segunda-feira, 14 de janeiro de 2013

RUBEM BRAGA - 10O ANOS - "AI DE TI COPACABANA!"




RUBEM BRAGA - 10O ANOS



AI DE TI COPACABANA !

RUBEM BRAGA

Rio de Janeiro, janeiro de 1958 

1. AI DE TI, Copacabana, porque eu já fiz o sinal bem claro de que é chegada a véspera de teu dia,e tu não viste; porém minha voz te abalará até as entranhas.

2. Ai de ti, Copacabana, porque a ti chamaram 
Princesa do Mar, e cingiram tua fronte com 

uma coroa de mentiras; e deste risadas ébrias e vãs no seio da noite.

3. Já movi o mar de uma parte e de outra parte, e suas 
ondas tomaram o Leme e o Arpoador, e tu não viste este sinal;  estás perdida e cega no meio de tuas iniqüidades e de tua malícia.

4. Sem Leme, quem te governará? Foste iníqua perante o oceano, 
e o oceano mandará sobre ti a multidão de suas ondas.

6. Grandes são teus edifícios de cimento, e eles se postam  
diante do mar qual alta muralha desafiando o mar; mas eles  se abaterão.

6. E os escuros peixes nadarão nas tuas ruas e a vasa
 fétida das marés cobrirá tua face; e o setentrião lançará  as ondas sobre ti num referver de espumas qual um bando de 
carneiros em pânico, até morder a aba de teus morros; e todas as muralhas ruirão.

7. E os polvos habitarão os teus porões e as negras jamantas 
as tuas lojas de decorações; e os meros se entocarão em tuas galerias, desde Menescal até Alaska.

8. Então quem especulará sobre o metro quadrado de teu terreno? Pois na verdade 
não haverá terreno algum.

9. Ai daqueles que dormem em leitos de pau-marfim nas câmaras 
refrigeradas, e desprezam o vento e o ar do Senhor, e não obedecem à lei do verão.

10. Ai daqueles que passam em seus cadilaques buzinando alto, 
pois não terão tanta pressa quando virem pela frente a hora da provação.

11. Tuas donzelas se estendem na areia e passam no corpo 
óleos odoríferos para tostar a tez, e teus mancebos fazem das lambretas instrumentos de concupiscência.

12. Uivai, mancebos, e clamai, mocinhas, e rebolai-vos na cinza, 
porque já se cumpriram vossos dias, e eu vos quebrantarei.}

13. Ai de ti, Copacabana, porque os badejos e as garoupas 
estarão nos poços de teus elevadores, e os meninos do morro, quando for chegado o tempo das tainhas, jogarão tarrafas no Canal do Cantagalo; ou lançarão suas linhas dos altos do Babilônia.

14. E os pequenos peixes que habitam os aquários de vidro serão 
libertados para todo o número de suas gerações.

15. Por que rezais em vossos templos, fariseus de Copacabana, 
e levais flores para Iemanjá no meio da noite? Acaso eu não conheço a multidão de vossos pecados?

16. Antes de te perder eu agravarei s tua demência — ai de ti, 
Copacabana! Os gentios de teus morros descerão uivando sobre ti, e os canhões de teupróprio Forte se voltarão contra teu corpo, e troarão; mas a água salgada levará milênios para lavar os teus pecados de um só verão.

17. E tu, Oscar, filho de Ornstein, ouve a minha ordem: 
reserva para Iemanjá os mais espaçosos aposentos de teu palácio, porque ali, entre algas, ela habitará.

18. E no Petit Club os siris comerão cabeças de homens fritas 
na casca; e Sacha, o homem-rã, tocará piano submarino para fantasmas de mulheres silenciosas e verdes, cujos nomes passaram muitos anos nas colunas dos cronistas, no tempo em que havia colunas e havia cronistas.

19. Pois grande foi a tua vaidade, Copacabana, e fundas 
foram as tuas mazelas; já se incendiou o Vogue, e não visteo sinal, e já mandei tragar as areias do Leme e ainda não vês o sinal. Pois o fogo e a água te consumirão.

20. A rapina de teus mercadores e a libação de teus perdidos;  
e a ostentação da hetaira do Posto Cinco, em cujos diamantes  se coagularam as lágrimas de mil meninas miseráveis — tudo passará.

21. Assim qual escuro alfanje a nadadeira dos imensos cações 
passará ao lado de tuas antenas de televisão; porém muitos peixes morrerão por se banharem no uísque falsificado de teus bares.

22. Pinta-te qual mulher pública e coloca todas as tuas 
jóias, e aviva o verniz de tuas unhas e canta a  tua última canção pecaminosa, pois em verdade é tarde para a prece; e que estremeça o teu corpo fino e cheio  de máculas, desde o Edifício Olinda até a sede dos Marimbás porque eis que sobre ele vai a minha fúria, e o destruirá. Canta a tua última canção, Copacabana!


Texto extraído do livro "Ai de ti, Copacabana", Editora do Autor 
Rio de Janeiro, 1960, pág. 99.

Nenhum comentário:

Postar um comentário