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Leitura de fatos
violentos
publicados
na mídia
Ano 12, nº 16, 08/10/201
Salvador - Bahia - Brasil
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A MORTE VIOLENTA
E O VALOR DO
“FLAGRANTE
TELEVISIVO”
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“Mordam o cotovelo, O flagrante é nosso!”
Em tom de júbilo, o condutor do programa avisa que aquele que se vê na tela, deitado no chão da rua, coberto por um lençol, fora assassinado há apenas dez minutos e só o seu programa faz a cobertura.
In loco, o repórter dá informações relativas ao lugar da ocorrência: bairro da Liberdade, perto da Feira do Japão. Ainda não há nome para o morto, não há esboço relativo ao seu perfil social. Um homem é morto em um bairro popular no começo da tarde do dia 5 de outubro. Enquanto isso, no estúdio de TV, José Eduardo comemora o furo de reportagem.
Pouco tempo depois dos primeiros atos midiáticos, chega-se à cena que, dada à repetição destes casos em nosso contexto, já é reconhecida pelos espectadores como atos que compõem o rito das mortes por assassinato. Uma mulher é amparada por duas pessoas que tentam contê-la, mas ela caminha em direção ao morto enquanto o apresentador do programa informa tratar-se da esposa do falecido.
Como se fosse um refrão, José Eduardo, condutor do programa “Se Liga Bocão”, repete o caráter exclusivo da notícia, fazendo notar que o acontecimento é seu e é inédito. A propriedade do fato é motivo de exultação tão pronunciada que gera a impressão de contrassenso: por que tanta vibração por ser o único a dispor e transmitir a imagem de um corpo de um homem assassinado há poucos minutos?
A resposta à pergunta é óbvia. O tom comemorativo está relacionado com a lógica do mercado televisivo que concentra “atrações” similares em vários canais de TV na faixa horária entre meio dia e 14 horas e que têm como “matéria-prima” várias formas de tragédias humanas. A violência, especialmente aquela de natureza letífera, é o recurso central explorado por esse tipo de programação.
Os casos costumam ser exibidos por todos os programas, evidenciando-se o caráter pouco distinto entre as “atrações” diárias. Assim, quando ocorre a exclusividade tal como aquela morte no Bairro da Liberdade, a vibração dos condutores dos programas se sobrepõe à gravidade do assunto tratado. É com esta “química” que se chega à aberração de se comemorar o fato de apenas um programa ter tido acesso àquele quadro, àquela cena que se repete todos os dias e corresponde a um dos maiores problemas da Cidade, do Estado e do País.
Cabe recordar que a engrenagem televisiva conta com duas lógicas. A primeira delas diz respeito à necessidade de produzir audiência e, para tanto, deve-se ofertar “atrações” compatíveis com este fim; a segunda está relacionada com a necessidade de vender os espaços comerciais resultantes da audiência conquistada. Além disso, o meio de comunicação necessita manter e aumentar a audiência para atender a sua finalidade econômica que, por sua vez, está diretamente associada à venda dos pontos no mercado publicitário.
Estes imperativos mercadológicos, marcados pela concorrência, impõem certa agressividade na busca de captação da atenção de segmentos de público. Assim, ao afirmar ao receptor que aquele caso que está na tela não pode ser visto em outros canais, o programa faz um investimento na “singularidade” daquela ocorrência em versão midiática com a pretensão de prender o espectador ao seu canal. Também alia o feito a uma qualidade superior do programa em relação aos concorrentes.
Na referida agressividade, expressa em sentenças como “MORDAM O COTOVELO, O FLAGRANTE É NOSSO!”, proferida por José Eduardo, pode ser notado que no diálogo de tipo concorrencial entre programas emergem marcas sugestivas de que, na estrutura das mencionadas atrações televisivas, os dramas têm valor comercial.
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