sexta-feira, 8 de fevereiro de 2013

FCCV - NEM QUE SE KISS


FCCV - FORUM COMUNITÁRIO

DE COMBATE À VIOLÊNCIA

Salvador - Bahia - Brasil


Leitura de fatos violentos publicados na mídia


Ano 13, nº 01, 05/02/2013
  


NEM QUE SE KISS



Desde os últimos dias de janeiro de 2013, o vocábulo kiss está sendo usado com grande frequência nos papos corriqueiros. Neste lapso temporal, o uso da expressão está muito distante de beijo, como sugere a língua inglesa. Kiss está nas bocas para falar de dor, de trauma, é um lugar tornado tragédia. Enquanto era uma casa noturna na cidade de Santa Maria, no estado do Rio Grande do Sul, Kiss era uma entre tantas boates espalhadas pelas cidades brasileiras, um espaço de badalação, de danças, curtições e muuuuitos beijos. De repente, com o acender de uma luz pirotécnica que pretendia incendiar o ambiente com vibrante energia, Kiss perdeu o controle de si e passou a exalar fumaça tóxica, matando e ferindo os seus frequentadores. Em lugar da liberação dos corpos para acompanhar o som e a luminosidade, deu-se o efeito de aprisionamento; em vez de ar, respirava-se fumaça tóxica e não se encontravam as vias de escape.
No dia 1º de fevereiro de 2013, o número de mortos chegava a 236 jovens. O drama foi imediatamente incorporado às agendas midiáticas do País, com repercussão também em nível inter-nacional. O peso deste agendamento, dentre outros efeitos, fez desencadear reações do poder municipal de inúmeras cidades brasileiras constatando-se uma “grande onda fiscal” às casas noturnas. A figura da cassação temporária de alvará se abateu sobre grandes e pequenos estabelecimentos do gênero. Há cidades nas quais foram suspensas pro-gramações de grandes espetáculos e diversões que mobilizariam grandes públicos.

 Já é quase carnaval e muitas casas noturnas de Salvador estão impedidas de abrir as suas portas. É como se perdessem otiming da aceleração que se instala nesta fração de tempo. Os camarotes, também, estão sendo visitados pela prefeitura e alguns sofrem a interdição por não atenderem aos critérios de segurança.

De repente, ao lado da palavra Kiss circulam alguns vocábulos que raramente costumam ser empregados, a exemplo do termo “porta de emergência” ou da expressão “comanda”. E todo mundo des-cobre que sempre esteve em ambientes “Kiss”. São tantos hotéis distribuídos pelas pequenas, médias e grandes cidades que não contam com mais do que uma modesta “fenda” de entrada/saída e que têm seus funcionamentos autorizados pelo poder público municipal. No caso de Salvador, um exemplo paradoxal vem da edificação da sede do Corpo de Bombeiros, na tradicional Baixa de Sapateiros, que demonstra sinais de “envergadura kiss”, desafiando a duração em seu sentido físico.

A prefeitura da capital baiana, após o sucedido em Santa Maria, procedeu a uma fiscalização das casas noturnas da Cidade. E muitos locais sofreram restrições, alguns foram descobertos como espaços radicalmente impróprios para o exercício da atividade, como a hiperkiss Borracharia/bar.

A falta de conformidade às normas obrigatórias alcançou camarotes que, proximamente, acomodariam foliões no grande carnaval baiano. É claro que se a fiscalização buscar outros tipos de edificações encontrará muitas outras variedades hiperkiss que, no momento são poupadas porque não se enquadram na história que tem sensibilizado a todos nós nesses dias.

A sensibilização é tão potente que foi noticiado que o Congresso Nacional já pensa na criação de uma Lei que venha regular a proteção das casas noturnas. Esta pretensão política tem cheiro de oportunismo. O que deveria ser objeto de atenção dos parlamentares nas circunstâncias ora vividas é a necessidade de se assegurar a eficiência e legitimidade das leis, afinal, ao que parece, as normas para impedir aquela tragédia existiam, elas não foram aplicadas e, só assim, a boate Kiss existiu.

Finalmente, observa-se que nesse ínterim a expressão “segurança” tem sido usada fora do contexto habitual, ou seja, sem relação imediata com a dimensão policial. Com a catástrofe, a segurança está vinculada às condições da edificação, sendo objeto de atenção específica a relação entre os materiais que integravam a construção e o fogo.

Esta espécie de amarga lição não açambarca todas as formas de riscos cogitáveis, ou seja, não aprendemos o suficiente com tão duro golpe e temos direito a não ter de aprender através desta pedagogia dolorosa. É por isto que dispomos de peritos e instituições que se ocupam de tantos domínios técnicos e que integram o mundo de garantias dos cidadãos. É preciso restabelecer a confiança em alvarás, em licitações, na ação dos que estão autorizados a nos dizer que podemos andar, morar, correr e viver dentro de certas critérios.
A questão, portanto, excede à fiscalização ante o sentimento fúnebre. A vida tem razões suficientes para ser protegida, garantida e vivida longamente.

Que o nosso carnaval comece bem e acabe em beijos felizes, não necessariamente ingleses.


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