sábado, 20 de fevereiro de 2010

AS CIDADES INVISÍVEIS - ENSAIO

TERCEIRA POSTAGEM
AS CIDADES INVISÍVEIS
ENSAIO


Em narrativas breves, As cidades invisíveis, de Italo Calvino põe em cena o veneziano Marco Polo descrevendo para o grande Kublai Khan as inumeráveis cidades que visitou em suas missões diplomáticas pelo império mongol.Nesta obra Italo Calvino extrapola os fatos possíveis e imagina um diálogo fantástico entre "o maior viajante de todos os tempos" e o famoso imperador dos tártaros. Melancólico por não poder ver com os próprios olhos toda a extensão dos seus domínios, Kublai Khan faz de Marco Polo o seu telescópio, o instrumento que irá franquear-lhe as maravilhas de seu império. Polo então começa a descrever minuciosamente 55 cidades por onde teria passado, agrupadas numa série de 11 temas: "as cidades e a memória", "as cidades e o céu", "as cidades e o mortos" etc.O desejo de Khan é montar o império perfeito a partir dos relatos que ouve. São lugares imaginários, sempre com nome de mulher Pentesiléia, Cecília, Leônia.Muralhas. Torres. Bichos rastejantes, peçonhentos, repelentes. Brejos ao lado de cachoeiras. Mundos ínferos percebidos pelos sentidos. Estátuas de bronze. Cristais. Uma imensa amplitude de territórios cercados de maravilhas. Cidades imagináveis. Cidades-armadilhas. Sentimentos e desejos contraditórios, reprimidos e gozados. Anastácia. Entre uma cidade e outra não se fala dos espaços que as separam. Entre um território e outro os intervalos não são visíveis. Percorre-se continentes, mas o trajeto é desconhecido, só se sabe da partida e da chegada. Literatura fantástica? Sensações de estranhamento no leitor perante o fascínio pelas aventuras que essas estranhas cidades oferecem. A excitação de Kubla Klan perante a narração de Marco Polo impulsiona suas narrativas a fermentarem outras, refluindo as recordações e dilatando sua imaginação, como nas Mil e uma noites."Kublai: Não sei quando você encontrou tempo de visitar todos os países que me descreve. A minha impressão é que você nunca saiu deste jardim.""Pólo: Todas as coisas que vejo e faço ganham sentido num espaço da mente em que reina a mesma calma que existe aqui, a mesma penumbra, o mesmo silêncio percorrido pelo farfalhar das folhas.”Ao longo de seu livro As cidades invisíveis, Italo Calvino sugere várias cidades através do discurso entusiasmado do mercador veneziano Marco Polo. O que se tem delas, de fato, são pistas ou prenúncios que vão insinuar imagens, formas, palavras, que interagem de maneira diversa para cada um que as experimenta. Essas cidades passam a ter visibilidade e ganham vida através da imaginação, no momento em que os leitores, assim como o grande imperador Kublai Khan, a quem Marco conta suas histórias, fazem livres associações, interpretam os recursos utilizados e preenchem as detalhadas descrições com a sua própria experiência, seus anseios e expectativas. Assim, para cada cidade citada no texto, formam-se várias leituras que têm pontos em comum, mas ao mesmo tempo, apresentam características singulares, que dependem década.O livro abre o lacre de um império sem fim e sem forma, um domínio em ruínas, mas também em constante construção através de caminhos que se abrem, se bifurcam e nunca se apresentam o mesmo. Diomira, Isidora. Dorotéia, Zaíra, Anastirma, Isaura, Maurília, Zoé, Zenóbia e tantas outras, são exemplos de cidades que escapam do controle humano, do olhar aferidor, racional e oferecem surpresas constantes a todos os sentidos. Suas ruas e vielas nunca podem ser fixadas no papel, sendo comparadas por Marco Pólo aos "caminhos das andorinhas que cortam o ar acima dos telhados, perfazem parábolas invisíveis com as asas rígidas, desviam-se para engolir um mosquito, voltam a subir em espiral rente a pináculo, sobranceiam todos os pontos da cidade de cada ponto de suas trilhas aéreas." Para o visitante são situações efêmeras as quais ele nunca chega a se habituar totalmente, mas não é assim para os moradores; para estes está tudo inserido dentro de padrões costumeiros, eles seguem o ritmo pacato das cidades, seus destinos parecem cativos ao seu movimento.Nem sempre as relações entre os elementos que Marco Polo utiliza para descrever as cidades e dar corpo à narrativa parecem claras ao leitor. Seu discurso sempre se serve de metáforas, palavras ramificadas que adentram por labirintos e inserem o leitor num quebra-cabeça. Por isso, a melhor idéia é percorrer as cidades não fisicamente, mas com o pensamento, pois a travessia não é física, mas interior. Para conhecer e entender as cidades é necessário manter o espírito em movimento, o olhar sempre novo, investigador, procurando descortinar o aqui mas também o ali, o outro lado, o atrás, o acolá.

(Amanhã, dia 21 de fevereiro – na quarta postagem do nosso Blog - daremos continuidade ao ensaio sobre “As cidades invisíveis” de Calvino)

4 comentários:

  1. Este comentário foi removido pelo autor.

    ResponderExcluir
  2. Vicente,

    Que seu blog é instigante, isso ele é. A primeira
    coisa que me ocorreu foi uma frase de Walter Benjamin,
    cito de memória: "Só há uma maneira de conhecer uma
    cidade, que é se perder nela". Muita gente já fugiu das
    cidades, há quem não aguente cidade nenhuma, há quem
    ache uma maravilha viver numa cidade grande, e agora me
    ocorre que, em toda megalópole, há coisas de outra megalópole.
    Em Salvador, por exemplo, há trechos de rua que me lembram
    Londres ou a atmosfera de Londres; as calçadas da av. Rio
    Branco, no Rio, têm alguma coisa das calçadas da Quinta
    Avenida, em Nova York. Você pode se perder em Milão,
    achando que está em Milão, mas na verdade está em S. Paulo.
    Bem, cidade, ou cidades, eis um assunto plural que deve
    comportar milhares de temas. Uma cidade é um câncer. Está aí uma frase provocativa. Osman Lins, em Avalovara (romance), criou uma cidade que
    é como um tapete voador: ela se desloca, anda no ar. Será que
    uma cidade (grande) é como uma boneca russa, isto é, dentro dela
    há várias cidades e cada uma, por sua vez, tem dentro de si uma cidade?
    Não estou falando de bairros, nem de regiões administrativas, de distritos.
    O que seria uma cidade como Feira de Santana se literalmente todos os seus
    habitantes se evaporassem, ficasse ela sem vivalma, e você descobrisse
    isso e nela estivesse, o que faria?

    Abraço,

    Valdomiro

    ResponderExcluir
  3. Que postagem incrível! Estava na dúvida em ralação a ler ou não, agora estou completamente convecida de que devo ler.

    ResponderExcluir
  4. Que postagem incrível! Estava na dúvida em ralação a ler ou não, agora estou completamente convecida de que devo ler.

    ResponderExcluir