Não adianta nem tentar me esquecer
durante muito tempo em sua vida eu vou viver
Detalhes tão pequenos de nós dois
são coisas muito grandes pra esquecer
e a toda hora vão estar presentesvocê vai ver
Se um outro cabeludo aparecer na sua rua
e isso lhe trouxer saudades minhas,
a culpa é sua ...
("Detalhes" - Roberto Carlos)
Vicente Deocleciano Moreira
Nesse fragmento da conhecida composição de Roberto Carlos, "Detalhes", a rua aparece, outro exemplo, como uma posse afetiva, um bem imaginário da subjetividade afetiva; o pronome aqui não é MINHA rua, mas SUA rua; isto, porém, não descarta a rua como subjetividade afetiva ... ao contrário a reafirma.
Nas embrionárias cidades medievais, as palavras RUA e RUGA, eram utilizadas de modo despojado e com o mesmo significado em suas origens. Disso, podemos dizer que um rosto com pouca idade tem também poucas rugas; uma cidade em formação, uma cidade pequena tem poucas ruas. Mais antigo o rosto, mais rugas; mais antiga a cidade, mais ruas.
E já que estamos falando de afetividade, de sentimentos ... de amor - com a ajuda luxuosa de algumas letras da MPB (Música Popular Brasileira) - vale observar que o 'objeto' do amor dos diversos sujeitos líricos, na expressiva maioria destes casos, parecem morar, na mesma rua (ou em rua próxima) quem ama e quem é (ou poderia ser) amado. Parece também que, como seguisse, obedecesse um 'tipo ideal', um 'arquétipo', um 'modelo primitivo', o(a) amante e a sua/seu amada(o) mporam "sempre" na mesma rua; são, de algum modo, vizinhos (mais próximos, menos próximos). Essa vizinhança nos remete a um passado em que as cidades eram jovens, pequenas e tinham poucas rugas, quero dizer, poucas ruas ... a ponto de possibilitar, facilitar o encontro de 'dois corações'. Mas nos remete também a um presente, a uma cidade dos dias de hoje em que não se reside mais em ruas ... e sim (reforçando certa tendência urbana) em condomínios 'fechados' ; mesmo nestas situações atuais, mesmo os (modernos) condomínios - cheios de muros altos, câmeras, cerca elétrica, grades, etc - são, no fundo, na eficácia simbólica e no 'arquétipo', a rua da pequena cidade de outrora. De um modo ou de outro, vale a arte do encontro ... ante "tantos desencontros pela vida" (Vinicius de Moraes).
Vamos, pois, apresentar dois exemplares antológicos da MPB distantes no tempo (século XX e século XXI), mas íntimos no 'modelo primitivo', no 'arquétipo' da cidadezinha e de suas poucas ruas.
A DEUSA DA MINHA RUA
Valsa, composição de Jorge Faraj (1940)
A deusa da minha rua
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Tem os olhos onde a lua
Costuma se embriagar
Nos seus olhos eu suponho
Que o sol, num dourado sonho
Vai claridade buscar
Minha rua é sem graça
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Mas quando por ela passa
Seu vulto que me seduz
A ruazinha modesta
É uma paisagem de festa
É uma cascata de luz
Na rua uma poça d'água
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu
Para o chão
Tal qual o chão de minha vida
A minh'alma comovida
O meu pobre coração
Espelho da minha mágoa
Transporta o céu
Para o chão
Tal qual o chão de minha vida
A minh'alma comovida
O meu pobre coração
Espelhos da minha mágua
Meus olhos
São poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu
ela é nobre
Não vale a pena sonhar
Meus olhos
São poças d'água
Sonhando com seu olhar
Ela é tão rica e eu tão pobre
Eu sou plebeu
ela é nobre
Não vale a pena sonhar
MINA DO CONDOMÍNIO
Samba, composição de Seu Jorge (2007)
Tô namorando aquela mina
Mas não sei se ela me namora
Mina maneira do condomínio
Lá do bairro onde eu moro (2x)
Seu cabelo me alucina
Sua boca me devora
Sua voz me ilumina
Seu olhar me apavora
Me perdi no seu sorriso
Nem preciso me encontrar
Não me mostre o paraíso
Que se eu for, não vou voltar
Pois eu vou
Eu vou
Eu digo "oi" ela nem nada
Passa na minha calçada
Dou bom dia ela nem liga
Se ela chega eu paro tudo
Se ela passa eu fico doido
Se vem vindo eu faço figa
Eu mando um beijo ela não pega
Pisco olho ela se nega
Faço pose ela não vê
Jogo charme ela ignora
Chego junto ela sai fora
Eu escrevo ela não lê
Minha mina
Minha amiga
Minha namorada
Minha gata
Minha sina
Do meu condomínio
Minha musa
Minha vida
Minha monalisa
Minha vênus
Minha deusa
Quero seu fascínio (2x)
(desde o começo)
Minha namorada
Do meu condomínio
Minha monalisa
Quero seu fascínio (3x)
Mas não sei se ela me namora
Mina maneira do condomínio
Lá do bairro onde eu moro (2x)
Seu cabelo me alucina
Sua boca me devora
Sua voz me ilumina
Seu olhar me apavora
Me perdi no seu sorriso
Nem preciso me encontrar
Não me mostre o paraíso
Que se eu for, não vou voltar
Pois eu vou
Eu vou
Eu digo "oi" ela nem nada
Passa na minha calçada
Dou bom dia ela nem liga
Se ela chega eu paro tudo
Se ela passa eu fico doido
Se vem vindo eu faço figa
Eu mando um beijo ela não pega
Pisco olho ela se nega
Faço pose ela não vê
Jogo charme ela ignora
Chego junto ela sai fora
Eu escrevo ela não lê
Minha mina
Minha amiga
Minha namorada
Minha gata
Minha sina
Do meu condomínio
Minha musa
Minha vida
Minha monalisa
Minha vênus
Minha deusa
Quero seu fascínio (2x)
(desde o começo)
Minha namorada
Do meu condomínio
Minha monalisa
Quero seu fascínio (3x)
"Detalhes", "A deusa da MINHA rua", "A mina do MEU condomínio" ... ou como amar sem ser amado em séculos diferentes ... a rua como testemunho.
Então, a rua e seu vai-e-vem solitário e apressado abrigaria e transpiraria a arte do desencontro?
A praça e seu quedar-se passivo/ativo e contemplativo abrigaria e transpiraria a arte do encontro?
Então, a rua e seu vai-e-vem solitário e apressado abrigaria e transpiraria a arte do desencontro?
A praça e seu quedar-se passivo/ativo e contemplativo abrigaria e transpiraria a arte do encontro?
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