cascas de árvores ou escavadas em troncos, estas,
 apresentadas na Sala da Amazônia, aqui no Museu Nacional 
do Mar. No Pantanal, as famosas chalanas são parte do 
cotidiano de milhares de pessoas. As do rio São Francisco,
 coloridas e velozes, estão entre as mais conhecidas do Brasil. 
Elas são apresentadas na Sala do rio São Francisco, espaço 
específico para estas canoas singulares.

Maior diversidade de canoas está no Brasil

Já utilizadas pelos indígenas no litoral, na Amazônia, 
no Pantanal e nos rios do interior brasileiro, muito
 antes do Descobrimento, as canoas brasileiras 
receberam novas influências e detalhes com a
 chegada dos portugueses e depois dos escravos 
africanos. As anteriores a 1500 eram impulsionadas
 por varejões e remos, já que as velas e os mastros 
foram as primeiras adaptações importantes nas canoa
s brasileiras, trazendo os lemes e as bolinas em muitas 
delas, como conseqüência.

Muitas adequações aconteceram ao
 longo dos tempos, em função de condições diferentes
 de mar, ventos, pesca, madeiras e cargas transportadas.
 Assim surgiu uma enorme variedade deste tipo de 
embarcação ainda encontrada em todo o Brasil. 


Podemos resumir essa diversidade em quatro 
famílias principais: canoas do litoral sul/sudeste, 
do nordeste, do norte e do interior, estas representadas 
principalmente pelos barcos da Amazônia e do Pantanal.
O Brasil é o país com a maior variedade de canoas do mundo. 
Algumas das mais belas, imponentes e sofisticadas canoas 
do planeta são brasileiras. Muitas das canoas brasileiras 
ainda navegam a remo e a vela, mas uma grande parcela, 
de todos os tipos e dimensões, tem recebido motores, inclusive
 de popa. Em quase todas as regiões, as canoas tradicionais vêm 
sendo substituídas por barcos de alumínio ou fibra, perdendo-se 
assim técnicas e conhecimentos milenares, sintetizados em cada
 um dos barcos tradicionais, todos atualmente ameaçados de extinção.

Canoa do Alagoas

Nas lagoas que dão nome ao estado de
 Alagoas ainda existem exemplares de 
canoas específicas daquele complexo lagunar. Derivam, 
como todas as canoas do nordeste, das canoas baianas, 
com boa dosagem das do rio São Francisco. Como atuam
 em águas protegidas, são mais leves e delicadas. 


Sua principal característica é o profundo tosamento
 (recorte ou desbaste) longitudinal, que lhe confere uma
 forma suave e esguia. O fundo é chato e, a proa e a popa, 
bastante alteadas. A proa, trabalhada como a da canoa 
do rio São Francisco, sempre apresenta prolongamento 
curto e formato rústico.



A coleção de canoas do Museu Nacional do Mar está 
em exposição em outros espaços do museu, como a
 Sala Amyr Klink, Sala da Amazônia, Sala da Bahia 
Sala do Rio São Francisco.





Um comentário: