[fonte – jornal Folha de São Paulo. São Paulo (SP – Brasil), 22 de março de 2012, p. C9]
CIDADE GRANDE PODE TER DE RACIONAR, DIZ ESPECIALISTA
Engenheiro da USP mobiliza governos sobre escassez de água.
Para Benedito Braga, o problema é que grandes centros urbanos estão longe das bacias com mais água doce no país.
SABINE RIGHETTI
ENVIADA ESPECIAL A MARSELHA
Um dos principais especialistas em água, o engenheiro ambiental da USP Benedito Braga faz trabalho de mobilização internacional para chamar a atenção sobre o problema da escassez do recurso.
Braga coordenou o Fórum Mundial da Água, evento internacional que reuniu na semana passada cerca de 20 mil pessoas de 180 países em Marselha, na França. O Brasil levou a maior delegação: 250 pessoas. Mas isso não significa que as discussões por aqui estejam mais adiantadas do que nas outras partes do mundo. Apesar de o Brasil ter 12% da água doce mundial, 70% dos recursos hídricos ficam na bacia Amazônica. Ou seja: a água está bem longe dos grandes centros urbanos. E isso é um grande problema. "Se não fizermos obras agora, teremos racionamento em 50% das cidades brasileiras em dez anos", afirma.
Leia, abaixo, trechos da entrevista exclusiva concedida durante o evento que a Folha acompanhou na França.
Folha - A atividade agropecuária consome hoje cerca de 80% da água doce do país. O setor agrícola é um vilão?
Benedito Braga - É claro que não. Hoje nós usamos cerca de 10% do nosso potencial de irrigação. Podemos usar muito mais. Mas é claro que a agricultura é um debate forte hoje nas questões sobre água. O Qatar, por exemplo, está dessalinizando água do mar para usar na produção de alimentos. É uma questão de autonomia do país.
O Brasil tem água e tem condições para produzir mais alimentos. Achar que a agricultura é o problema da falta de água é um equívoco.
Qual é o problema da água no Brasil que faz com que corramos risco de racionamento?
O Brasil é o maior país de água doce do mundo. Mas 70% dos nossos recursos hídricos estão na Amazônia, onde está 7% da população. Por outro lado, 30% da população está no Nordeste, onde há a menor concentração de recursos hídricos do país.
A água está onde não há demanda. Quando falamos em racionamento, falamos em água potável, que foi extraída do rio, foi tratada e que chega à casa das pessoas.
Como São Paulo cresceu de forma desordenada, metade da água de São Paulo vem de fora do Tietê. Mas o esgoto da cidade é tratado e jogado no rio Tietê. Ou seja: metade da água que usamos em São Paulo pegamos de fora e jogamos no Tietê. A capacidade natural do rio não aguenta.
Esse problema tem solução?
Não. Estamos tentando fazer com que o nível do oxigênio do Tietê consiga chegar perto de zero. Não teremos peixe, mas pelo menos conseguiremos reduzir o mau-cheiro resultante da decomposição de material orgânico. Ver peixe no Tietê é uma ilusão. A única solução seria uma completa mudança de percepção das pessoas sobre São Paulo. Se a população perceber que São Paulo está muito cheia, tem índices de criminalidade altos e decidir sair da cidade, pode ser que o problema se resolva.
Se isso não acontecer, e considerando o crescimento vegetativo da população, há risco de racionamento?
Sim. Se as obras de melhoria do abastecimento não começarem agora [por exemplo, captação de água da chuva], teremos problemas no Nordeste e nas grandes cidades brasileiras. Estou falando de 50% das cidades brasileiras. Se não tomarmos providências agora, vai ser como aquela marchinha de Carnaval: de dia falta água e de noite falta luz.
A jornalista SABINE RIGHETTI viajou a Marselha (França) a convite do Forum Mundial da Água
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