MINHA RUA, LUGAR DA MINHA SUBJETIVIDADE AFETIVA (4 - FINAL)
CAETANO VELOSO - "LONDON LONDON"
LONDON LONDON
http://letras.terra.com.br/caetano-veloso/44739/
Caetano Veloso
I'm wandering round and round, nowhere to go
I'm lonely in London, London, is lovely so
I cross the streets without fear, everybody keeps the way clear
I know, I know, there's no one here to say hello
I know they keep the way clear, I am lonely in London without fear
I'm wandering round and round, nowhere to go
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
But my eyes, go looking for flying saucers in the sky
Oh, Sunday, Monday, Autumn pass by me
And people hurry on so peacefully
A group approach the policeman, he seems so pleased to please them
It's good to live at least and I agree
He seemed so pleased at least and it's so good to live in peace
And Sunday, Monday years and I agree
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
But my eyes, go looking for flying saucers in the sky
I choose no face to look at, choose no way
I just happen to be here and it's ok
Green grass, blue eyes, gray sky, God bless, silent, pain and happiness
I came around to say yes, and I say
Green grass, blue eyes, gray sky, God bless, silent, pain and happiness
I came around to say yes, and I say
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
But my eyes, go looking for flying saucers in the sky
While my eyes, go looking for flying saucers in the sky
Yes my eyes, go looking for flying saucers in the sky
Vicente D. Moreira
Vamos retomar com o que encerramos a postagem de 22 de novembo; a letra "Óculos" de Herbert Vianna:
Se as meninas do Leblon
Não olham mais pra mim
(Eu uso óculos)
E volta e meia
Eu entro com meu carro pela contramão
(Eu tô sem óculos)
Se eu tô alegre
Eu ponho os óculos e vejo tudo bem
Mas se eu to triste eu tiro os óculos
Eu não vejo ninguém
Por que você não olha pra mim? Ô ô
Me diz o que é que eu tenho de mal ô ô
Por que você não olha pra mim?
Por trás dessa lente tem um cara legal
Oi Oi Oi Oi Oi
Eu decidi dizer que eu nunca fui o tal
Era mais fácil se eu tentasse fazer charme de intelectual
Se eu te disser
Periga você não acreditar em mim
Eu não nasci de óculos
Eu não era assim
Por que você não olha pra mim? Ô ô
Me diz o que e que eu tenho de mal ô ô
Por que você não olha pra mim?
Por trás dessa lente tem um cara legal
Por que você não olha pra mim? Ô ô
Por que você diz sempre que não? Ô ô
Por que você não olha pra mim?
Por trás dessa lente também bate um coração
Convidemos, também, a dupla Erasmos Carlos/Roberto Carlos ("Vou ficar nu pra chamar sua atenção")
Todas as vezes que você passa e nem me vê
Fico pensando no que eu faria pra ter você
Pra ter você de qualquer forma
De qualquer jeito, qualquer maneira
Você nem sabe que eu estou ficando infeliz
Não posso mais guardar comigo os versos que eu já fiz
Pra lhe dizer do meu amor
Também fui eu quem lhe mandou aquela flor
Vivo fazendo milhões de coisas
Qualquer loucura pra ter você
E os dias passam correndo vou acabar lhe perdendo
Preciso descobrir um jeito
De chamar sua atenção
O meu melhor sorriso eu dei você não viu
Gritei seu nome mas nem assim você me ouviu
Por mais que eu faça não adianta
Você nem nota minha existência
E os dias passam correndo e de esperar vou morrendo
Vou acabar ficando nu pra chamar sua atenção
Vou acabar ficando nu pra chamar sua atenção
Vou acabar ficando nu pra chamar sua atenção
Por que necessitamos, visceralmente, do olhar do outro?
Bem, vamos a London London
O sujeito lírico de “London London” vê-se, claramente, que não é ‘dono’ da rua por onde caminha. Primeiro porque, possivelmente, não é a rua onde ele mora; depois, ele é estrangeiro na capital londrina, não conhece pessoa alguma para lhe dizer “alô”, “oi” ... e, ironia das ironias, gracejos à parte, tudo indica que ele não pensa em ‘ladrilhá-la’.
Ele não escolhe rosto, nenhum dos que por ele passa, para olhar. Os londrinos não gostam que, no dia-a-dia das ruas, alguém os encare. Este hábito tão brasileiro/nordestino de olhar-nos-olhos, nas ruas, estranhos, passantes, en-carar (cara a cara) outros transeuntes causa mal-estar em londrinos. Eles ficam, por assim dizer, desconsertados. O mal-estar que eles demonstram é tanto que, brasileiros, ficamos - como direi (?) - 'com vergonha' do "desastre" que causamos.
Mas este mal-estar dos londrinos eles o retribuem (com juros, juro!) através da cidade de Londres. E no caso do sujeito lírico de London London ela (a cidade) o olha - olhos nos olhos ... "quero ver o que você diz" (Chico Buarque) ... que diabos você é - e ele (o estrangeiro) é dominado por um mal estar (ah! impossível de dizer da linguagem) e por um bem-mequer-mal-me-quer que aparecem, soberba e sobejamente, na letra da composição de Caetano Veloso - London London.
O fato é que você pode até ver e ser visto ´(ótimo!) ou ver e não ser visto (péssimo!). Porém, toda vez que você olha você sempre é olhado; pode até não ser visto. Ser visto às vezes implica em não ver (quem está lhe vendo). E ser olhado é também olhar, mesmo quando não se tem consciência ou percepção disto.
Mas olhar é ser sempre olhado. É como a conhecida lei da Física: a toda ação corresponde uma reação igual e em sentido contrário.
O sujeito lírico de London London não escolhe também caminho. Não escolher caminho ou convencer-se de que ‘qualquer caminho é caminho’, é um dos mais severos sintomas da solidão dos andarilhos urbanos das ruas. Ele está solitário em Londres, “lonely so”; este “so” (palavra inglesa) adverbializa, acende e agrava o sentimento de solidão. E Caetano Veloso faz um interessante jogo entre “so” (inglês) e só (português).
Se nosso sujeito lírico estivesse em alguma praça de Londres (Piccadilly Circus? Trafalgar Square?) talvez não tivesse tanta solidão para falar e cantar.
Peço atenção especial para o refrão “While my eyes, go looking for flying saucers in the sky” que Caetano reforça com o “Yes”: “Yes my eyes, go looking for flying saucers in the sky”. Por que estou pedindo tanta atenção? Porque esse refrão, aí, é mais que um tour de force. Porque todo refrão, em geral - lá, cá ou acolá – quer chamar os sentidos do leitor para alguma coisa especial, quer mesmo gritar nos ouvidos do leitor ... convencê-lo, doutriná-lo até, de alguma verdade que não quer calar.
Mas aquele refrão é importante, ao menos para nossa reflexão, porque exibe – cores fortes – a esquize do olhar; o sujeito lírico se entrega a uma esquize do olhar que se divide em coisas concreta e coloridas: a grama verde, os olhos azuis, o céu gris ... um trem das cores (aliás Caetano é autor de uma composição chamada “Trem das Cores”)
... Uma orgia da pulsão escópica que, como se não bastara, envolve abraça (além das concretudes coloridas) o imaginário dos discos voadores.
A solidão das ruas, solidão que sangra em várias e profundas feridas abertas pela gentileza dos outros passantes que lhe dão passagem (boa educação!) mesmo que estejam com mais pressa que este nosso solitário flâneur.
Há um parto. Depois de anos no ventre da pátria mãe, o sujeito lírico nasce em meio ao fog londrino, em meio à luz londrina de Londres (a redundância é proposital). E como toda criança que nasce, esse novo mundo (mesmo sendo o Velho Mundo do sujeito lírico de London London) ele (o referido sujeito lírico) é dominado pelo mal-estar (luz, cores, barulhos estranhos, câmera, ação .... Como não ser estranho? Como não sentir-se estranho?
Todo recém-nascido - todo RN como denominam os profissionais da Saúde - está só. E Freud se apressa para explicar que o sentimento religioso tem origem nesse desamparo infantil.
Reconheço (e aceito) o que Alberto Caeiro/Fernando Pessoa disse em "O Guardador de Rebanhos" que sabia "ter o pasmo essencial de uma criança que ao nascer reparasse que nascera deveras" . Londo London é o hino glorioso - glorioso como todo hino - desse pasmo essencial caeiriano/pessoano/caetaneano.
Uma rua que não é minha; não importa, aí mesmo exercito minha pulsão escópica, configuro infinitas esquizes de olhar ... na solidão que me protege.
A solidão me protege, eu não tenho medo." I cross the streets without fear"