sábado, 27 de fevereiro de 2010

LILITH ... CONTINUAÇÃO DO ARTIGO

NOTA METODOLÓGICA



Todo estudante das primeiras auroras de um curso de graduação universitária em Antropologia como eu fui faz algum(!) tempo, aprende com o mestre Lévi-Strauss o modus operandi da aceitação da diversidade e do exercício da descentralização do pensamento racional, científico para a compreensão do mundo e dos seres humanos do mundo. Para olhar nos olhos e no corpo de Lilith não hesitei nem sofri em utilizar compreensões arquetípicas em meio a outras da psicologia junguiana e, do outro lado, a castração, o insconsciente estruturado como linguagem e outros olhares da psicanálise freudiana-lacaniana. O que me pareceu melhor lanterna para enxergar Lilith – este foi o critério. Heresia? Lilith é de uma heresia contagiante.


Fui surpreendido pelo fato do quase linchamento e estupro da jovem Geisy Arruda, estudante da Universidade Bandeirantes de São Paulo (Uniban), pelos seus jovens colegas, na mesma última semana de outubro (2009 d.C) em que morreu Lévi-Strauss. Há limites de páginas para artigos e, então, me senti tentado e obrigado a reduzir as páginas e linhas sobre Infibulação e Excisão e dedicar algumas delas ao lamentável episódio, divulgado pelas mídias nacionais e internacionais. A aluna foi perseguida e julgada por estar usando um vestido curto dentro da mencionada universidade.


Em, 12 de novembro de 2009 (d.C), vi uma foto no jornal baiano Correio da Bahia (Salvador, 12 de novembro de 2009, p.8 ) que ilustra reportagem sobre protestos de estudantes da Universidade de Brasília (Unb). Estão quase todo(a)s nus/nuas, protestando contra o que os algozes (todos eles) fizeram com Geisy na cosmopolita São Paulo. Hoje, quando vi essa foto (Ver final deste artigo) me senti menos culpado e menos inadimplente com a simpática platéia daquele 18 de setembro em Alagoinhas – Bahia. A foto mostra uma jovem de seios nus, na Unb, exibindo um cartaz que diz: “É PRECISO TEMER LILITH, ELA FICA ENCOLERIZADA QUANDO TENTAM ...”



LILITH, DEPOIS DO ZOOFILISMO DE ADÃO


A fase zoofilista não faz de Adão um homem mais alegre nem menos solitário. O homem continua só.. Do mesmo barro adâmico, Deus faz Lilith e a entrega a Adão – como um pai entrega a filha (que ele mesmo fez e/ou criou) ao noivo, em determinados ritos de passagem do ritual do casamento. Há, porém, quem defenda que Deus teria utilizado “fezes e imundície ao invés de pó puro” (GRAVES Apud SICUTERI, 1990, p.28). Compreendemos tal afirmação diante da mulher que Lilith viria ser: contestadora e consciente de ser sujeito de sua sexualidade e de seu próprio prazer sexual.


Tendo, enfim, uma companheira humana semelhante a ele, Adão agora está alegre e não mais está só. Tanta a felicidade, que ele chega a imaginar seu corpo e o corpo de Lilith um só corpo e as suas mãos entrelaçadas com as de Lilith estão amarradas com a ilusão de formarem uma única mão. Duas genitálias diferentes num só corpo ... é a doce ilusão do primitivo casal. Milênios e milênios antes, a verdade é que já intuíam a tese (vencedora) de Aristófanes: Lilith e Adão, cada um tem a certeza de que é a metade um de outro formando um só corpo.


Ainda hoje (2010 d.C), o sacerdote católico e o próprio curso de preparação de noivos católicos para o casamento reafirmam a ilusão de que houve e de que há/;haverá relação sexual, ao tentar convencer o casal, seja na preparação para as núpcias, seja no exato instante do ato ritual do matrimônio que eles são um só corpo, uma só carne. E incluem o “até que o morte vos separe”. Porém, sem o saberem, esta frase nada é a própria separação; a priori já estão separados desde ali, desde sempre e para sempre. Amém. Como se não bastasse, sacerdote – condenado ao celibato obrigatório - manda: “agora se beijem”, “os noivos agora se beijam” ... ou coisa que o valha; nesse beijo autorizado, permitido por Deus, cada um diz para o outro a mentira risonha do “eu te amo” Evidentemente, que o vexame público (a vergonha, tanta despesa com o bolo, bebidas, doces e salgados, etc. etc. jogado para o alto), seria a verdade tristonha da cada um falar bem alto na igreja: “eu me amo em você”. O paraíso dos suspiros e dos sorrisos transformado no inferno da indignação.



E, como se não bastasse a própria oratória, recorrem ao expediente bíblico (Bíblia cristã, o chamado Novo Testamento) das palavras de Cristo: “Não separe o homem o que Deus uniu”
Deixando 2009 d.C para trás (ou para frente?) e retornando ao in illo tempore, do casal primeiro, o fato é que Lilith (primeira companheira humana de Adão, depois do fracasso e do vazio d’alma que deixaram, nele, as práticas zoofilistas), está fazendo feliz o nosso carente herói.


Estão unidos numa só carne. Não ousemos separar “o que Deus uniu” nem lhes castigar com nenhum choque de realidade inventado pela tecnologia de Aristófanes.
Antecipando-se a Eclesiaste, Adão gozava com Lilith todos os dias desta vida vã. A lua de mel (Lilith vai ser chamada, depois – ironia à parte - de “Lua Negra”) teria sido mais doce, não fosse a contumaz impaciência demonstrada por Lilith. Com insistência, ela perguntava a Adão: “Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo?



“POR QUE DEVO DEITAR-ME EMBAIXO DE TÍ? POR QUE DEVO ABRIR-ME SOB TEU CORPO?”



“Por que devo deitar-me embaixo de ti? Por que devo abrir-me sob teu corpo?” (SICOUTERI, p. 35). O destaque a estas frases é proposital, embora saibamos que todo o destaque possível ainda será pouco, insuficiente, para chamar a atenção sobre a importância delas antes de tudo para compreendermos a mulher Lilith; e, de algum modo, porque ela não figura na Bíblia (Velho Testamento).


I - As frases usam o verbo DEVER num claro sentido de OBRIGAÇÃO. Questionam, pois, porque a mulher Lilith TEM que DEITAR e ABRIR-SE (abrir as pernas) debaixo do homem Adão. Os questionamentos carregam uma proposta “indecente” ao companheiro: Lilith quer deitar por cima de Adão e abrir as pernas em cima de Adão. Não quer se SUB- METER, quer dizer, se deixar meter por baixo. Lilith questiona, discorda da posição papai-mamãe. Esta posição – longe de parecer uma classificação grosseira, vulgar do presente – tem origem em tempos imemoriais quando o poder religioso, de algumas culturas, determinava a posição sexual de marido mulher – esta sempre embaixo daquele – para que o sexo cumprisse sua função reprodutiva – aliás, única função aceita no mundo da sexualidade, o prazer era considerado ilegítimo, proibido, indigno de seres humanos. Subvertendo a ordem, de que formas e posições


Lilith queria fazer sexo com Adão: 1 – Ele deitaria de bruços, ela ficaria por cima dele derrapando seu clitoris,nas formas curvas das nádegas e do anus de Adão. “Eu quero derrapar nas curvas do seu corpo” (Izabella Taviani – “Luxúria”);

2 – Ele ficaria de quatro pés enquanto Lilith “virando o jogo” (Izabella Taviani – “Luxúria”) roçaria seu clitória nas nádegas e com ele penetraria o ânus do companheiro; ou penetraria o ânus de Adão com um dedo enquanto o outro friccionaria seu próprio clitóris. Uma luxúria!
A exemplo dos adões de ontem e de hoje (2010 d.C), Adão não concorda com nenhuma dessas alternativas. Apega-se à gestão erótica, sexual, penetrocêntrica sim – mas ele/seu pêni/seus dedos/sua língua seguindo sendo os instrumentos de penetração. Ele no comando.
Ora, a palavra Lilith tem origem no sumério antigo Lulu que significa libertinagem, devassidão, luxúria ... atributos que, posteriormente, o Cristianismo registra e condena como pecado capital (ou pecado principal) ao lado da Ira, Gula, Inveja, Soberba, Avareza e da Preguiça. Lilith teria sido, desde sempre, o nome da primeira mulher de Adão, ou esse nome teria surgido depois da corajosa IN-SUBMISSÃO?


Talvez seja esta uma discussão não necessariamente acaciana, bizantina ... ou mesmo sumeriana. De todo o modo, salva-nos a leitura arquetípica do mito Lilith; assim sendo, o arquético, por definição geral, vem antes e segue depois de, no caso, Lilith. O arquétipo Lilith é maior do que a mulher Lilith não importa quando, porque e onde ela recebeu esse nome de origem tão pecaminosa aos olhos dos seguidores católicos (apostólicos romanos) de Jesus Cristo.


II – As frases são lapidares e definem a identidade de Lilith. São lapidares inclusive no sentido próprio de lápide tumular. Elas devem/deveriam ser gravadas a ouro no túmulo de Lilith. Com estas frases, ela “cava seu próprio túmulo”; as duas frases não abrem espaço para nenhum álibi. Com elas, Lilith se autocondena num processo que vai condená-la à morte – Deus como juiz.


III – As frases foram retiradas, censuradas, excluídas do texto bíblico (Genesis) porque ameaçavam o poder dos homens sobre as mulheres. Como foram os homens (em sua esmagadora maioria) os cronistas, ‘etnógrafo’s e ‘antropólogos’ ... enfim, os redatores da Bílbia, por certo eles não iriam “criar cobra para lhes morder as masculinidades – todas as masculinidades: do exercício do poder até o exercício da sexualidade. “Lua Negra”, Lilith será mesmo transformada em cobra, naquela serpente que vai despertar Eva para a desobediência (civil?) ao poder masculino - o de Deus- o criador do universo, segundo a Bíblia. Leiamos o seguinte trecho do Malleus Maleficarum (o conhecido “Martelo das Feiticeiras), escrito em 1484 pelos inquisidores Heinrich Kramer e James Sprenger:



Diz-nos ainda [São Tomás , IV, 34] que, pelo fato de o primeiro pecado que tornou o homem escravo do demônio ter sido o ato carnal, logo maior o poder conferido por Deus ao diabo com relação a este ato e não com relação aos demais. Não apenas isso: o poder das bruxas é mais aparente nas serpentes do que em outros animais, porque foi através da serpente que o demônio tentou a mulher. (KRAMER e SPRENGER, 1991, p. 122)



Por que Lilith teria sido satanizada, diabolizada, pela Igreja Católica, a julgar por essas palavras dos inquisidores? Como dissemos, anteriormente, Adão não aceita a proposta de IN-SUBMISSÃO que lhe apresenta Lilith. Ela é expulsa por Deus e por Ele extraditada para uma região do Mar Vermelho onde, segundo crença judaica tradicional, estavam os demônios. Lá ela conhece um desses demônios, de nome Sataniel (o nosso conhecido Satanás) e com ele faz o sexo que sempre desejou, ardentemente, fazer com Adão. Têm centenas de filhos, a cada ano desse intenso e incansável amor. É exatamente aqui, por ter mantido relações sexuais com Sataniel, que começa a satanização, a diabolização de Lilith.


Lilith está feliz e realizada em sua esplendorosa luxúria. Deus a transforma em uma serpente cheia de sangue e saliva. Uma serpente cheia de sangue e de saliva pode ser tanto o clitória como o pênis em seus mais incendiários momentos de desejo e de paixão. Lilith reaparece na serpente que, primeiramente, tenta (e é bem sucedida) Eva para que desobedeça a Deus. Cedendo à sedução de Lilith, Eva “peca’ e passa o fruto (o troféu) do pecado para Adão.


AMANHÃ, DOMING☼, 28 DE FEVEREIRO, A ÚLTIMA PARTE DO ARTIGO)

AMANHÃ, ☼ TAMBÉM, A RESENHA DO LIVRO DE WALTER BENJAMIN (“CHARLES BAUDELAIRE, UM LÍRICO NO AUGE DO CAPITALISMO” E A RENHA DOMINICAL).

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