domingo, 11 de março de 2012

EMCONTOS ESPECIAL - PATATIVA DO ASSARÉ



EMCONTO COM AS CIDADES


POSTAGENS DOMINICAIS DE CONTOS QUE EXIBAM ALGUM DESTAQUE  À CIDADE

ESPECIAL  PATATIVA DO ASSARÉ



PATATIVA DO ASSARÉ


[fonte - http://pensador.uol.com.br/autor/patativa_do_assare/]

Antônio Gonçalves da Silva, mais conhecido como Patativa do Assaré, foi um poeta, compositor e improvisador brasileiro. É considerado um dos mais importantes representantes da cultura popular nordestina.

PENSAMENTOS

Eu sou de uma terra que o povo padece
Mas não esmorece e procura vencer.
Da terra querida, que a linda cabocla
De riso na boca zomba no sofrer
Não nego meu sangue, não nego meu nome
Olho para a fome, pergunto o que há?
Eu sou brasileiro, filho do Nordeste,
Sou cabra da Peste, sou do Ceará.

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Sertão, argúem te cantô,
Eu sempre tenho cantado
E ainda cantando tô,
Pruquê, meu torrão amado,
Munto te prezo, te quero
E vejo qui os teus mistéro
Ninguém sabe decifrá.
A tua beleza é tanta,
Qui o poeta canta, canta,
E inda fica o qui cantá.

(De EU E O SERTÃO - Cante lá que eu canto Cá - Filosofia de um trovador nordestino - Ed.Vozes, Petrópolis, 1992

         

CANTE LÁ QUE EU CANTO CÁ


Poeta, cantô da rua,


Que na cidade nasceu,


Cante a cidade que é sua,


Que eu canto o sertão que é meu.


Se aí você teve estudo,


Aqui, Deus me ensinou tudo,


Sem de livro precisa


Por favô, não mêxa aqui,


Que eu também não mexo aí,


Cante lá, que eu canto cá.


Você teve inducação,


Aprendeu munta ciença,


Mas das coisa do sertão


Não tem boa esperiença.


Nunca fez uma boa paioça,


Nunca trabaiou na roça,


Não pode conhece bem,


Pois nesta penosa vida,


Só quem provou da comida


Sabe o gosto que ela tem.


Pra gente cantá o sertão,


Precisa nele mora,


Te armoço de fejão


E a janta de mucunzá,

Vive pobre, sem dinhêro,



Trabaiando o dia intero,
Socado dentro do mato,
De apragata currelepe,



Pisando inriba do estrepe,
Brocando a unha-de-gato.
Você é munto ditoso,
Sabe lê, sabe escreve,
Pois vá cantando o seu gozo,



Que eu canto meu padece.
Inquanto a felicidade
Você canta na cidade,
Cá no sertão eu infrento
A fome, a dô e a misera.

Pra sê poeta divera,
Precisa tê sofrimento.
Sua rima, inda que seja
Bordada de prata e de oro,

Para a gente sertaneja
É perdido este tesôro.
Com o seu verso bem feito,
Não canta o sertão dereito
Porque você não conhece
Nossa vida aperreada.
E a dô só é bem cantada,
Cantada por quem padece.

Só canta o sertão dereito,
Com tudo quanto ele tem,
Quem sempre correu estreito,
Sem proteção de ninguém,
Coberto de precisão
Suportando a privação
Com paciença de Jó,
Puxando o cabo da inxada,
Na quebrada e na chapada,

Moiadinho de suó.
Amigo, não tenha quêxa,
Veja que eu tenho razão
Em lhe dize que não mexa
Nas coisa do meu sertão.
Pois, se não sabe o colega
De quá manêra se pega
Num ferro pra trabaiá,
Por favô, não mexa aqui,
Que eu também não mexo aí,

Cante lá que eu canto cá.
Repare que a minha vida
É deferente da sua.
A sua rima pulida
Nasceu no salão da rua.
Já eu sou bem deferente,
Meu verso é como a simente
Que nasce inriba do chão;
Não tenho estudo nem arte,
A minha rima faz parte
Das obra da criação.
Mas porém, eu não invejo
O grande tesôro seu,
Os livro do seu colejo,
Onde você aprendeu.
Pra gente aqui sê poeta
E fazê rima compreta,
Não precisa professô;
Basta vê no mês de maio,
Um poema em cada gaio
E um verso em cada fulô
Seu verso é uma mistura
É um ta sarapaté,
Que quem tem pôca leitura,
Lê, mais não sabe o que é.
Tem tanta coisa incantada,
Tanta deusa, tanta fada,
Tanto mistéro e condão
E ôtros negoço impossive.
Eu canto as coisa visive
Do meu querido sertão.
Canto as fulô e os abróio
Com toda coisas daqui:
Pra toda parte que eu óio
Vejo um verso se buli.
Se as vez andando no vale

Atrás de cura meus males
Quero repará pra serra,
Assim que eu óio pra cima,

Vejo um diluve de rima
Caindo inriba da terra.

Mas tudo é rima rastêra
De fruita de jatobá,
De fôia de gamelêra
E fulô de trapiá,
De canto de passarinho
E da poêra do caminho,

Quando a ventania vem,


Pois você já tá ciente:


Nossa vida é deferente


E nosso verso também.


Repare que deferença


Iziste na vida nossa:


Inquanto eu tô na sentença,


Trabaiando em minha roça


Você lá no seu descanso,


Fuma o seu cigarro manso,


Bem perfumado e sadio;


Já eu, aqui tive a sorte


De fumá cigarro forte


Feito de paia de mio.


Você, vaidoso e facêro,


Toda vez que qué fumá,


Tira do bôrso um isquêro


Do mais bonito meta.


Eu que não posso com isso,


Puxo por meu artifiço


Arranjado por aqui,


Feito de chifre de gado,


Cheio de argodão queimado,


Boa pedra e bom fuzí.


Sua vida é divertida


E a minha é grande pena.


Só numa parte de vida


Nóis dois samo bem iguá


É no dereito sagrado,


Por Jesus abençoado


Pra consolá nosso pranto,


Conheço e não me confundo


Da coisa mio do mundo


Nóis goza do mesmo tanto.


Eu não posso lhe inveja


Nem você invejá eu


O que Deus lhe deu por lá,


Aqui Deus também me deu.


Pois minha boa muié,


Me estima com munta fé,


Me abraça, beja e qué bem


E ninguém pode negá


Que das coisa naturá


Tem ela o que a sua tem.


Aqui findo esta verdade.


Toda cheia de razão:


Fique na sua cidade


Que eu fico no meu sertão.


Já lhe mostrei um ispeio,


Já lhe dei grande conseio


Que você deve toma.


Por favô, não mêxa aqui,


Que eu também não mexo aí,


Cante lá que eu canto cá.

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