sexta-feira, 19 de fevereiro de 2010

ENCHENTE DE PARIS - ENTREVISTA

SEGUNDA POSTAGEM
ENCHENTE EM PARIS FAZ CEM ANOS (JAN/1910-JAN/ 2010)


ENTREVISTA DO PROF. JACKSON À FOLHA DE S. PAULO
(edição de 14 de fevereiro de 2010, pp. 4-5, Cad Mais!)

FOLHA – Por que Paris ficou inundada em janeiro de 1910?
JEFFREY JACKSON – A enchente foi o resultado da combinação de condições climáticas externas e decisões humanas relativas à engenharia. O verão de 1909 havia sido extremamente chuvoso, e os níveis de água no solo permaneceram altos até 1910.
Quando, em dezembro de 1909 e janeiro de 1910, houve ainda mais precipitação, o solo não suportou mais e deixou de absorver a água da chuva.
As altas temperaturas para a época [era o meio do inverno europeu], especialmente nas montanhas da França central, ajudaram a derreter a neve, carregando grande quantidade de água para rios e riachos.
Um sistema de baixa pressão atmosférica se instalou em todo o país no começo de janeiro, provocando ainda mais precipitação. Em todo o norte da França, os afluentes do Sena começaram a transbordar e despejar suas águas no rio.
A infraestrutura urbana de Paris acabou piorando ainda mais a situação. A água brotava das bocas de lobo e invadia ruas e porões. As galerias subterrâneas, renovadas por Haussmann em 1860, não foram suficientes para suportar tal quantidade de água.
Também invadiu os túneis do metrô, penetrou no principal canal sob o Sena e atingiu áreas do outro lado do rio.
O engenheiro-chefe do serviço de águas durante a reforma feita por Haussmann, Eugène Belgrand, havia recomendado que os muros dos canais fossem elevados para prevenir inundações, mas os engenheiros posteriores não seguiram o aviso.
FOLHA – As reformas levadas a cabo por Haussmann necessariamente aumentaram a impermeabilidade do solo. Isso não foi determinante para que a inundação ocorresse?
JACKSON – Sim, foi um dos fatores que contribuíram para a inundação. Pois, à medida que mais áreas do solo receberam pavimento impermeabilizante, mais água passou a ser direcionada diretamente para o rio.
Ao expandir a cidade em 1860, Haussmann deflagrou um processo que pavimentou inúmeras áreas da capital.
FOLHA- Como a enchente poderia ter sido evitada?
JACKSON- Não estou seguro de que pudesse ter sido evitada, pois resultou de uma conjunção de fatores que ninguém poderia ter previsto. Os parisienses acreditavam que sua cidade não estava mais à mercê de inundações (em geral, o nível do rio sobe em todo inverno) devido à reengenharia urbana, mas suas crenças foram postas à prova quando a tecnologia mais moderna provou ser insuficiente.
FOLHA – A enchente de 1910 foi o primeiro grande evento a opor as forças da natureza às da civilização no século 20?
JACKSON – Não foi necessariamente o pior, mas certamente foi um excelente exemplo dessa tensão. Como disse, os parisienses estavam convictos de que a cidade poderia suportar qualquer desafio proveniente das forças da natureza, porque haviam construído a metrópole mais moderna da época.
Quando a água começou a aumentar, as pessoas olhavam e riam, não acreditando que o nível pudesse subir tanto quanto subiu – ou, caso de fato o fizesse não imaginavam as conseqüências que efetivamente ocorreram.
Os relatos da época evidenciam como a população acreditava de forma escancarada no poder do progresso e da ciência para tornar suas vidas melhores. Quan do a tecnologia falhou, ela se sentiu traída.
FOLHA – Considerando-se a forte penetração da filosofia positivista na virada do século 19 para o 20, pode-se dizer que a inundação decorreu da ideologização do progresso?
JACKSON – A enchente desafiou a crença generalizada no poder do progresso em tornar as coisas melhores.
Não quero dizer, com isso, que essa crença tenha provocado a enchente, pois
vários outros fatores, fora do controle do homem, atuaram ali – precipitação pulviométrica, a geografia da região, etc.
Mas a fé no progresso levou as pessoas a acreditar que haviam encontrado um modo de controlar o rio, o que acabou levando a um sentimento de complacência e de que estariam seguros sob quaisquer circinstâncias.
FOLHA – Como os parisienses reagiram, tanto gente do povo quanto escritores, artistas e intelectuais? -
JACKSON – Quando ficou claro que a infraestrutura moderna de Paris não poderia salvar a cidade, os parisienses procuraram ajudar uns aos outros.
Vizinhos ou não, policiais, soldados, bombeiros, marinheiros e trabalhadores resgataram pessoas em situação de risco e distribuíram comida.;
O Governo, a Igreja Católica e a Cruz Vermelha criaram abrigos de emergência por toda a cidade. Foram erguidas passagens de madeira ao longo das ruas alagadas, para que a população pudesse se locomover.
Naquele momento, Paris era uma cidade extremamente dividida, enredada em uma série de conflitos políticos, sociais, religiosos e econômicos.
Apesar disso, a inundação despertou um sentimento de camaradagem e solidariedade.
O poeta Guillaume Apollinaire escreveu vários artigos de jornais sobre a enchente mas, num primeiro momento, não demonstrou preocupação quando a água começou a subir.
Mas, após ter presenciado o grau de destruição, começou a temer pelo futuro de Paris.
Ele fez um tour pela cidade inundada, relatando a devastação que viu. Visitou um abrigo e ficou chocado com a imundície e a tristeza que presenciou.
Suas descrições estão entre as mais impactantes que já vi sobre o tema.

(Amanhã, sábado, dia 20, o final da entrevista, na terceira postagem do nosso blog.





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