CEsA (*)
FEIRAS LIVRES E
MERCADOS NO ESPAÇO LUSÓFONO: ASPECTOS
METODOLÓGICOS
Iolanda Évora (**)
Apresentado no âmbito
do Projecto Pró-África, CNPq - Visita Exploratória “Feiras livres e mercados no
espaço lusófono: trabalho, geração de renda e sociabilidade”
O CEsA não confirma nem
infirma quaisquer opiniões expressas pelos autores nos documentos que
edita.
Nesta apresentação o foco recai sobre aspectos do campo da nossa pesquisa
e entendemos que uma reflexão sobre o
mesmo é importante devido a:
1- especificidades do
nosso objecto empírico (as feiras livres e mercados que são atividades de trabalho e económicas
presentes em centros urbanos do Brasil, de Cabo Verde e da Guiné- Bissau.
2- nossas opções
metodológicas e de postura ético-política em relação à realidade social e aos seus
atores
3- o tipo de estudo que
pretendemos realizar
Entre os eixos de
estruturação da nossa proposta de pesquisa destacamos que:
1- temos um mesmo
conjunto de preocupações em relação às diferentes realidades e contextos de estudo, ou seja, os nossos focos
são:
a) os processos
cotidianos que organizam o trabalho nos mercados e feiras livres;
b) as condições para a
construção de uma base de trabalho, ou seja, o conjunto de conhecimentos,
recursos materiais e relações pessoais que possibilita aos trabalhadores gerarem renda através do trabalho em
micro-empreendimento.
2- não se pretende
recolher dados para uma comparação, mas garantir um conhecimento cumulativo, em
que a realidades das feiras e mercados locais, em cada um dos centros urbanos, seja estudada na sua singularidade e
ilumine a compreensão dos outros contextos;
Busca-se a compreensão
das acções sociais e dos processos organizativos de um lugar ou contexto específico não necessariamente generalizáveis,
mas passíveis de aplicação de conceitos e esquemas.Do ponto de vista
metodológico, a principal preocupação é com a abordagem aos processos sociais e
às práticas discursivas, estas situadas nos lugares e no tempo.
Daí a importância de
esclarecermos o que é o campo nesta pesquisa:
- Apesar da saliência
dos lugares físicos, o nosso campo não existe
só nos lugares, nas delimitações territoriais da feira livre em São
Paulo ou dos mercados e feiras em Bissau e na Praia. Como refere K. Lewin, o
campo deve ser reconhecido como a totalidade dos factos psicológicos, quer
dizer, os factos que são reais por serem
psicologicamente significativos e produzirem efeitos para as pessoas
envolvidas (Ex: uma determinada condições de saneamento público pode fazer com
qque, num determinado contexto, as
pessoas se acomodem no lugar evitando os efeitos dessa condição e noutro
esse facto não implique numa gestão diferente do espaço)
- Ao mesmo tempo, o
campo é relativo aos espaços de vida das
pessoas, ou seja, daqueles que tornam as feiras e mercados lugares socialmente
densos e abertos às contradições das versões alternativas sobre eles. (daí a importância de fazermos o
mapeamento dos mercados e feiras nos espaços do dia a dia das atividades,
enfatizando-se a pesquisa no fluxo dos acontecimentos nos espaços públicos delimitados)
Um campo que não é
apenas o lugar físico implica que temos de nos localizar psicologicamente e territorialmente mais perto
das partes envolvidas e das feiras e mercados, por isso, além do momento de
contato, outras acções compõem o nosso trabalho como, por exemplo,
- acções que nos
permitem perceber a visão oficial do sector em que se inclui o
microempreendimento;
- acções que incluem
outros comerciantes e mesmo os que desses lugares se servem.Isto permite
ampliar a compreensão e a argumentação sobre os recursos, as
atividades, as redes de relações sociais nas feiras e mercados.
Nesta perspectiva,
o lugar territorial que não esgota o
nosso campo é, no entanto, o lugar constitutivo de falas e conversas e se nós pudermos afirmar e
apontá-lo como o lugar das pessoas que
contam sobre ele, então podemos dizer que esse lugar territorial é efetivamente
constitutivo do acontecimento social que nos interessa compreender. Ou seja,
posso afirmar que aquele lugar
"riba" Praia, perto da Praça Grande é efetivamente o mercado
da Praia de que as pessoas falam e contam.
As feiras e mercados
são partes da territorialidade do nosso campo, são constituídas de situações
sociais e respectivos ambientes materiais (infra-estrutura material, regras
municipais de funcionamento de espaços do género, balcões de venda, percursos
migratórios e familiares, documentos oficiais...) que afetam as pessoas e os
grupos.
É nessas situações
sociais e ambientes materiais que estão as ideias sobre as condições para a geração
de renda. Quer dizer então que as
situações sociais e respectivos ambientes materiais devem ser compreendidos
como produtos sociais e não como realidades independentes. Por isso, o nosso campo
compõe-se não apenas das visitas e contatos nas feiras e mercados como das
outras acções que referi e que, não sendo objetos específicos de pesquisa, acompanham
os eventos que nos interessam no tempo e no espaço.
A ideia é que estamos
perante o dia a dia polissémico que produz textos múltiplos, produtos repletos
de sentido, representantes de diferentes repertórios de análise e argumentação
sobre mercados e feiras.
Por conseguinte, no
campo também nos aproximamos de factos não psicológicos de clima, de comunicação,
de leis do país e organização que configuram os limites daquilo que é possível
e não é possível e que pode e não pdoe acontecer nas feiras e mercados.
Estes elementos são
constituintes importantes do espaço de
vida dos trabalhadores que consiste no grupo e no ambiente que existe para o
grupo.Retomando a noção inicial de que não se trata de um estudo comparativo
mas cumulativo, por exemplo, neste momento de visita expoloratória e contatos,
são utilizadas táticas mais direcionadas (observar e perguntar), de modo a
conhecermos a forma como os trabalhadores agem, não para transformá-la em
dados, mas para podermos conversar com as suas socialidades e materialidades,
aquilo que está contido nas situações sociais e nos respectivos ambientes materiais que referi há pouco.
São essas socialidades
e materialidades que impedem que a realidade de uma feira ou mercado seja
comparada com outra no sentido de que o que encontro aqui devo encontrar lá.
E se não encontrar,
estou perante uma "falta"!
Por fim, queria referir
que a exploração do campo não se esgota num lugar territorial, mas num lugar e
nos seus significados e é muito favorecida, no caso deste nosso projeto, pelo
fato de termos uma equipe multidisciplinar e plurilocalizada e que permite a
construção de um espaço em que os pesquisadores mostram as suas posições e
argumentos próprios, e tal como deverá acontecer no trabalho de campo, com os
nossos sujeitos, a construção do conhecimento é debatida e negociada.
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(*)
O CEsA é um dos Centros
de Estudo do Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de
Lisboa, tendo sido criado em 1982. Reunindo cerca de vinte investigadores,
todos docentes do ISEG, é certamente um dos maiores, senão o maior, Centro de
Estudos especializado nas problemáticas do desenvolvimento económico e social existente em Portugal. Nos seus
membros, na maioria doutorados, incluem-se economistas (a especialidade mais
representada), sociólogos e licenciados em direito.
As áreas principais de
investigação são a economia do desenvolvimento, a economia internacional, a
sociologia do desenvolvimento, a história africana e as questões sociais do desenvolvimento;
sob o ponto de vista geográfico, são objecto de estudo a África Subsariana, a América
Latina, a Ásia Oriental, do Sul e do Sudeste e o processo de transição
sistémica dos países da Europa de Leste.
Vários membros do CEsA
são docentes do Mestrado em Desenvolvimento e Cooperação Internacional
leccionado no ISEG/”Económicas”. Muitos deles têm também experiência de
trabalho, docente e não-docente, em África e na América Latina.
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(**)
IOLANDA ÉVORA (Iolanda
Maria Alves Évora) - Psicóloga Social pela Universidade de São Paulo, Brasil, investigadora associada do Centro de Estudos
sobre África e do Desenvolvimento (CesA,Iseg), ao abrigo do Programa Ciência 2008 da Fundação
para a Ciência e Tecnologia de Portugal (FCT).
Desde 1998 conduz
trabalhos de investigação sobre dimensões psicossociais da migração
caboverdiana, primeiro realizando investigação sobre as mulheres de origem
cabo-verdiana em Itália e, mais
recentemente, sobre transnacionalismo, processos associativos em contexto
migratório e concepções e discursos sobre a diáspora cabo-verdiana dentro e
fora do arquipélago. No campo da saúde/imigração
tem estudado, nomeadamente, aspectos das percepções e atitudes dos jovens face
ao VIH/Sida. Recentemente, participa de
equipes de investigação sobre processos organizativos em contextos de trabalho
informal como as feiras e mercados no Brasil, Guiné-Bissau e Cabo Verde.
Lecciona disciplinas de
Psicologia Social e Organizacional e Metodologia Qualitativa em licenciaturas e mestrados do ensino superior no Brasil, em
Cabo Verde e em Portugal.Centro de Estudos sobre África e do Desenvolvimento Instituto
Superior de Economia e Gestão (ISEG/”Económicas”) da Universidade Técnica de
Lisboa
R. Miguel Lupi, 20 - 1249-078 LISBOA PORTUGAL Tel: + / 351 / 21 392 59 83 Fax: [...] 21 397 62 71 e-mail: cesa@iseg.utl.pt URL: http://www.iseg.utl.pt/cesa
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