Eis o comentário com que Valdomiro honrou nosso Blog:
Vicente,
Que seu blog é instigante, isso ele é. A primeira
coisa que me ocorreu foi uma frase de Walter Benjamin,
cito de memória: "Só há uma maneira de conhecer uma
cidade, que é se perder nela". Muita gente já fugiu das
cidades, há quem não aguente cidade nenhuma, há quem
ache uma maravilha viver numa cidade grande, e agora me
ocorre que, em toda megalópole, há coisas de outra megalópole.
Em Salvador, por exemplo, há trechos de rua que me lembram
Londres ou a atmosfera de Londres; as calçadas da av. Rio
Branco, no Rio, têm alguma coisa das calçadas da Quinta
Avenida, em Nova York. Você pode se perder em Milão,
achando que está em Milão, mas na verdade está em S. Paulo.
Bem, cidade, ou cidades, eis um assunto plural que deve
comportar milhares de temas. Uma cidade é um câncer. Está aí uma frase provocativa. Osman Lins, em Avalovara (romance), criou uma cidade que
é como um tapete voador: ela se desloca, anda no ar. Será que
uma cidade (grande) é como uma boneca russa, isto é, dentro dela
há várias cidades e cada uma, por sua vez, tem dentro de si uma cidade?
Não estou falando de bairros, nem de regiões administrativas, de distritos.
O que seria uma cidade como Feira de Santana se literalmente todos os seus
habitantes se evaporassem, ficasse ela sem vivalma, e você descobrisse
isso e nela estivesse, o que faria?
Abraço,
Valdomiro
Comentário do Blog:
Valdomiro fala, citando Benjamim, sobre o perder-se numa cidade como condição única de conhecê-la. De fato; mas penso que esse conhecimento é possível quando não existe a perda da subjetividade (o flâneur) para o, por assim dizer, perdido – o qual ‘segura a onda’ de sua própria subjetividade e faz do episódio uma lição. Perder-se [numa cidade] é diferente e mais proveitoso do que estar nela perdido.
Karl Heinz Hansen – o nosso xilogravurista alemão-baiano Hansen Bahia - nasceu em 19 de abril de 1915 em Hamburgo, Alemanha (Esse Blog vai divulgar a exposição comemorativa dos seus 95 anos), foi soldado na Segunda Guerra, morou em São Paulo, Etiópia, Bahia e veio morrer, em 1978, na cidade de São Félix, recôncavo baiano. O que faz uma pessoa deixar sua cidade, sua ‘aldeia’ (Caeiro-Pessoa) para, depois de andar meio mundo, morrer tão distante?
Há casos – não sei se foi o exemplo de Hansen – de pessoas que se sentem exiladas (um tanto dépaysé) em seu próprio país, em sua própria cidade. Drummond confessou em carta a Bandeira que gostaria de ter nascido em ... Paris. Rimbaud era um dépaysé. Esse “não aguentar” pode ser mesmo o estado de espírito de pessoas para quem não há (mais) lugar neste mundo.
A analogia com a boneca russa quando falamos de diferentes cidades grandes pode ser usada também para compreendermos as 55 cidades invisíveis de Ítalo Calvino. É possível que todas sejam apenas uma e que cada uma se encaixe na outra para formar essa uma, única.
Se Feira de Santana ficasse vazia de seus moradores ... Isto me fez lembrar um artigo que li sobre como ficariam as cidades caso uma epidemia ou uma bomba matasse apenas humanos.
Sem funcionários das prefeituras para cortar o ‘mato’ e podar as árvores, a floresta cobriria (e engoliria) a cidade ... E então, depois de algum tempo nenhum vestígio de cidade sobreviveria no mar verde da floresta; os gatinhos e cãezinhos de madames (e os vira latas) se transformariam ou se recuperariam em animais ferozes; afinal, lhes faltaria a domesticação e a ração diárias.
Acho que essa ficção não tão distante, talvez, de virar realidade tem a ver com a tese da Natureza como ente inimigo do ser humano (e vice versa).
Hoje, o estar numa rua de uma cidade nos transporta a outra cidade. Quais cidades? Todas as cidades. A globalização brinca de boneca russa com todas as cidades. Mas ainda há lugar para teimosos e resistentes macondos.
Um abraço,
Vicente
Vicente,
Que seu blog é instigante, isso ele é. A primeira
coisa que me ocorreu foi uma frase de Walter Benjamin,
cito de memória: "Só há uma maneira de conhecer uma
cidade, que é se perder nela". Muita gente já fugiu das
cidades, há quem não aguente cidade nenhuma, há quem
ache uma maravilha viver numa cidade grande, e agora me
ocorre que, em toda megalópole, há coisas de outra megalópole.
Em Salvador, por exemplo, há trechos de rua que me lembram
Londres ou a atmosfera de Londres; as calçadas da av. Rio
Branco, no Rio, têm alguma coisa das calçadas da Quinta
Avenida, em Nova York. Você pode se perder em Milão,
achando que está em Milão, mas na verdade está em S. Paulo.
Bem, cidade, ou cidades, eis um assunto plural que deve
comportar milhares de temas. Uma cidade é um câncer. Está aí uma frase provocativa. Osman Lins, em Avalovara (romance), criou uma cidade que
é como um tapete voador: ela se desloca, anda no ar. Será que
uma cidade (grande) é como uma boneca russa, isto é, dentro dela
há várias cidades e cada uma, por sua vez, tem dentro de si uma cidade?
Não estou falando de bairros, nem de regiões administrativas, de distritos.
O que seria uma cidade como Feira de Santana se literalmente todos os seus
habitantes se evaporassem, ficasse ela sem vivalma, e você descobrisse
isso e nela estivesse, o que faria?
Abraço,
Valdomiro
Comentário do Blog:
Valdomiro fala, citando Benjamim, sobre o perder-se numa cidade como condição única de conhecê-la. De fato; mas penso que esse conhecimento é possível quando não existe a perda da subjetividade (o flâneur) para o, por assim dizer, perdido – o qual ‘segura a onda’ de sua própria subjetividade e faz do episódio uma lição. Perder-se [numa cidade] é diferente e mais proveitoso do que estar nela perdido.
Karl Heinz Hansen – o nosso xilogravurista alemão-baiano Hansen Bahia - nasceu em 19 de abril de 1915 em Hamburgo, Alemanha (Esse Blog vai divulgar a exposição comemorativa dos seus 95 anos), foi soldado na Segunda Guerra, morou em São Paulo, Etiópia, Bahia e veio morrer, em 1978, na cidade de São Félix, recôncavo baiano. O que faz uma pessoa deixar sua cidade, sua ‘aldeia’ (Caeiro-Pessoa) para, depois de andar meio mundo, morrer tão distante?
Há casos – não sei se foi o exemplo de Hansen – de pessoas que se sentem exiladas (um tanto dépaysé) em seu próprio país, em sua própria cidade. Drummond confessou em carta a Bandeira que gostaria de ter nascido em ... Paris. Rimbaud era um dépaysé. Esse “não aguentar” pode ser mesmo o estado de espírito de pessoas para quem não há (mais) lugar neste mundo.
A analogia com a boneca russa quando falamos de diferentes cidades grandes pode ser usada também para compreendermos as 55 cidades invisíveis de Ítalo Calvino. É possível que todas sejam apenas uma e que cada uma se encaixe na outra para formar essa uma, única.
Se Feira de Santana ficasse vazia de seus moradores ... Isto me fez lembrar um artigo que li sobre como ficariam as cidades caso uma epidemia ou uma bomba matasse apenas humanos.
Sem funcionários das prefeituras para cortar o ‘mato’ e podar as árvores, a floresta cobriria (e engoliria) a cidade ... E então, depois de algum tempo nenhum vestígio de cidade sobreviveria no mar verde da floresta; os gatinhos e cãezinhos de madames (e os vira latas) se transformariam ou se recuperariam em animais ferozes; afinal, lhes faltaria a domesticação e a ração diárias.
Acho que essa ficção não tão distante, talvez, de virar realidade tem a ver com a tese da Natureza como ente inimigo do ser humano (e vice versa).
Hoje, o estar numa rua de uma cidade nos transporta a outra cidade. Quais cidades? Todas as cidades. A globalização brinca de boneca russa com todas as cidades. Mas ainda há lugar para teimosos e resistentes macondos.
Um abraço,
Vicente
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