domingo, 22 de janeiro de 2012

GARCIA MARQUEZ - "OS FUNERAIS DA MAMÃE GRANDE" (1)

GARCIA MARQUEZ

2012 - 60 ANOS DA PUBLICAÇÃO DE
 "OS FUNERAIS DA MAMÃE GRANDE"
(1)
GARCIA MARQUEZ, Gabriel - A sesta da terça feira.  Os funerais da Mamãe GrandeTrad. de Édson  Braga. Ilustrações de Carybé. 3ª ed. Rio de Janeiro, José  Olympio, 1975. pp 9-20.

Comentando o conto "A SESTA DA TERÇA-FEIRA" 


Vicente D. Moreira

O vagão de terceira  classe econômica de um velho e mal conservado trem conduz uma senhora e sua jovem filha, “luto rigoroso e pobre” ... “e a serenidade escrupulosa da gente acostumada à pobreza”. Levavam uma sacola de plástico com comida e um ramo de flores embrulhado num papel jornal (– lembram de “Cem anos de solidão”?). Viajavam (a menina pela primeira vez)  a um povoado onde irão visitar o túmulo do filho (e irmão) assassinado por uma viúva solitária quando ele lhe tentava roubar a casa.

Desde o começo, o conto faz diversas referências diríamos ambientais aos povoados que 'passam' à proporção em que o trem se afasta do litoral ... “... e o ar se fez úmido e não se voltou a sentir a brisa do mar.” ... e cada vez mais se interiorizava povoado a povoado. E sofria os rigores do calor. Estações despovoadas, sítios urbanos quentes - quase às labaredas - e, quase todos,  desabitados. Silêncio, calor, odores mil ... até a chegada ao povoado de destino quase às  duas da tarde quando os moradores faziam a sesta. Era uma terça-feira. Tudo também dormia: armazens, repartições públicas, escola ... somente o hotel e o escritório de telégrafo estavam acordados, insones  infiéis à velha tradição hispânica da sesta.

Os povoados por onde o trem passa parecem cobertos de muita poeira, pouco verde e de um desalento sem fim; a ponto de o silêncio e a paralisação generalizada, próprios da hora da sesta, não ajudarem a distinguir povoados abandonados de povoados habitados.  

Abrigando-se nos ‘oásis’ formados pelas sombras das amendoeiras, as viajantes chegam à  casa do padre. Sucedem-se espantos e surpresas exibidos pelo sacerdote ...  até que elas conseguem a chave do cemitério.

Universos urbanos da latinoamérica e, em particular, do nordeste brasileiro, e também a fictícia Macondo são realidades massacradas pela miséria, pelas religiosidades distantes e estranhas ao fausto e às púrpuras lá do Vaticano. O sol inclemente que seca plantações, couros e desidrata  sonhos humanos. Tudo, neste conto de Garcia Marquez nos faz lembrar sua obra/Prêmio Nobel “Cem Anos de Solidão”. E a obra prima de Luiz Gonzaga “Asa Branca”; senão cantemos e oremos:


Quando "oiei" a terra ardendo
Qual a fogueira de São João
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Eu perguntei a Deus do céu, ai
Por que tamanha judiação
Que braseiro, que fornaia
Nem um pé de "prantação"
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Por farta d'água perdi meu gado
Morreu de sede meu alazão
Inté mesmo a asa branca
Bateu asas do sertão
"Intonce" eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
"Intonce" eu disse, adeus Rosinha
Guarda contigo meu coração
Hoje longe, muitas légua
Numa triste solidão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Espero a chuva cair de novo
Pra mim vortar pro meu sertão
Quando o verde dos teus "óio"
Se "espaiar" na prantação
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração
Eu te asseguro não chore não, viu
Que eu vortarei, viu
Meu coração

A tradição manda despertar por volta das 4 da tarde da sesta, começada próximo às  14 horas.  GARCIA MARQUEZ revela a prima autoria da prima informação sobre a missão  das duas ‘estrangeiras’; Quem ler saberá. Informação da maior importância que se espalha, como uma epidemia, no povoado: visitar o túmulo do filho (assassinado) da mulher e do irmão da menina (sua filha) que a acompanha.  

A posse dessa informação tem o poder de violar essa tradição da sesta. Antes das quatro, o povoado desperta para ver passar a mulher e a criança rumo ao cemitério. Foram vãs as palavras do o padre e de sua irmã utilizadas para dissuadir as visitas de se exporem  à curiosidade dos moradores. Expuseram-se porque se quiseram expor aos olhos dos moradores recém despertos da sesta. "Paris valia bem uma missa!"

E assim, a característica dos núcleos urbanos pequenos  de todos saberem tudo de todos fica respeitada, mesmo a custo de uma tradição violada. Mera curiosidade? Mera solidarieddade ... ante o insolúvel da morte? Valeu a pena sacrificar a sesta ...  rasgar uma tradição?

“Tudo vale a pena quando a alma não é pequena” , finalizaria Fernando Pessoa.
























Nenhum comentário:

Postar um comentário