| |
REPORTAR E MORRER EM CENA |
Um repórter da TV Bandeirantes é alvejado e morto quando cobria uma ação policial em uma favela carioca. A referida ação também foi objeto da atenção de outras emissoras como a Globo e a Record cujos jornalistas que se encontravam no local testemunharam a morte do colega. A trágica ocorrência veio a ser a notícia principal relativa à ação que estava sendo realizada pela polícia carioca.
Pelas filmagens que estavam sendo feitas pela vítima, podem ser percebidas as impressões de perigo, especialmente quando ele recomenda ao seu colega de equipe que se proteja. Pela câmera, ele visualiza a presença de bandidos e os indica ao policial que está ao seu lado. E, ao que parece, são eles, os avistados em sua lente, que desferem o tiro que o acerta mortalmente.
A impressão que fica é de que estavam muito próximos jornalistas, policiais e bandidos. Pelas imagens veiculadas não é possível notar a presença de outros tipos sociais pela rua, dando-se a impressão de que a circunstância foi interpretada pelos outros moradores como arriscada e, com isto, chegou-se a um efeito em forma de cenário preenchido por três lógicas: a do crime violento, a da repressão policial e a da visibilidade midiática.
A primeira lógica indicada pode ser posta como determinante das outras, pois parece que é a sua existência que dá conformação ao ser e fazer das duas outras. A garantia de regularidade no que concerne aos eventos violentos tem definido rotinas para o mundo das polícias e para o setor midiático. Esse último vem consolidando uma oferta específica relativamente aos eventos violentos, baseada na presença dos profissionais de imprensa na cena do crime ou nos espaços institucionais subsequentes, a exemplo das delegacias. Este modelo de ação está mais representado nas abordagens televisivas.
Não é incomum a inclusão da condição do repórter como componente importante no objeto a ser reportado, a exemplo da voz ofegante, da descrição do risco por que passam todos os que ali se encontram e, sobretudo, da veiculação de filmagens referentes ao percurso feito pelos jornalistas, o qual é descrito por eles mesmos em tom que sugere a sua inserção no quadro de risco que noticiam.
Esta imersão tem cumprido um papel importante na produção de verossimilhança, afinal, as histórias noticiadas são, em sua maioria, inconcebíveis. E o gênero da incredulidade tem imposto a obrigação de se atualizar, pois todos os dias aparecem novos casos mais inacreditáveis e mais desafiadores da segurança, colocando ao jornalismo o desafio de se fazer crível junto à opinião pública e, ao mesmo tempo, sair ileso de sua atuação.
Esta forma de “jornalismo corajoso” parece fazer sucesso junto à audiência e também parece ser o modelo que mais se propõe a uma espécie de tradução sobre o fazer do jornalista. Neste âmbito, o repórter assume o status de olho e de boca do público que está amedrontado e, neste sentido, realiza uma atividade que porta traços de heroísmo. Mas, com a morte de um dos seus, se descobre que ele usa um colete que não resiste aos calibres que circulam na triangulação feita por bandido, polícia e jornalista.
Cabe recordar que este gênero de jornalismo, que faz do mergulho no fato um modo característico de produção da notícia, não é a regra geral de conduta jornalística, ou seja, há muitas formas de se produzir matérias sem se incorporar ao acontecimento de modo tão comprometedor. Porém, é oportuno lembrar, no caso da violência em voga em nossos dias, que o mistério, o sigilo, o desconhecido assumem dimensões tão radicais que parece ser necessário chegar mais perto, “brincar com fogo” para trazer à tona expressões advindas do cenário aqui referido.
Pouco a pouco, esta forma de abordagem da realidade, assim como a violência, foi se naturalizando, e tornando quase inadmissível recuar da linha de frente, do cenário de guerra de onde são gravados os sons dos tiros e as imagens das ações. A audiência, por sua vez, foi se familiarizando com o modelo de recepção que funde as três lógicas sobre o produto VIOLÊNCIA que é comercializado no mercado publicitário em forma de índices de preferência pública. E assim, com este estilo dramático, foi-se embora o jornalista Gelson Domingos da Silva: uma câmara na mão e uma bala no peito.
Nenhum comentário:
Postar um comentário