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Sosígenes Costa
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000O PRIMEIRO SONETO PAVÔNICO
Foge a tarde entre o bando de gazelas.
A noite agora vem do precipício.
Sóis poentes, douradas aquarelas!
Mirabolantes fogos de artifício!
Maravilhado assisto das janelas.
Os coqueiros, pavões de um rei fictício,
abrem as caudas verdes e amarelas,
ante da tarde o rútilo suplício.
Cai uma chuva de oiro sobre os cravos.
O grifo sai do mar com a lua cheia
e as pombas choram pelos pombos bravos.
Um suspiro de amor do peito arranco.
A luz desmaia. E o céu todo se arreia
Em vez de estrela de narciso branco.
(1923)
TORNOU-ME O PÔR DO SOL UM NOBRE ENTRE OS RAPAZES
Queima sândalo e incenso o poente amarelo,
perfumando a vereda, encantando o caminho.
Anda a tristeza ao longe a tocar violoncelo.
A saudade no ocaso é uma rosa de espinho.
Tudo é doce e esplendente e mais triste e mais belo
e tem ares de sonho e cercou-se de arminho.
Encanto! E eis que já sou o dono de um castelo
de coral com portões de pedra cor de vinho.
Entre os tanques dos reis, o meu tanque é profundo.
Entre os ases da flora, os meus lírios lilases.
Meus pavões cor-de-rosa, os únicos do mundo.
E assim sou castelão e a vida fez-se oásis
pelo simples poder, ó pôr do sol fecundo,
pelo simples poder das sugestões que trazes.
(1924)
SONETO AO ANJO
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios,
quando o poente cor-de-rosa e doce
punha pavões nos capitéis assírios.
Teu beijo como um pássaro me trouxe
o mais azul de todos os delírios.
Por tua causa o meu jardim fechou-se
às mulheres que vinham buscar lírios.
Só tu agora colhes azaleia
e os cintilantes cachos da azureia,
mágica flor que em meu jardim nasceu.
Só tu verás os lírios cor da aurora.
Meu pavão dormirá contigo agora
e o meu jardim dourado agora é teu.
(1930)
PAVÃO VERMELHO
Ora, a alegria, este pavão vermelho,
está morando em meu quintal agora.
Vem pousar como um sol em meu joelho
quando é estridente em meu quintal a aurora.
Clarim de lacre, este pavão vermelho
sobrepuja os pavões que estão lá fora.
É uma festa de púrpura. E o assemelho
a uma chama do lábaro da aurora.
É o próprio doge a se mirar no espelho.
E a cor vermelha chega a ser sonora
neste pavão pomposo e de chavelho.
Pavões lilases possuí outrora.
Depois que amei este pavão vermelho,
os meus outros pavões foram-se embora.
(1937-1959)
PAVÃO AZUL
No jardim do castelo desse bruxo
d'asas d'ouro e olhos verdes de dragão,
tú és à beira de um lilás repuxo
um grande lírio de ouro e de açafrão.
Transformado em pavão por esse bruxo,
vivo te amando em tardes de verão,
dentre as rosas e os pássaros de luxo
do jardim desse bruxo castelão.
Tenho medo que um dia o jardineiro...
Mas nunca, estou bem certo, do canteiro
há de colher-te, ó minha flor taful.
Porque ele sabe que em manhã serena,
não suportando a ausência da açucena,
há de morrer esse pavão azul.
(s/ data)
Caros,
O poeta baiano Sosígenes Costa (1901-1968) já apareceu aqui noboletim n. 79, dez anos atrás. Retorna agora, trazido pela riquezade cores e sonoridades de seus “sonetos pavônicos”.
Discreto, avesso à autopromoção e à convivência nos meios literários, Sosígenes nunca reuniu seus poemas em livro. Somente em 1959, já aposentado e morando no Rio de Janeiro (cidade onde viria a morrer em 1968), cedeu à insistência de amigos e consentiu na publicação de sua Obra Poética.
Essa mesma obra ganharia uma segunda edição em 1978, revista e ampliada pelo poeta paulista José Paulo Paes. Além de reunir a obra do poeta belmontino, Paes escreveu um conhecido ensaio interpretativo chamado Pavão, Parlenda, Paraíso – Uma Descrição da Poesia de Sosígenes Costa, em 1977. Tornou-se assim um dos principais responsáveis pela divulgação da poesia de Sosígenes entre as gerações mais recentes.
OOO
Devo confessar que roubei do poeta Florisvaldo Mattos (1932), outro baiano da região cacaueira, a ideia de retornar à obra de Sosígenes Costa pelo atalho das cores e plumas dos sonetos pavônicos. Não, não adianta procurar a palavra no dicionário: ela é criação do próprio Sosígenes e refere-se obviamente ao pavão, essa luxuriante ave ornamental. Há poucas semanas, Florisvaldo reuniu e enviou a amigos os quatro primeiros sonetos ao lado. A eles juntei mais um, o “Pavão Azul”.
Devo confessar que roubei do poeta Florisvaldo Mattos (1932), outro baiano da região cacaueira, a ideia de retornar à obra de Sosígenes Costa pelo atalho das cores e plumas dos sonetos pavônicos. Não, não adianta procurar a palavra no dicionário: ela é criação do próprio Sosígenes e refere-se obviamente ao pavão, essa luxuriante ave ornamental. Há poucas semanas, Florisvaldo reuniu e enviou a amigos os quatro primeiros sonetos ao lado. A eles juntei mais um, o “Pavão Azul”.
Nos sonetos pavônicos revelam-se traços fundamentais da obra de Sosígenes. Neles estão, por exemplo, a extraordinária criatividade do poeta, sempre às voltas com sons, cores e aromas ― característica que trai as influências parnasiano-simbolistas sempre presentes em seus versos.
A todo momento, a poesia de Sosígenes Costa apela aos sentidos do leitor. As metáforas constituem também um chamado à imaginação. Os pavões, por exemplo, são mutantes. Mudam de cor e de situação e assumem as formas mais inusitadas. Um tem chifre (“pavão pomposo e de chavelho” – “Pavão Vermelho”). Este pertence ao narrador, que diz: “Pavões lilases possuí outrora”. Outras aves são coqueiros e pertencem a um rei fictício (“O Primeiro Soneto Pavônico”). Outra mudança: os pavões (quase escrevo “clarões”) ora são da alvorada, ora do ocaso.
Se o poeta era pessoalmente arredio e reservado (consta que aceitou ser membro da academia de letras de Ilhéus, mas quase nunca a frequentou), revela ao contrário a mesma exuberância das plumas de pavão quando se trata de dar corda à imaginação.
Inventa animais: pavões azuis, vermelhos, verde-amarelos e até cor-de-rosa (“os únicos do mundo” — “Tornou-me o pôr do sol um nobre...”). Inventa reinos, castelos, nobrezas. E esbanja na floricultura: somente nestes cinco sonetos, há cravos, narcisos, rosas, lírios, azaleias, azureias (palavra que não encontrei nos dicionários que tenho nem na internet), lilases e açucenas.
No último soneto dos cinco aqui transcritos, o pavão azul não pertence ao narrador: é o próprio narrador, que foi transformado em pavão por um bruxo. Vivendo nos jardins do castelo desse mago, a ave morre de amores por “um grande lírio de ouro e de açafrão”. E sabe que morrerá se um dia lhe tirarem a açucena amada. Curioso o conhecimento de Sosígenes. Aqui, parece ter havido uma transformação de lírio para açucena. Não: lírio e açucena são a mesma flor.
Outro aspecto importante: os textos saltam, sem a menor cerimônia, do plano visual para o auditivo. Ou, quando não saltam, sugerem ao leitor que o faça. O pavão vermelho é “uma festa de púrpura” e “a cor vermelha chega a ser sonora”. Que som terá essa cor? Pode-se imaginar. Antes, no mesmo soneto, o texto diz que o pavão vermelho — que, aliás, é a alegria — “vem pousar como um sol em meu joelho / quando é estridente em meu quintal a aurora”. Mais uma vez, a aurora, que é tipicamente cor, transmuta-se em som agudo e penetrante.
Por mais que esses textos não possam ser enquadrados, pura e simplesmente, na fôrma parnasiana ou nos procedimentos simbolistas, não há dúvida de que esses pavões mutantes, com suas cores e olores, têm raiz no simbolismo.
Também é certo que algumas palavras ou expressões ficaram velhas na poesia de Sosígenes Costa. No “Pavão Azul”, por exemplo, encontram-se coisas como “bruxos d’asas d’ouro”, algo estranho a olhos e ouvidos atuais. Também é antiga a “flor taful” (alegre, festiva), palavra que já representou um lugar-comum preciosista, uma rima quase obrigatória para azul.
Uma última observação. O título “Tornou-me o pôr do sol um nobre entre os rapazes” aparentemente não tem muito a ver com o soneto, único dos cinco escrito em versos alexandrinos. Mas, observando bem, título e poema ligam-se pelo pôr do sol. E então, no segundo quarteto, ocorre mais uma transformação. O narrador, graças ao poder de sugestão do crepúsculo, transmuta-se no dono de um castelo — que, supõe-se, é o rapaz do título. Note-se que o título é também um verso alexandrino e contém a última rima do soneto (oásis, trazes). É possível imaginar que o poeta pretendia usar o verso-título no corpo do soneto (mais especificamente, no fim), porém a evolução do texto tomou outro rumo. Ele então decidiu manter como título o alexandrino descartado. Grande Sosígenes.
Um abraço, e até a próxima,
Carlos Machado
Sosígenes Costa
• In Poesia Completa
Conselho Estadual de Cultura da Bahia
Salvador, 2001
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* Fernando Pessoa, "Ode 358", in Odes de Ricardo Reis
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