domingo, 29 de janeiro de 2012

GARCIA MARQUEZ - "OS FUNERAIS DA MAMÃE GRANDE" (2)

GARCIA MARQUEZ

2012 - 60 ANOS DA PUBLICAÇÃO DE
 "OS FUNERAIS DA MAMÃE GRANDE"
(2)

GARCIA MARQUEZ, Gabriel - Nesta terra não há ladrões.  Os funerais da Mamãe GrandeTrad. de Édson  Braga. Ilustrações de Carybé. 3ª ed. Rio de Janeiro, José  Olympio, 1975. pp 31-70.

Comentando o conto "NESTA TERRA NÃO HÁ LADRÕES" 


Vicente D. Moreira


Mantemos fidelidade ao partido metodológico adotado na postagem anterior desta série (22 de janeiro). Assim sendo, nos   interessa destacar o que há de urbanidade, de problemas urbanos, nos contos (desta obra de GARCIA MARQUEZ) que selecionamos para comentar.

"Nesta terra não há ladrões" expõe a trajetória de Dámaso decide  viver e  se sustenta (mal) e à mulher, Ana, gravidez avançada, roubando num povoado  e vendendo noutro os frutos de sua atividade delituosa. Rouba, do salão de bilhar três bolas - duas  brancas e uma vermelha e 25 centavos que estavam  dentro de uma gaveta.

O roubo é descoberto, os jogadores se entristecem. Luto. Um negro é preso e espancado sob a acusação, sem provas, claro!,  de ter roubado não só as três bolas mas também uma quantia de 200 pesos.




Em minhas andanças pelo interior do Brasil e, mesmo não sendo  domingo, naquele momento  da minha passagem ou hospedagem, eu me perguntava o que as pessoas faziam nos fins de semana (notadamente aos  domingos à tarde) daquela cidadezinha resumida numa praça vigiada por uma igreja. Para além  da inanição diante de u m aparelho de TV  ... cúmplice da falta-do-que-mostrar/falta-do-que-ver dos domingos televisivos brasileiros.

Quantas vezes em quantas e tantas cidades,  eu ficava sentado, cadeira na calçada da pensão ou do hotel, observando  moças a rodopiar em pequenos grupos na pracinha (pracinha mesmo !!!)  principal e, às vezes única, solo,  daquela cidade.  Rapazes, igualmente em grupos, localizavam—se estrategicamente para dizer coisas às mocinhas que, depois do dito, sorriam sorrisos falsamente tímidos. Até que o sono me dominava e eu me recolhia ao leito, pensando em seguir viagem na manhã seguinte.

O que cidadezinhas como aquelas teriam a oferecer, a velhos e moços, além dos poucos metros quadrados de uma pracinha ou de uma sala onde imperava o aparelho de TV?  O rádio de pilha, o dominó, o baralho talvez e ...  para poucos e teimosos idosos.

Conheci, neste mais que imenso Brasil, pequenas cidades em que  às 10 da noite o “motor desligava” e tudo mergulhava num breu comparável, em termos de energia e de energia elétrica,  às trevas que Deus encontrou e enfrentou com o Seu “faça-se a luz” na criação do Mundo.

Talvez eu olhasse tudo aquilo com os olhos de homem eternamente despatriado  já que, como Pessoa, minha pátria era o lugar onde eu não estava.

Corrija-me o leitor desta obra de  Garcia Marquez, mais atento e menos cansado do  que eu. “Cansado de que? -  Cansado” ...  eis novamente Pessoa. Corrija-me e advirta-me, pois, nobre leitor ... mas o povoado (sim, povoado!) oferece os seguintes meios de diversão e lazer: o bilhar exclusivamente  para homens; a máquina musical dependente de moedas; o cinema ;  o salão de danças e suas mulheres francamente disponíveis às demandas masculinas. Mas,  o enredo privilegia o bilhar. Tanto que, quando as bolas são roubadas por Dámaso, a mesa e a respectiva diversão masculina (o bilhar)  coe adornada como se estivesse – e estava! – de luto:

A mesa  de bilhar tinha sido coberta por um pano arroxeado que emprestou ao estabelecimento um caráter funerário. Puseram um letreiro na parede: “Não há serviço por falta de bolas”. As pessoas entravam para ler o letreiro como se fosse uma novidade. Alguns permaneciam um longo momento diante dele, relendo-o com uma devoção indecifrável. (GARCIA MARQUEZ, Op. Cit., p. 44)




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