quarta-feira, 11 de abril de 2012

BARES E CAFÉS (6) - CAFÉS FAMOSOS DE PARIS

BARES E CAFÉS, 
OASIS URBANOS  (6)


CAFÉS FAMOSOS (E ROMÂNTICOS)
 DE PARIS





http://wwwmahega.blogspot.com.br/2010/07/cafes-famosos-de-paris.html


CAFÉS PARISIENSES,
EM RISCO DE EXTINÇÃO

[fonte - revista Bravo! ]


EXPRESSO PARIS



Uma das supremas instituições parisienses está em risco de extinção: os carismáticos cafés, com ou sem mesas na calçada. Basta assinalar que, nos anos 60, a cidade tinha 200 mil destes estabelecimentos. Hoje, restam apenas 30 mil – e estrebuchando. Só no ano passado, fecharam dois mil, uma média de seis por dia. A questão chegou ao Parlamento. Não admira: o turismo borra-se todinho. Algumas das principais excursões na capital francesa se intitulam Circuito dos Cafés dos Artistas, com os outrora poleiros de Picasso, Modigliani, Monet, etc. Ou o Roteiro dos Cafés dos Escritores, onde antes se pavoneavam Sartre, Hemingway, Fitzgerald e outros da mesma plumagem.

De quem é a culpa da actual crise? Da crise propriamente dita, claro. Afinal, 1,50 euros por um cafezinho soa hoje mais caro do que ontem. Outro vilão são as máquinas caseiras, do tipo daquele anúncio com George Clooney. E as redes multinacionais com ambientes espaçosos e ligação gratuita a Net, como o Starbucks. Quatro anos trás, não existia nenhum Starbucks em Paris. Hoje, há 21 (e proliferando). O ultraje ainda é mais estridente do que quando da chegada do McDonald’s, nos anos 70. Outros responsáveis são locais: os clientes já não acham tão pitorescos os irascíveis e carrancudos garçons franceses. E, por fim, a proibição do fumo.


(Jean Cocteau: o fumante virou fumaça)

Para os parisienses da gema, um café e um cigarrinho eram como pão com manteiga. C’est fini… Poucos países fumaram tanto no século XX – quando o prismático artista Jean Cocteau esticou o pernil, o viúvo dele, o ator Jean Marais, ronronou na cremação do corpo: “Querido poeta – extingue-se como um cigarro!” E alguém consegue imaginar Sartre pontificando com um pirulito pendendo do beiço? Agora, passaram do 80 para o 8. Até os cartazes daquele filme sobre a vida do cantor Serge Gainsbourg foram arrancados do Metro de Paris.


Motivo: o protagonista aparecia com um obsceno cigarro entre os dedos. Se mantivesse os cartazes, o Metro levava uma multa de 100 mil francos, “por incitar ao consumo”. Bem, deve ser quase impossível mostrar Gainsbourg longe de uma auréola de fumaça. No caso dele, onde havia fumaça havia fogo no rabo: Brigitte Bardot, Jane Birkin, Catherine Deneuve, isabelle Adjani e outras deusas pagãs que o digam.

COMO TUDO COMEÇOU

O café surgiu no século IX, na Etiópia (mundo pequeno: o mesmo lugar onde despontou o homo sapiens). No início, a bebida foi considerada contrária às leis de Maomé. Mas depois os mulás puseram as barbas (do profeta) de molho e admitiram que o café auxiliava a digestão. O consumo popularizou-se tanto que na Arábia a infusão passou a ser chamada “Cahue”, que significa “força”. Com razão, pois trata-se de um estimulante, devido à cafeína – de 80 a 140 mg para cada 207 ml do cafezinho.
 

Na Europa, o café chegou no século XVII. Como era de origem muçulmana e o que não falta nesta vida são pentelhos pra encher o nosso saco, foi estigmatizado pelos cristãos. Até que o papa Clemente VIII deu um golezinho furtivo e (fazendo jus ao seu nome) perdoou a bebida. No Iluminismo, os cafés se espraiaram por toda a Europa, e algumas casas ficaram mundialmente famosas, como o Nicola, em Lisboa (Bocage vivia lá), ou o Virginia Coffee House, em Londres. Porém, em Paris, a coisa degenerou numa coqueluche.

Motivos? Ora, se há quem aprecie uma conversa fiada, são os franceses. Em Paris, os diálogos diante de uma xícara se converteram em conversa afiada.



(François Mitterrand: cafezão – não confundir com cafetão – na Brasserie Lipp)


A DEMOCRACIA NA XÍCARA

Os franceses institucionalizaram a tagarelice primeiro nos salões aristocráticos, onde as grandes damas recebiam os bem-pensantes e um ou outro mentecapto. Depois, na Academia Francesa, com as suas empertigadas reuniões de mindinho em riste. Mas os cafés eram mais democráticos. 

Neles, podia-se não apenas encontrar amigos, como fechar negócios, passar o dia a escrevendo cartas ou um livro. Com sorte, rolava um clima com a mesa ao lado. A maioria dos estabelecimentos badalados ficava em Saint-Germain-des-Prés, ou na junção do Boulevard du Montparnasse com o Boulevard Saint-Michel.

Alguns estavam ligados a grupos políticos. O Café de Flore foi o quartel-general da Action Française, movimento conservador, cujo líder, Charles Maurras, intitulou um livro Au Signe de Flore. Na Brasserie Lipp, nas imediações, uma noite o dirigente socialista Léon Blum foi insultado por adversários, e o arranca-rabo descambou em tabefes. Mais tarde, Blum queixou-se de ser sido atingido por “uma garrafa reacionária”. No outro lado do espectro, o Deux Magots se tornou uma catedral quer da vanguarda artística (com André Breton,  Picasso, o jazz e as canções antológicas e ontologócias de Juliette Greco) quer da política (com Sartre e o seu Existencialismo cada vez mais canhoto).

DE PORTA PORTA

Eis alguns dos mais midiáticos estabelecimentos do período áureo dos cafés parisienses.

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Les Deux Magots- O nome deriva de duas estátuas de madeira de comerciantes chineses que adornavam um pilar da casa. Foi, desde o princípio, um ponto de encontro da nata intelectual, abrilhantado por titãs como Sartre, Hemingway e Camus. Apareceu em inúmeros filmes e, desde 1933, promove um prémio literário, atribuído ao melhor romance francês de cada ano (hoje em dia, uma escolha espinhosa). 


(Picasso no café: guardanapo só para limpar o beiço e assoar o nariz)


Claro que, na mitologia dos cafés, muita coisa era, digamos, história pra boi dormir. Por exemplo, a lenda que Picasso pagava seus sandubas com desenhos no guardanapo. Ora, Picasso chegou muito jovem a Paris (só dominou o Francês na meia-idade, e com uma pronúncia macarrônica). Porém, já em 1914 era milionário, e, no final da I Guerra, mais abonado do que Eike Batista. E seu pé-de-meia nunca parou de crescer. Quando morreu, era simplesmente o artista mais rico de todos os tempos. Se a pobreza dele já não era franciscana, muito menos as suas maneiras. Foi no Deux Magots que o poeta Paul Eluard apresentou a Picasso a mulher mais marcante na vida do pintor (e houve tantas!), Dora Maar. Uma noite, no estúdio do artista, Dora e outra conquista de Picasso, Marie-Thérèse desataram aos murros, pintando o sete, enquanto ele permanecia impávido, simplesmente pintando. Qual era o nome do quadro? Guernica. O gênio espanhol foi um dos maiores misóginos de sempre. Confessou a uma das suas esposas: “Preferia que uma mulher morresse a vê-la feliz com outro homem”. Como pai, não melhorava muito. Setuagenário, rosnou a seu filho Claude: “Você é jovem e eu, velho. Gostaria que você morresse.” Quem pode culpar o moço por ser desobediente?


(Juliette Greco chega de carro ao Café de Flore: la vie en rose)


(Milan Kundera entrando no Flore: ancien regime)
 

Café de Flore – Simone de Beauvoir já nasceu numa casa que ficava por cima de um café, o Rotonde. E frequentou os principais da Rive Gauche, mas fixou-se, com e sem Sartre, no Flore. Com uma decoração Art Deco, o Flore mudou pouco desde a II Guerra. Durante a Ocupação nazista, se transformou praticamente na sala de estar de Simone de Beauvoir – entre as vantagens, tinha aquecimento. Foi lá que ela escreveu grande parte da sua obra, incluindo os volumes de Memórias. 


(Simone no Flore: jogando em casa)
Sartre também era assíduo, um espírito fogueteiro e mulherengo. O par acabou rotulado de “o Fred Astaire e a Ginger Rogers do Existencialismo”. Nunca casaram nem viveram juntos, apregoando uma “relação aberta”, baseada na “honestidade”. Mas o que os estudos recentes indicam é que a matriarca do feminismo se sujeitou aos caprichos do filósofo, mandão e machista – o protótipo do “marido burguês”. Pior, Simone volta e meia fazia de alcoviteira para Sartre, ajudando-a a seduzir jovens alunas (o escritor, tampinha e estrábico, era brilhante, mas não exatamente um pão). Já idosa, Simone revelou que teve o seu primeiro orgasmo aos 39 anos, e não com o seu Fred Astaire, mas com o romancista americano Nelson Algren, a quem, sentada no Flore, escreveu dezenas de cartas. Numa delas, exprime ao destinatário o anseio de “descalçar-lhe os sapatos, ir buscar-lhe o jornal, fazer-lhe o jantar e lavar a loiça de avental – e serei fiel como uma esposa árabe”. Digno de um anúncio de lingerie com Giselle Bundchen. Estamos falando da autora de O Segundo Sexo, com a frase famosa: “Não se nasce mulher; torna-se mulher” (Roberta Close que o diga).. Aos 72 anos, Algren deu uma entrevista fervilhando de raiva pela indiscrição de Simone. Espumou: “Cartas de amor deviam ser privadas. Estive em bordéis por todo o planeta, e as mulheres que lá trabalhavam fechavam a porta. Mas essa escancara a porta e convida o público e a mídia a entrarem”.



Closerie de Lilas – Abriu em 1847 e foi frequentado por Lenine e Trotsky, que aqui jogavam xadrez. Mas o mais sugestivo era um outro par: Gertrude Stein e Alice Toklas. Gertrude era escritora, dona do verso: “Uma rosa é uma rosa é uma rosa”, que ninguém faz a menor ideia do que significa (incluindo eu e ela). Aliás, aquele verso lembra o epigrama porco-chauvinista nojento: “Ninguém tem a última palavra sobre uma mulher, com exceção do eco.” 





Alice foi namorada de Stein a vida inteira. Moravam no nº 27 da rue de Fleurus (ainda lá está, com uma placa reverente – toquei à campanhinha mas ninguém atendeu).

(Retrato de G. Stein por Pablo Picasso: porte não de Monalisa, mas de lançadora de peso búlgara)

Gertrude distinguiu-se não como autora (é paparicada mas ilegível), porém como padroeira dos expatriados da Geração Perdida (apelido que inventou) e da vanguarda que virou a arte de ponta cabeça, nas primeiras décadas do século XX. Visitavam-na Picasso (de quem ela comprou inúmeros quadros, ainda uma pechincha), Satie, Hemingway, Matisse, Cocteau – a fauna toda, de A a Z. Acumulou uma das melhores colecções modernistas. Tudo começou quando Gertrude viu um desconhecido Cézanne exposto no Closerie de Lilas. Comprou-o. Claro que, quando chegou em casa, pendurou-o de cabeça para baixo – mas ninguém notou. Anos depois, conheceu pessoalmente o artista e convidou-o para um chá. Cézanne apontou a gafe, e a anfitriã quase morreu de vergonha. Já Alice não se envolvia nas conversas emproadas. Entrava e saía da sala com bolos e bebidas (ah, Amélia!). Às vezes, fitava a namorada e arrulhava, embevecida: “Ai, quando Gertrude se arruma, fica igualzinha a um general da Guerra Civil americana”. L’amour, toujour l’amour.

(Caricatura de Henry Miller feita no Closerie de Lilas)


(O bar do Ritz, com a cabeça de Hemingway esculpida num canto: papo cabeça)


O Bar do Ritz – Claro que não era um café, mas o retiro etílico do hotel mais feérico de Paris – e servia “expressos”. Consta que em 1944, durante a Libertação, um Hemingway fardado, sujo e salpicado de sangue, sulcou a cidade num jipe militar, abatendo os franco-atiradores dos telhados e berrarando: “Vou libertar a adega do Ritz!” Ao que parece, nem mesmo uma guerra mundial conseguia separar o escritor das garrafas.



 

(Cabeça de Heningway no bar epônimo)

Hoje o bar do Ritz chama-se “Hemingway”. Outra história talvez não muito bem contada (Hemingway, como bom ficcionista, mentia mais do que político em véspera de eleição) é a que reuniu F. Scott Fitzgerald e Hemingway certa tarde no Café de la Paix, ao pé da Ópera. Fitzgerald, autor do magistral O Grande Gatsby, era casado com a linda mas lunática Zelda – ambos inventaram a Riviera Francesa enquanto reduto chique (o autor descreveu a região em Terna É A Noite). Na tal tarde, os dois escritores já estavam copiosamente regados. Fitzgerald andava angustiado com sua performance sexual. Zelda queixava-se de que o órgão dele era “pequeno”. Hemingway, o avatar do macho alfa, rugiu-lhe: “Vamos tirar isso a limpo” – e ziguezaguearam para o banheiro. Depois da inspeção, Fitzgerald ouviu o veredicto: “É perfeitamente normal. Apenas parece pequeno, visto de cima. Você deve olhá-lo num espelho”.
Verdade? Fantasia? Hemingway conta a história em Paris é Uma Festa. Mas ele mentia como o Pinóquio – e não gostava de Zelda (esta tinha dito que o romance dele, Fiesta, era uma mistura de “bullfighting and bullshiting” (intraduzível).
Resumindo e concluindo: se este post lhe deu sono, leitor, tome um cafezinho. Ou emborque logo uma garrafa térmica.


Enquanto isso, fazendo de conta que é um (sul) americano em Paris, curta este caviar canora com a diva Françoise Hardy, um dos meus eternos femininos. Perdoa até o palhacinho brega que ela enfiou na sublime La Question. Salut!


(Fotos contemporâneas: Paulo Nogueira)

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