QUANDO O MORTO
É POBRE
E O CENÁRIO DA
MORTE É NOBRE |
É 19 de outubro de 2012 e a cidade está “travada”. Os congestionamentos se multiplicam pelas vias saturando todos os pontos alternativos. Diz-se que o trânsito está estressante. As buzinas protestam nervosa e inutilmente. Os semáforos abrem-se e fecham-se sem correspondência com o nível de caos instalado.
Algumas emissoras de rádio informam sobre as condições do trânsito e, também, os motivos para os grandes congestionamentos. São 11 horas da manhã e as filas de carros se avolumam na Avenida Antônio Carlos Magalhães. Parece ser este o maior engarrafamento da Cidade naquele instante. E o motivo coloca em destaque a violência no trânsito.
De acordo com informações dadas por policiais à imprensa, um motociclista se desentende com o condutor de um Fiat Palio vermelho porque a moto teria colidido contra o seu automóvel e quebrado o retrovisor. O condutor da moto, Sílvio Ricardo de Almeida Silva, é alvejado com tiros pelas costas e, em seguida, atropelado. Depois, o motorista do Palio vai embora. Esta ocorrência se deu por volta das 10 horas da manhã, repercutindo sobre todas as vias que cercam a área como a Paralela, a Avenida Tancredo Neves e Rótula do Abacaxi.
A morte de um comerciante que estava indo para o trabalho no Ogunjá deixa o trânsito lento em áreas consideradas nobres na cidade de Salvador e tem uma cobertura midiática quase instantânea ao afetar “elevados” espaços da capital. Na situação em tela, o cenário onde se deu o crime proporciona visibilidade imediata. Assim, é possível observar que o lugar onde se dá a morte é fator de maior ou menor publicidade.
No caso aqui analisado, a ocorrência tem repercussão assegurada porque a mídia, especialmente radiofônica, tem “monitorado” o trânsito, contribuindo para orientar os indivíduos que estão se deslocando pelas vias públicas. E é aí, neste lugar de observação do movimento veicular que um acontecimento fatal acontece e assume, imediatamente, lugar na agenda midiática. Nesta circunstância, o evento fatal tende a ser representado como um problema para o caótico trânsito da Cidade. E assim morre Sílvio Ricardo.
A natureza imediata da repercussão, não obstante a sua abrangência, tende a passar com a dissipação do engarrafamento. Todos aqueles atos repetidos pelos meios de comunicação enquanto o corpo tomava forma de questão policial e de trânsito deram ao morto uma duração noticiosa superior às mortes violentas verificados em espaços considerados marginais. Mas quando aquele corpo se desloca do solo nobre, “perde o link”, o vigor midiático tomado de empréstimo à valorosa zona em que a morte se deu é perdido e, assim, a normalidade é restabelecida, a via está livre, mais adiante tem uma curva, uma fechada, um sinal invadido e as buzinas insistem em avisar que é tarde e que não há tempo para se pensar na vida do outro.
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