quarta-feira, 28 de outubro de 2015

ALBERTO BRESCIANI - POESIA.NET - S PAULO




poesia.net 342 - Alberto Bresciani
Número 342 - Ano 13
São Paulo, quarta-feira, 28 de outubro de 2015
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«O tempo / é escritura de estilhaços. A paz é um pássaro sem asas.» (Myriam Fraga) *
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Não há como ler os versos de Alberto Bresciani e deixar de lembrar, por exemplo, o momento impérvio para os refugiados de guerra e persegguições de várias partes do mundo, notadamente Ásia e África. Perdoem-me pelo “impérvio”, mas é a palavra certa: “que não dá passagem, intransitável”, ensina o Houaiss.

Senhoras e senhores passageiros: não há passagem para Barcelona.
Um abraço, e até a próxima.

Carlos Machado

 
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LANÇAMENTO


Mar de Dentro
• Márcia Cavendish Wanderley


Mar de Dentro

A poeta e professora Márcia Cavendish Wanderley lança no Rio de Janeiro seu livro Mar de Dentro, pela Editora da Palavra.

Quando:
Sábado, 9/11/2015,
das 19 às 22 horas

Onde: Blooks Livraria
Espaço Itaú de Cinema
Praia de Botafogo, 316
Rio de Janeiro, RJ


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Sem passagem para Barcelona
Alberto Bresciani

 
 
Samuel Silva - Moça Ruiva
Samuel Silva, português, Garota Ruiva, desenho fotorrealista com caneta Bic



SORTE
O destino não nos pertence
nem a deuses runas
ou a leitoras de entranhas

A nudez e a tardia
indisciplina dos corpos
inutilmente perseguem a luz

Como agora
arriscar as veias?
Onde se apaga
o vazio?

Soube de búfalos
que trocam o cansaço
pela própria morte



Samuel Silva, Bebê nas mãos do pai
Samuel Silva, Bebê nas mãos do pai



OPÇÃO
Arquitetos adotam a transparência
como regra e matéria-prima
cobrem as cidades com casas de vidro
quase tudo se sabe
de lado a lado

é livre a visão
do peito rasgado
da luz que se apaga
dois gatos à espera
papilas que exultam

(o verbo esconder resseca
as coordenadas abertas)

há até quem prefira
vender suas vestes
e assim exposto
no ventre da urbana vitrine
apenas estar
em linha reta

outros rezam
pelo final das tempestades
ou pelo tiro na testa



Samuel Silva - Jaguar
Samuel Silva, Jaguar



PERPLEXIDADE
I

O Deus que conheço
não morreu

Está

Entre a fome e fama
em meio ao que explode ou afaga
flor e moeda

Terras que escorrem
matam crianças
cavalos
a última ave

Mas sim
está


II

Depois do grito do riso
restam farpa tarefa burla
atalho algum que me
engane ou salve?


III

No encalço da crença
um céu branco

estanca




Samuel Silva - Duar irmãs
Samuel Silva, Duas irmãs



ANIVERSÁRIO
Cinquenta anos não vieram
com astúcia e ciência

Não os convidei

Caminhava
quando me acertaram

Com eles se abriu
imensa folha
de papel em branco

encobrindo
o céu
o Cristo no monte
as horas

E eu

— só —

não sei



Samuel Silva
Samuel Silva, Bebezinha



CLÍNICA
        (à maneira de Eltânia André)

I

Sofremos iguais
inacabados e iguais
aqui
em Bali
Nepal

Morremos iguais
ignorantes e iguais
aqui
em Manaus
Cadaval

Uma flor igual
em cada cova
funda ou rasa

II

O relógio desperta
abrem-se os sinais
os filhos de bicicleta



Samuel Silva - Retrato de Mulher
Samuel Silva, Retrato de Mulher



CRISE DA POESIA
Há quase metade de meio século
o marido dela tinha fartos cabelos
negros e lisos
Mas morreu aos vinte e oito anos
de infecção ao extrair o segundo siso

Ainda assim teve cabelos negros e lisos

O desconhecido na cerimônia de casamento
tem bastos cabelos grisalhos
está ali ao lado da mulher
um pouco gorda e muito decotada
e desce os dedos pelo risco
de suas costas nuas

Confortável em seus cabelos de praia
há de fazer churrascos aos sábados
quem sabe jogar buraco às quartas

Alguém diz que busco ser poeta
vinte e quatro horas por dia
e me pergunto se há poesia
em invejar os cabelos do morto
ou do idoso grisalho
que é anônimo
e assim
se basta


Samuel Silva - Moça com brinco de pérola
Samuel Silva, Moça com brinco de pérola (a moça não é a de Vermeer, mas a do filme, Scarlett Johansson)



GOTHAM I
Nesta noite
Gotham não será salva
o herói passou o dia em luta
com seus hiatos e reticências
e esse céu malva arde a febre
das ausências e cobranças

Além disso há a miopia
e alergia a lentes de contato
Não se usa óculos sobre máscara
e faz tempo faz tempo
foi-se a Mulher-Gato

poesia.net www.algumapoesia.com.br
Carlos Machado, 2015

 
Alberto Bresciani
   In Sem Passagem para Barcelona
   José Olympio, Rio de Janeiro, 2015
_____________
* Myriam Fraga, "Olho de Vidro", in O Risco na Pele (1979)
______________
- Imagens: trabalhos do advogado português Samuel Silva

(1983), que desenha como hobby imagens fotorrealistas usando canetas Bic de oito cores diferentes
   

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