sexta-feira, 9 de março de 2012

LUIZ GONZAGA 100 ANOS - MATOS/ 'TRISTE PARTIDA' (1)



AS REPRESENTAÇÕES DO NORDESTE EM “A TRISTE PARTIDA” DE LUIZ GONZAGA

THE REPRESENTATIONS NORTHEAST IN “THE SAD DEPARTURE” OF LUIZ GONZAGA

Marcos Paulo Santa Rosa Matos

Resumo: o presente artigo se propõe a analisar a canção “A triste partida”, de Luiz Gonzaga do Nascimento, sob o prisma da representação ideológica do Nordeste Brasileiro, procurando mostrar a via discursiva de afirmação e apologia da identidade nordestina por meio da análise linguístico-literária e do estruturalismo antropológico.

Palavras-chave: Nordeste; Luiz Gonzaga; Identidade.

Abstract: This article aims to analyze the song “The sad departur” of Luiz Gonzaga do Nascimento through the prism of ideological representation of the Brazilian Northeast, trying to show the discursive path of affirmation and praise of the identity of the Northeast through the analysis linguistic-literary and anthropological structuralism.

Keywords: Northeast; Luiz Gonzaga; Identity.

1. INTRODUÇÃO

Objetivamos, neste trabalho, mostrar como os elementos discursivos da representação simbólica do Nordeste, na obra  A triste partida, de Luiz Gonzaga, torna-se uma metanarrativa e uma apologia da identidade nordestina. Ou seja, buscamos esclarecer de que modo Luiz Gonzaga, como representante e defensor do Nordeste, procura, na obra analisada, por um jogo de simbolizações, estabelecer a imagem de um Nordeste uno e ideal, motivo de orgulho e de engajamento histórico para os sujeitos que dele fazem parte.

Para tanto, inicialmente, procederemos à contextualização do autor e de sua obra, como justificativa histórica da nordestinidade por ele assumida e defendida, e, em seguida, faremos uma análise linguístico-literária e cultural-ideológica dos  discursostextualizados na canção analisada. Antes, porém, faz-se necessária uma ressalva: embora A triste partida não tenha
sido composta por Luiz Gonzaga, mas por Patativa do Assaré, a versão musicada e 20cantada pelo primeiro possui alterações profundas, com significativas consequências ideológicas, em relação à versão original#. Quanto às razões dessas alterações, foram propostas duas hipóteses:

Uma hipótese é de que o sanfoneiro tenha suavizado o sotaque nordestino e apelado para formas mais próximas da língua geral do país, como uma maneira de romper com um regionalismo mais acentuado de Patativa. Outra é de que, para ajustar ao compasso do ritmo musical e ao seu estilo, tivesse Luiz Gonzaga que modificar alguns versos. Encontram-se, de fato, no texto, elementos que fundamentam uma e outra hipótese (GUERRA, 2002, p. 2). Independentemente da validade dessas interpretações, a adoção da  versão gonzaguense como objeto da análise aqui empreendida, em detrimento da versão patativana, é justificada em virtude do sucesso musical, da importância histórica e da popularidade alcançados a partir da vida e da trajetória artística de Luiz Gonzaga. Inobstante, dada a relação umbilical entre elas, o texto original será oportunamente resgatado ao longo deste trabalho, como fonte elucidativa do percurso históricodiscursivo trilhado pelo Rei do Baião.

2 “A TRISTE PARTIDA” E O LEGADO GONZAGUENSE


A obra de Luiz Gonzaga do Nascimento, o “Rei do Baião”, é emblemática no que diz respeito à identidade nordestina. Ele é o grande nome da música popular dessa região, pois representa e encarna aquilo que o povo nordestino sente e declara como subcultura, seu modo de vida, suas experiências existenciais, sua luta constante contra a fome, a seca e a opressão.


Em suas canções, Luiz Gonzaga procurava imitar a língua do povo, de seu povo, para melhor poder lhe falar, bem como realizar uma anamnese de suas origens e do universo que ele ajudou a consagrar como uma fonte de poesia, beleza, luta, coragem e resistência.


Gonzaga cantou o sertão não apenas enquanto temática, mas como linguagem. Ele incorporou e encarnou o homem nordestino, com suas vestimentas, seus valores, seus sonhos e, sobretudo, sua forma de expressar-se, fazendo disso cartão de visita eemblema de sua obra artística.

A REPRESENTAÇÃO DO NORDESTE EM “A TRISTE PARTIDA” DE LUIZ GONZAGA


O alcance de sua produção, mais do que sua pessoa, faz daquilo que ele entoou verdadeiro catecismo do modus essendi do Nordeste do Brasil. Elba Ramalho, numa das canções que interpreta, fazendo uma apologia à “pátria nordestina”, afirma que uma de suas músicas seria o Hino Nacional:


 Já que existe no sul esse conceito / Que o nordeste é ruim, seco e ingrato / Já que existe a separação de fato / É preciso torná-la de direito / Quando um dia qualquer isso for feito / Todos dois vão lucrar imensamente / Começando uma vida diferente De que a gente até hoje tem vivido / Imagina o Brasil ser dividido / E o nordeste ficar independente / [...] / O idioma ia ser nordestinense / A bandeira de renda cearense / “Asa Branca” era o hino nacional [...]#


A canção Asa Branca possui um destaque especial porque, de autoria da dupla Luiz Gonzaga e Humberto Teixeira, composta em 3 de março de 1947, foi cantada pelo próprio Luiz Gonzaga e, posteriormente, por vários artistas, como Lulu Santos, Fagner, Caetano Veloso, Elis Regina, Eduardo Araújo, Agnaldo Rayol, Paulo Diniz, Tom Zé, Chitãozinho e Xororó e Ney Matogrosso, Badi Assad, Maria Bethânia, Gilberto Gil, Luiz Bordon, Demis Roussos e Raul Seixas#, entre outros. 


Essa música foi eleita pela Academia Brasileira de Letras em 1997 como a segunda canção brasileira mais marcante  do século XX, estando empatada com  Carinhoso, o choro que Pixinguinha compôs em 1917, e antecedida apenas de Aquarela do Brasil, composta por Ari Barroso em 1939.


A perfeição estética e a popularidade de Asa Branca, que vendeu um milhão de  cópias logo nos primeiros anos de sua gravação, são incontestes e, ainda hoje, estão vivas na memória cultural do povo brasileiro. Ela é, incomparavelmente, a canção histórica e culturalmente mais representativa do Nordeste brasileiro e da trajetória artística de Luiz Gonzaga. É idiossincrático nesse cantor/autor que ele não apenas interpretou artisticamente o universo cultural nordestino, uma vez que muitos outros o fizeram, mas também que assumiu a linguagem estigmatizada do nordestino, transformando o estereótipo em emblema, em bandeira de identidade, orgulho de ser nordestino e de falar “nordestinês”.


É a partir dessa constatação que surge o problema aqui abordado: como Luiz transformou o ato de cantar o Nordeste no ato de defini-lo e defendê-lo? Para investigar as respostas a essa questão, escolhemos analisar a canção A triste partida, que apresenta MATOS, Marcos P. S. Rosamotivações de ordem afetiva, encontradas no próprio Luiz, ao afirmar ser essa sua
canção preferida (PIMENTEL, 2007, p. 22).


A triste partida apareceu pela primeira vez em um disco de mesmo nome, em 1964,

[...] uma época não muito boa para Gonzaga, uma vez que, com o surgimento da Bossa Nova e depois da Jovem Guarda, as emissoras de rádio das capitais e das grandes cidades brasileiras deixaram de tocar as suas músicas. Até nas grandes cidades nordestinas como Caruaru, Campina Grande e Feira de Santana, Luiz só era tocado em programas regionais que buscavam a
audiência do homem do campo. Luiz Gonzaga andava muito triste e achava que tinha chegado o momento de encerrar a carreira. A capa desse disco é emblemática, pois só traz a sua sanfona branca e um chapéu de couro. Ele, que sempre aparecia nas alegres capas de seus discos, desta vez ficou ausente. Mais ou menos um ano antes, passeando pela feira de Campina Grande, viu um violeiro cantando uma toada, que é o lamento sertanejo em forma de gênero musical. Aproximou-se e perguntou: “Essa música é sua?”. Ouviu o seguinte: “Não, senhor, é do poeta Patativa do Assaré, lá do Ceará”. Patativa que, se vivo fosse, teria completado cem anos em março de 2009.


Gonzaga sabia onde encontrar Patativa e assim, depois de duas semanas, lá na feira do Crato, conversou com o poeta. [...]
Luiz sabia da força daquela música e resolveu incluí-la no seu próximo LP, o qual pensava ser de despedida, dando somente os devidos créditos ao seu autor, poeta de primeiríssima qualidade. E a esta música foram se juntando outras jóias do cancioneiro nordestino (ABÍLIO NETO, 2009) Patativa do Assaré, por sua vez, teria composto essa canção  – na verdade, um poema – durante suas atividades costumeiras de trabalhador rural, assim como muitos de seus outros textos. O próprio autor afirma: “Passei o dia trabalhando e pensando e deixando retido na memória. No outro dia, quando eu voltei à roça, eu terminei.


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(continua segunda-feira, dia 12 de março/20120

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