Leitura de fatos violentos publicados na mídia,
Ano 12, nº 22, 26/11/2012
Estado e mídia
chegam a
Pernambués
(Salvador - Bahia - Brasil)
A cidade de Salvador tem ampliado descontroladamente os engarrafamentos. Já não há mais hora, lugar ou dia para sustar a morosidade no trânsito. O viajante ordinário da cidade agora sai cada vez mais cedo para percorrer os velhos trajetos. Mesmo assim, há dias em que a meia hora de antecipação é vencida lá na Baixinha de São Gonçalo, um desvio usado para se chegar mais rapidamente à UNEB, no Cabula. Está selado o atraso ao compromisso. “Dali até ali” o tempo passa e ultrapassa mais de uma hora o horário acordado. A expressão que já se tornou clichê nestas ocasiões é a mesma: o que aconteceu?!
Entre as cogitações básicas estão: batida de carro, atropelamento, caminhão quebrado na pista, blitz etc. Mas o congestionamento continua e não se vê ao longo do caminho que vai sendo rompido em marcha lentíssima qualquer sinal que confirme as hipóteses habituais. Os jornais de amanhã vão noticiar o motivo de tão grande engarrafamento. Mas, é certo que alguma coisa aconteceu!
A expressão de certeza e de espanto torna desnecessário um esclarecimento: alguma coisa estranha ocorreu, e deve ser séria, grave, talvez perigosa. Ao ver as notícias relacionadas com uma operação feita pela Polícia Militar no bairro de Pernambués, as condições do trânsito ficam compreensíveis. O bairro fica vizinho do Cabula e, a partir do dia 17 de novembro, ficou submetido ao toque de recolher imposto por pessoas ligadas ao tráfico de drogas.
Conforme noticiado pelo jornal Tribuna da Bahia, em 20 de novembro de 2012, “a polícia militar intensificou o policiamento no bairro, em especial na localidade da Baixa do Manu, através da Primeira Companhia Independente da Polícia Militar e da Rondesp Central. As ações compreendem rondas de radiopatrulhamento e abordagens a pessoas e veículos em diversos pontos na região”.
De acordo com a matéria, o medo se estabeleceu entre os moradores e alguns que não se encontravam em seus domicílios foram aconselhados pelos parentes a não voltarem para casa, outros habitantes não saíram da residência.
Enquanto isto, “na décima segunda Delegacia Territorial (DT/Tancredo Neves), os policiais civis revelaram que nenhum registro sobre o toque de recolher foi feito. ‘Sabemos que Davi é do grupo de Babalu e que estaria envolvido no assalto do mercado Todo Dia, mas ninguém apareceu aqui hoje para dar qualquer informação que justificasse a operação da Polícia Civil’, comenta um agente, admitindo a situação constrangedora”.
Estes acontecimentos podem levar a várias reflexões e algumas delas serão aqui indicadas: a falta de comunicação entre as duas polícias, como é possível notar no parágrafo anterior, sugere que as promessas de integração das forças militar e civil estão muito distantes de serem alcançadas; de acordo com outros órgãos de imprensa, as denúncias foram feitas à Polícia Militar de forma anônima dando conta de que os comerciantes estavam obrigados a fechar as portas mais cedo enquanto os moradores tinham de ser recolhidos aos seus lares; as informações evidenciam a existência de conflitos, a exemplo dos donos de territórios com suas regras que impedem a presença de grupos rivais e foi o desrespeito a esta norma que levou o nefasto toque de recolher aos moradores nos últimos dias.
As notícias sugerem a existência de uma comunidade que se encontra refém de traficantes que lutam entre si pelo controle do mercado. Essa divergência se expressa em forma de incorporação de vias públicas por facções criminosas através da criação de uma geopolítica do crime no interior do bairro. Os habitantes passam a conhecer “os pedaços” e seus donos, de modo a atuarem em conformidade com a lei ali imposta. O toque de recolher é uma das medidas usadas pelos criminosos, mas a “lei” tem muitos códigos e aquele que vige cotidianamente se caracteriza pelas táticas de evitação dos lugares controlados por grupos rivais.
Ao que se percebe, o toque de recolher teve como motivação primeira o desrespeito aos vetos fronteiriços. Depois veio um assassinato e o referido toque. Com uma história assim, é possível notar o quão vulneráveis se encontram os moradores que vivem em espaços onde vicejam pedaços e donos cujas presenças se tornam, muitas vezes, maiores que o Estado. Até que um dia, por um toque a mais do crime, tem-se lugar para uma visão que gera visibilidade através da super-visão midiática.
E assim fica esclarecido o engarrafamento tão denso e prolongado. Pernambués entrava naquele “contratempo” na agenda política e midiática, saía do silêncio rotineiro para a mídia local e nacional.
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